Pular para o conteúdo principal

O NOVO CRISTIANISMO

 

            Nomes velhos têm desvantagens porque carregam consigo uma história de erros. Carreguemos o nome do cristianismo, no entanto, em homenagem ao Cristo. E em homenagem aos sinceros cristãos, que foram explorados faz dois mil anos, mas são mais justos que os homens da ciência burguesa que os denunciaram como simples. Cientistas e pensadores que não deixaram no fundo de ser exploradores, pois que em geral nunca quiseram e se propuseram a libertar os explorados. Ainda hoje a esperança do homem simples, do cristão pobre e oprimido, é muito mais justa que a ciência que reveste de argumentações e hermenêuticas os discursos da sociedade decadente. Em homenagem aos cristãos, iludidos, mas de sentimentos sinceros, e não aos líderes cristãos, exploradores com ou sem ciência disso, o cristianismo é uma palavra que rende preitos ao Cristo.

            Mas, na boca de uma humanidade que aspira à justiça, o cristianismo é uma palavra totalmente nova. Na verdade, o cristianismo não deveria é estar na boca destes dois mil anos, na boca dos que o confundiram com os mandos da terra e o circunscreveram aos céus. O cristianismo na sua mais profunda esperança de justiça não se confunde com instituições cristãs, é antes de tudo a liberação da humanidade sofrida e injustiçada e a real sociedade dos irmãos em si. O lema da fraternidade, nas mãos das religiões cristãs, acaba em esmola, que é a antítese do cristianismo.

            Nas mãos dos que lutam pela libertação humana, é o resultado da luta, da batalha pela transformação social e história humana, vida não egoísta, é o resultado de uma vida em comum, cuja repartição de todos os bens e de todas as necessidades é comum. A fraternidade da esmola é mais um prego que os cristãos pregam no corpo do Cristo na cruz, apenas com a diferença que a esmola mata com dó.

            A verdadeira fraternidade, a libertação da humanidade, não é morrer com o Cristo na cruz, é libertá-lo da cruz e viver com ele a vida plena. Até hoje, as religiões ajudaram a conduzir, como Pilatos e Herodes o fizeram, mas prometendo os céus, a humanidade ao calvário. No dia em que a humanidade libertar-se da injustiça, da dor, da fome, da miséria, da desigualdade e da opressão. Cristo sairá da sua cruz e a humanidade aprenderá a representa-lo como o irmão vivo. Até agora os cristãos têm sido crucificadores da humanidade. A libertação humana é a saída da cruz.

            Falar para o pobre cristão ainda hoje é falar do seu mundo encantado que espera que o Cristo volte, que segura na mão de Deus, que acha que a Terra acabará, que acredita no Juízo Final. Infeliz é a humanidade que, ao mesmo tempo, produz a ciência, a razão mais elevada, mas para que elas existam, para o luxo, relega a maioria à miséria e à ignorância. A libertação da humanidade é a fraternidade de todos, o que não representa, jamais, a instauração do fanatismo universal, antes é a razão de todos e para todos. A libertação da humanidade é a razão não-exploradora, é a ciência para a justiça, mas a justiça de todo o povo, feita com o sentimento mais profundo, de justiça que é este que vem dos explorados. Só os explorados poderão fazer justiça, com as armas da razão, mas com o sentimento de uma verdadeira cristandade.

            As religiões oficiais e intolerantes não serão jamais libertadoras da humanidade. O fanatismo dever ser proscrito das páginas de nosso presente e de nosso futuro. A razão dos exploradores, por sua vez, nunca deu um fruto que não fosse para fastio de suas mesas. Ela não serve para muita coisa enquanto a humanidade não se libertar da opressão e da injustiça. A libertação, por sua vez, não é obra do esclarecimento das elites, posto que esclarecimento, para elas, é sempre mais distanciamento ainda da cegueira dos explorados. Cristo não fala a linguagem de nenhuma exploração, de nenhum distanciamento. Nenhuma verticalização das relações humanas tem semelhança com Cristo. Cristo é irmandade, é fraternidade, é amor pleno. Só os explorados são o futuro de nossa libertação, posto que só este sentimento de justiça e a esperança do amor universal movem a transformação da humanidade. É pela plena libertação dos explorados, libertação das injustiças pelos injustiçados, que se construirá um mundo cristão.

