Por Jorge Luiz
Um nativo da América e seu amigo caminhavam em Nova York e próximo ao Times Square, em Manhattan, na hora do rush, por volta do meio-dia, as ruas estavam muito cheias. O ambiente era dominado pelos sons das buzinas e o “cantar de pneus” dos carros dobrando as esquinas. De repente o nativo disse:
- “Eu ouvi um grilo”.
Seu amigo perplexo e espantado, exclamou:
- “O quê! Você deve estar louco. É simplesmente impossível conseguir ouvir um grilo no meio de todo esse barulho...”
O índio, após ouvir atentamente por mais alguns instantes e, com passos firmes, atravessou a rua, dirigiu-se a um lugar onde havia um arbusto e colocando a mão por debaixo de algumas plantas, localizou o pequeno grilo.
O amigo não podia acreditar no que via.
- “Isso é incrível”, ele disse. “Seus ouvidos não são humanos”.
- “Não”, ele disse. “Meus ouvidos não são diferentes dos seus. Tudo depende daquilo que lhe interessa ouvir”. “Tudo depende daquilo que é realmente importante para você. Deixe-me mostrar-lhe o que estou tentando dizer”.
Colocando a mão no bolso, tirou algumas moedas e as deixou cair na calçada. Então, mesmo com todo o barulho da rua cheia de pessoas, eles observaram que as pessoas, mesmo a uma distância razoável de onde as moedas foram jogadas, voltaram suas cabeças para ver se elas lhes pertenciam.
O conto oferece de forma muito didática a diferenciação entre escutar e ouvir. O índio escutou o grilo, ouviu pelo coração, soube identificar o sentido do som e, ao pegar o grilo, criou “empatia”. Já os transeuntes apenas ouviram e perceberam através do sentido da audição. São Bernardo afirma que, caso queira ver; ouça, pois escutar vai além da visão. Saber ouvir e escutar são também formas bem diferentes de auxiliar a se fazer as próprias escolhas e acompanhar as mudanças que ocorrem no mundo. Não foi à toa que Frank Tyger (1929-1997), admitiu: “Aprenda a ouvir. A oportunidade pode estar batendo bem baixinho à sua porta.” Será utilizado para uma melhor compreensão, daqui para frente, apenas o termo ouvir, já que escutar é o requinte do processo do ouvir.
Os prodigiosos sistemas audiovisuais, na era da comunicação, estão condicionados aos meios eletrônicos que transformam todos os fatos e acontecimentos em um tsunami de mensagens.
O mundo se transformou em uma aldeia global com acessos online à informação, no entanto, propicia um falso conhecimento pelo simples fato de não se cogitar a fonte e a veracidade dos fatos. Neste burburinho proliferam os profissionais religiosos e políticos, que usam a demagogia como ferramenta de persuasão, que vige, mas especificamente pela incompetência de parte da população em não saber ouvir e discernir. Ouve-se e lê-se o que é de interesse dos grupos midiáticos e políticos.
As manifestações que surgiram no Brasil desde junho oferecem também um exemplo bem característico deste fenômeno. Um jovem indagado sobre o motivo que o levou a participar desse movimento não soube informar, mas estava lá, como um boi seguindo a boiada. Vive-se um imobilismo do pensar. A sociedade está na fase que Ortega y Gasset, em A Rebelião das Massas cogitou:
“Hoje, pelo contrário, o homem médio tem as ‘ideias’ mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para que ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas ‘opiniões’.”
É vivida uma neurose cibernética que levou Edgar Morin, um dos maiores pensadores da atualidade a chamar de “industrialização do espírito” e “colonização da alma”, pois segundo ele, as novas mercadorias são as mais humanas de todas, pois vendem a varejo os ectoplasmas de humanidade, os amores e os medos romanceados, os fatos variados do coração e da alma.
Na comunicação, gasta-se em média, segundo Tânia Castelliano, em sua obra Você Sabe Ouvir?:
· Ouvir...................................... 65%
· Falar....................................... 25%
· Ler.......................................... 9%
· Escrever................................. 6%
Veja a importância do ouvir no processo da comunicação humana.
