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"A FORÇA MESMA DAS COISAS" (Allan Kardec)

 

 

Por Doris Gandres

Os Espíritos Superiores não poderiam ter encontrado expressão mais concisa e apropriada para definir aquela situação em que ninguém nem nada mais pode interferir. É o momento em que, queiramos ou não, a lei natural se impõe, sem apelação possível, fazendo com que tudo se passe exatamente como tem que ser porque todas as possibilidades de auxílio e misericórdia já foram esgotadas e o progresso se tornou absolutamente impreterível...

Franz Kafka, filósofo niilista* conhecido, fez uma declaração muito interessante: “é preciso olhar para além das coisas, e então talvez as compreendamos”. Chega a ser surpreendente como um niilista, ateu, materialista, nos coloca uma visão transcendental da realidade imediata à qual sempre nos aferramos. Frequentemente, não conseguimos ver além do que nos atinge naquele momento e naquela situação. Olhar além das coisas é procurar entender o seu significado e suas consequências, compreender a causa e a origem de cada evento, de cada sucesso ou dificuldade nas coisas que nos acontecem, e também nas que provocamos em relação a outros...

A presente situação socioeconômica da humanidade como um todo, do nosso País em particular, vem gerando nas criaturas sentimentos bastante negativos, de inconformação e revolta, como se fôssemos apenas vítimas das coisas que estão acontecendo... Felizmente nós, espíritas, já temos manancial suficiente para lutar contra tais tendências, embora possam eventualmente ainda se manifestar – contudo, temos o dever de exercitar o nosso “bom combate” contra elas. Não podemos mais esquecer que “muito será pedido a quem muito foi dado” ...

N’O Livro dos Espíritos, q. 783, dentro da Lei do Progresso, Cap.II – Marcha do Progresso, Allan Kardec pergunta: “O aperfeiçoamento da humanidade segue sempre uma marcha lenta e progressiva? E os Amigos respondem: “Há o progresso lento e regular, que resulta da força mesma das coisas; mas quando um povo não avança bastante rápido, Deus lhe provoca, de tempos em tempos, um abalo físico ou moral, que o transforma”.

E em A Gênese, quando Kardec analisa os Sinais Precursores (item 57) da transformação dos homens e do mundo, contidos nos Evangelhos de Mateus, Marcos e João, ele esclarece: “Quando se realizarão tais coisas? Ninguém o sabe, disse Jesus, nem mesmo o Filho. Porém, quando chegar o momento, os homens serão advertidos pelos índices precursores. Tais sinais não estarão nem no sol nem nas estrelas, mas no estado social e nos fenômenos mais morais que físicos e que em parte se podem deduzir de suas alusões”.

E não é o que estamos constatando presentemente? Os abalos físicos têm acontecido, é certo, e sempre aconteceram no mundo desde a sua criação e fazem parte da própria evolução do planeta em conformidade com as leis naturais. Entretanto, a questão moral é que se tem abatido com mais intensidade sobre a humanidade, provocando não só os tais abalos físicos, quando agridem a natureza propriamente dita, mas sobretudo a derrocada moral em inúmeros setores, os mais variados e alguns até mesmo considerados como improváveis...

O comentário de Kardec à citada questão d’O Livro dos Espíritos (783) é, como sempre, de uma lógica irretocável: “O homem não pode permanecer perpetuamente na ignorância porque deve chegar ao fim determinado pela Providência: ele se esclarece pela própria força das coisas. As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram pouco a pouco nas ideias, germinam ao longo dos séculos e, depois, explodem subitamente, fazendo ruir o edifício carcomido do passado, que não se encontra mais de acordo com as necessidades novas e as novas aspirações. O homem geralmente não percebe, nessas comoções, mais do que a desordem e a confusão momentâneas, que o atingem nos seus interesses materiais; mas aquele que eleva o seu pensamento acima dos interesses pessoais, admira os desígnios da Providência, que do mal fazem surgir o bem. São a tempestade e o furacão que saneiam a atmosfera, depois de a haverem revolvido”.

Certamente não deixaremos de concordar ainda com Kardec quando afirma, em Obras Póstumas, no capítulo Credo Espírita, que “não basta se cubra de verniz a corrupção, é indispensável extirpar a corrupção”. É verdade que não devemos nos permitir dominar pela revolta irrefletida nem pelo desânimo castrador; mas não podemos simplesmente fingir que não sabemos de nada, que nada está acontecendo, que nada podemos fazer a respeito; e delegar nossa responsabilidade perante a situação humana terrena (LE 573) aos Espíritos Superiores e comodamente alegar que Jesus está no leme – ele está, é verdade, mas nos delega a tarefa de tomar as necessárias providências para que a embarcação possa singrar em segurança... Para tanto, Deus já nos deu suas sábias leis e nos dotou de inteligência e livre arbítrio, que desenvolvemos no decorrer de milênios de experiências, fracassos e conquistas.

 

*Niilista – pessoa que é partidária do niilismo = descrença completa, redução a nada

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