Pular para o conteúdo principal

O CAMINHO DO MEIO

 

 


Por Doris Gandres

Essa citação vem sendo difundida e recomendada há muito tempo, como consta de um ensinamento espiritualista. Geralmente e possivelmente devemos entender esse “caminho do meio” como a via do equilíbrio, da moderação, da precaução e do discernimento desapaixonado e sem escolhas impensadas, sob o uso da reflexão esclarecida e isenção de todo e qualquer preconceito e/ou discriminação.

Contudo, apesar disso, acontece haver casos em que também pretendemos um outro aspecto dessa citação, abraçado por muitas e muitas criaturas, muitos e muitos de nós, inclusive dos que nos dizemos espíritas – é o de não nos posicionarmos claramente sobre temas, situações e condições quando isso possa, de alguma maneira, nos colocar a descoberto, nos desmascarar, deixar-nos inconfortáveis perante o grupo, a coletividade em que estamos inseridos, visto necessitarmos todos dessa sensação de pertencimento e aceitação.

Analisando essa questão sob a ótica espírita, o meio espírita, em sua grande maioria conduzido pelo movimento espírita brasileiro institucional, conservador, manipulador e místico, visto ter encampado a filosofia roustainguista, acabou por escolher o caminho de desconsiderar a realidade das situações e condições, assumindo aparências de benevolência e fraternidade superficiais. Digo superficiais porque o relacionamento até mesmo entre seus próprios pares absolutamente não exclui discriminação, preconceito, desrespeito, desconsideração. E essa postura se alastrou no meio espírita, bem como nas casas espíritas, tanto de forma ostensiva como disfarçadamente, abrangendo aspectos políticos, sociais e outros.

Compreende-se em geral a caridade como a doação de sacolas de alimentos imperecíveis, roupas, agasalhos, parcos cobertores, enxovais de bebê etc. – denominando de “assistidas” essas irmãs, pois são em larga maioria mulheres que recorrem a essas doações, sujeitas, no entanto, à sua participação em palestras inócuas, de doutrinação evangélica, quase nunca de esclarecimento quanto aos seus direitos de cidadania, de suas possibilidades de buscar e exigir sua inserção no quadro de justiça social – inclusive para ali, naquele momento, receber um lanche ou almoço... E assim é igualmente, provavelmente com denominações e condições diversas, em outras tantas religiões, seitas, filosofias de toda sorte. E isso no decorrer de dezenas, até centenas, de anos...

Já pude lamentavelmente verificar como tantas vezes se assume no meio espírita o posicionamento tipo “centrão”, de maneira similar aos nossos “renomados políticos”. eleitos e reeleitos quase que indefinidamente por nós – eleitores “distraídos” – pois essa posição permite à criatura optar por um lado ou outro, uma situação ou outra, naturalmente por aquela em vantagem no campo do poder e da supremacia, atendendo aos interesses pessoais a mais das vezes descompromissados com o coletivo.

No considerado mundo ocidental, seria esse o “caminho do meio”: a alienação, o descompromisso, a omissão, a fuga ilusória da responsabilidade? Quem de nós, qualquer seja o credo religioso ou político pode imaginar-se isento de participação, voluntária ou involuntária, no contexto social da humanidade? Isento por seguir a errônea recomendação de “não tomar conhecimento do mal para não lhe dar força”, “não se inteirar das notícias e dos acontecimentos do mundo para não se impregnar de vibrações negativas”? Triste, lamentável e prejudicial ilusão...

Dia chegará em que compreenderemos que a nossa evolução, o nosso progresso intelectual e moral como seres pensantes imortais, bem como o da coletividade, depende da assunção e do exercício da responsabilidade de cada um e de todas/os; afinal somos seres gregários, sociais, políticos e coletivos.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.