            A ciência, pois, deverá ser a ciência da libertação. A filosofia, a filosofia da justiça. A ação humana deverá ser a ação para a plenitude, o amor sem peias. Cristo não está nos corações apenas. Não está só em nosso cérebro, em nossas divagações. Está na mesa e no pão, está na doença e no remédio, está na saúde mais que no remédio, está na enxada de cada um, mas também na terra de todos, está na palavra do que sabe, mas no caderno de quem aprende com ele. Que toda nossa ação seja, pois, desde agora, transformação.

            O último preso da terra, o último esfomeado, o último humilhado por suas fraquezas, o último servo de alguém, o último proprietário privado, o último trabalhador sem seu produto, o último lavrador sem sua enxada e sem sua terra, o último homem sem alegria, a última pessoa sem felicidade, fechem eles, pois, a porta do passado: anunciarão que o Cristo voltou e vive entre nós.

 

 

fonte: O Cristianismo Libertador, Alysson Mascaro, editora Comenius.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEMOCRACIA SEM ORIENTAÇÃO CRISTÃ?

  Por Orson P. Carrara Afirma o nobre Emmanuel em seu livro Sentinelas da luz (psicografia de Chico Xavier e edição conjunta CEU/ FEB), no capítulo 8 – Nas convulsões do século XX, que democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Grifos são meus, face à atualidade da afirmação. Há que se ressaltar que o livro tem Prefácio de 1990, poucas décadas após a Segunda Guerra e, como pode identificar o leitor, refere-se ao século passado, mas a atualidade do texto impressiona, face a uma realidade que se repete. O livro reúne uma seleção de mensagens, a maioria de Emmanuel.

JESUS E A QUESTÃO SOCIAL

              Por Jorge Luiz                       A Pobreza como Questão Social Para Hanna Arendt, filósofa alemã, uma das mais influentes do século XXI, aquilo que se convencionou chamar no século XVII de questão social, é um eufemismo para aquilo que seria mais fácil e compreensível se denominar de pobreza. A pobreza, para ela, é mais do que privação, é um estado de carência constante e miséria aguda cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é sórdida porque coloca os homens sob o ditame absoluto de seus corpos, isto é, sob o ditame absoluto da necessidade que todos os homens conhecem pela mais íntima experiência e fora de qualquer especulação (Arendt, 1963).              A pobreza é uma das principais contradições do capitalismo e tem a sua origem na exploração do trabalho e na acumulação do capital.

A FÉ NÃO EXCLUI A DÚVIDA

  Por Jerri Almeida A fé não exclui a dúvida! No espiritismo, a dúvida dialoga filosoficamente com a fé. O argumento da “verdade absoluta”, em qualquer área do conhecimento, é um “erro absoluto”. No exercício intelectual, na busca do conhecimento e da construção da fé, não se deve desconsiderar os limites naturais de cada um, e a possibilidade de autoengano. Certezas e dúvidas fazem parte desse percurso!

ESPIRITISMO NÃO É UM ATO DE FÉ

  Por Ana Cláudia Laurindo Amar o Espiritismo é desafiador como qualquer outro tipo de relação amorosa estabelecida sobre a gama de objetividades e subjetividades que nos mantém coesos e razoáveis, em uma manifestação corpórea que não traduz apenas matéria. Laica estou agora, em primeira pessoa afirmando viver a melhor hora dessa história contemporânea nos meandros do livre pensamento, sem mendigar qualquer validação, por não necessitar de fato dela.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

ÉTICA E PODER

     Por Doris Gandres Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse humanos. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...