Quando o ser humano se permite ouvir o outro, despe-se da “túnica do egoísmo” e se enriquece com a diversidade do outro. Os indivíduos devem ter isto permanentemente no processo do autoconhecimento. A empatia é ferramenta poderosa em uma sociedade competitiva e adoecida como a nossa. As descobertas e aprendizados são conquistados a partir do ouvido: ouvindo, descobrindo e aprendendo
Whitaker Penteado, em sua obra A Técnica da Comunicação Humana, afirma:
“Ouvir é renunciar. É a mais alta forma de altruísmo, em tudo quanto esta palavra signifique de amor e atenção ao próximo. Talvez por essa razão, a maioria das pessoas ouve tão mal, ou simplesmente não ouve. (...) Falar é ato positivo, nós nos afirmamos. Ouvir é ato negativo; nós nos escondemos.”
Em uma sociedade voltada para a autoafirmação pela palavra, ouvir ainda soa como personalidade fraca; tibiez ou timidez; incompetência ou medo. É comum ouvir, em tom depreciativo, a seguinte afirmação sobre tal comportamento, de participante de algum encontro coletivo:
“Entrou mudo e saiu calado!”
Valoriza-se quem foi mais atuante e participativo pelo número de intervenções feitas. É bem provável que talvez o que “entrou mudo e saiu calado”, foi quem mais participou e se enriqueceu na diversidade.
É importante, no entanto, ter em mente que a conversação é saudável e enriquecedora. O saber ouvir favorece uma melhor especificação dos diálogos e do mapa mental dos indivíduos. Leia-se o que diz Theodore Zeldin, um dos maiores pensadores da atualidade, em sua obra Conversação, adverte:
“Mas eu vejo o mundo de outro modo. Para mim, ele se constitui de indivíduos que estão sempre em busca de parceiros, de amantes, de um guru, até mesmo de Deus. Os acontecimentos mais importantes e transformadores da vida são os encontros entre esses indivíduos.”
Constata-se que os condicionamentos da vida obliteram a capacidade de se enriquecer nas convivências com o outro. A relação nossa com Jesus vibra nesse diapasão.
Em todos os ensinamentos de Jesus lê-se as diversas ocasiões em que ele se utiliza da necessidade de saber ouvir. Uma, no entanto, é destaque. Está no diálogo entre Jesus e o sumo sacerdote – João, 19-21 -, quando é interrogado acerca de seus discípulos e da sua doutrina e responde:
“Eu falei abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde todos os judeus se reúnem. Nada disso em oculto.
Para que me interrogas? Pergunta aos que me ouviram. Certamente que eles sabem o que eu disse.”
Mais de dois milênios se passaram da mensagem da Boa Nova, já experienciamos várias jornadas na carne e só escutamos o chamado do Mestre Nazareno. Sem ouvi-la, jamais a internalizaremos para que se possa senti-la e ocorrer o processo de transformação.
Padre Vieira, em um dos seus sermões mais festejados – Sermão de Santo Antônio ou dos Peixes – relembra a pregação de Santo Antônio em Itália, na cidade de Arimino (hoje Rimini), constatando que entre os hereges os erros de entendimento são impossíveis de arrancar, Antônio volta seu púlpito e o auditório ao mar, não desistindo da doutrina:
“Já que me não querem ouvir os homens, ouça-me os peixes. Oh marvavilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, Antônio pregava e eles ouviam.”
Jesus, recorreu à oralidade, Kardec, não. Precavendo-se do que se tornara o Cristianismo, como aí está, no Projeto – 1868, comenta a esse respeito e afirma:
“A experiência deve esclarecer-nos sobre o caminho a seguir. Mostrando-nos os inconvenientes do passado, ela nos diz claramente que o único meio de serem evitados no futuro consiste em assentar o Espiritismo sobre as bases solidas de uma doutrina positiva que nada deixe ao arbítrio das interpretações.”
O Espiritismo, no entanto, exige estudo, o que não invalida a participação em palestras, workshops, congressos, em mídias audiovisuais; sabendo-se ouvir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLIANO, Tânia. Você sabe ouvir? Rio de Janeiro: Best Seller, 2008.
MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX (Neurose). Rio de Janeiro: Forense, 1997.
PENTEADO, J. R. Whitaker. A técnica da comunicação humana. 7. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões escolhidos. São Paulo. Martin Claret. 2003;
ZELDIN, Theodore. Conversação: como um bom papo pode mudar a sua vida. Rio de Janeiro: Record
Gostei do texto. Ele age como um espelho em mim. Hoje, ainda bem, descubro que a ansiedade faz dupla com a maneira apressada de ouvir. E isto, fez-me pensar lá na minha infância quando una voz de não sei onde dentro de mim, dizia, "por ali não vá".
ResponderExcluirOlá, Valnei! Gratidão pelo comentário. Jorge
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