Pular para o conteúdo principal

A BASE RELIGIOSA DA HUMANIDADE

 


Por Doris Gandres

O homem tem o sentimento inato da divindade – é uma lei natural. Desde que o espírito chega ao estado hominal, mesmo ainda muito primitivo e selvagem, traz a intuição de algo superior a ele...

Essa religiosidade inata deu origem a inúmeras formas de religião no decorrer do tempo – inicialmente, simples e ignorantes, assustávamo-nos com os fenômenos da natureza: os raios, os trovões, as grandes tempestades, os fortes ventos... passamos então a adorar tais fenômenos, cujo feito atribuíamos a seres extrafísicos, criando para eles nomes próprios, rituais específicos, como homenagem visando abrandar sua fúria...

Também enquanto ainda primitivos, instintivamente já pressentíamos a existência de seres transcendentes, que alguns visualizavam e descreviam de acordo com suas impressões. Ernesto Bozzano, escritor e pesquisador dos fenômenos psíquicos, declara que “a crença nos espíritos sempre existiu, sempre foi testemunhada e tem sido a base das religiões primitivas” (1).

De um modo geral, a forma sob a qual as verdades religiosas são transmitidas aos encarnados é a revelação = uma mensagem divina transmitida aos homens por intermédio de um homem (médium). Esses reveladores ficaram conhecidos no passado como profetas – a Bíblia está repleta deles: Isaías, Jeremias, Malaquias, Zacarias e outros...

E de há muitos e muitos séculos, podemos ainda citar alguns: na Índia, Brama, com o Bramanismo e seu conhecido Bhagavad-Gita onde se recomenda limpeza de vida, intrepidez, austeridade, retidão, autodomínio, firmeza na sabedoria, inofensividade, ausência de cólera, placidez, compaixão para com todos os seres vivos, ausência de cobiça, brandura, modéstia, constância no bem. Ainda na Índia, Buda, (Sidarta Sakia Muni Gautama) fundou o Budismo; combatia as superstições e os sacrifícios e explicava a “roda das reencarnações” e os sofrimentos e misérias como fruto de nossas ambições egoísticas.

Na Pérsia, Zoroastro e Zaratustra: a religião que fundaram, com o livro Zend-Avesta, ensinava a conservar a palavra, a ação e o pensamento puros – devia conservar-se o corpo e a alma limpos; tinha leis morais de extraordinária elevação, relatam os historiadores e mitólogos.

Na China, Lao-Tseu, Confúcio e Mencio: Deus era a pedra angular de tudo que existe – seu livro maior foi o Tao-Te-King, o livro da razão suprema e da virtude.

Allan Kardec afirma (2): “se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, ele pode, com mais forte razão, suscitá-los para as verdades morais que são um dos elementos essenciais do progresso. Todas as religiões têm tido seus reveladores, e todos eles, embora longe do conhecimento total da verdade, tinham sua razão de ser providencial; porque eles foram apropriados ao tempo e ao meio em que viveram, ao gênio particular dos povos a que falavam e aos quais eram superiores. Apesar dos erros de suas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos, e, por isso mesmo, de semear os germens do progresso que mais tarde deviam alastrar-se, como se alastraram, um dia, ao sol do Cristianismo. Cristo e Moisés foram os dois grandes reveladores que mudaram a face do mundo – Moisés revelou o Deus único; o Cristo, o amor incondicional como chave do progresso espiritual”.

Mais adiante, e em conformidade com o avanço de cada grupo de espíritos encarnados, essa religiosidade foi encontrando outras formas de se exteriorizar e expandir-se.

Em muitas ocasiões, os homens serviram-se mal da religião, deturpando-a e usando-a para a conquista de poder sobre as criaturas. Mas, conforme esclarece José Herculano Pires: “Não obstante, o sentimento religioso do homem não foi aniquilado (...) a concepção nova de Deus, que nasce dos escombros da concepção antropomórfica do passado, é a de uma Inteligência Cósmica, que preside a toda realidade possível (...) o homem se liberta dos seus temores, da ilusão de sua fragilidade existencial, do confinamento planetário, do embuste e da hipocrisia, para viver a vida como ela é, na plenitude das suas potencialidades corporais e espirituais. O homem se emancipa e toma consciência da sua natureza cósmica. Diante dele está o futuro sem limite, a imortalidade dinâmica e demonstrável, que se opõe ao conceito limitado da imortalidade estática e hipotética. Sua herança não é o pecado nem a morte, mas a vida em nova dimensão”.

E coube ao Espiritismo, doutrina moral, filosófica e científica, com base nas leis naturais, ou seja, divinas, nos descortinar essa nova concepção; estabelece sua face religiosa n’O Livro dos Espíritos, na primeira parte, quando fala de Deus, e na terceira parte – nas Leis Morais; e mais ainda, n’O Evangelho Segundo o Espiritismo, onde Kardec condensa a quinta parte dos evangelhos reconhecidos, a parte moral dos ensinamentos do Cristo Jesus (4), que a doutrina nos revelou como Mestre e Irmão Maior, modelo e guia, despindo-o do mito e do endeusamento; aquele que uma boa parte da humanidade reverencia no Natal.

 

Fontes bibliográficas:

   Agonia das Religiões, J. Herculano Pires

    A Gênese, capítulo I, Kardec Allan

    Agonia das Religiões, J. Herculano Pires

    O Evangelho Segundo o Espiritismo – Introdução, K. Allan

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.