Pular para o conteúdo principal

A MORTE DE ACIOLI E NOSSA POLÍTICA ASSASSINA

José Acioli Filho, professor da Ufal, é encontrado morto em Maceió — Foto: Adufal
Foto: portal G1

Tenho tentado dialogar com a fatalidade que nos ronda os corpos, sejam vegetais ou animais; essa força de renovação que silencia e assusta todos os mortais, para não encerrar na morte as repulsas que as emoções sugerem.

Morrer é como nascer.

Morrer é retornar para algum outro lugar, seja o abraço da terra ou as brumas invisíveis dos mundos espirituais e reinos deslembrados que nos contemplam de perto ou longe, sem que percebamos.

Mas há algo na morte que instiga a vida, a luta pela vida, melhor dizendo. Tal enredo pode ser encontrado na forma como estamos morrendo.

A pandemia nos trouxe para mais perto da morte, para o luto sequenciado por parentes e amigos que entraram para as estatísticas da dizimação por covid-19, e todo um elenco de fatos políticos está armazenado por trás das separações em massa ocorridas neste tempo.

As violências pululam no entorno de uma vida social conflituosa desde a estrutura recheada de mazelas. Entre os males, a homofobia.

Conheci o professor Acioli há muitos anos, nas noites quentes e plenas de risos partilhadas com amigos das Ciências Sociais no bairro paradisíaco da Garça Torta, eu era estudante.

Cervejas e baseados não feriam a moral de ninguém, e pegava quem queria. Ainda não era professor da Universidade Federal de Alagoas, mas já ensinava a arte da transformação, e suas máscaras carnavalescas enchiam nossos olhos.

Era fluido, amante das alegrias!

Certa feita nos encontramos na Universidade Federal da Bahia acompanhando um grupo de jovens atores alagoanos, e sua leveza amenizou minha causticante exigência de juventude militante, carecente de olhares mais entendidos.

Cenas da vida real, marcantes em si.

Amigo, professor ou artista, Acioli era vida em movimento!

Como não sofrer com essa morte que lhe impuseram?

Como acatar com normalidade que pancadas e asfixia lhe tenham apagado a chama que acendia a vida corporal?

Essa gritante acusação feita pelo modus operandi de levar nossos amigos e irmãos homossexuais à morte, o que nos diz sobre o que somos?

Além da piedade sobre a morte, quero compreender o que nos apaga o lume da alma, enquanto humanos criminosos, reproduzindo letalidades sobre segmentos tarjados.

Além desse desespero, desse medo, busco reações não-clichês.

Chego outra vez nos caminhos intencionalmente lodosos da política.

Nascer e morrer não são apenas fenômenos biológicos.

Assim como viver não é pura e simplesmente graça divina.

Neste imiscuir de forças e fenômenos, a política brota como energia humana de condução.

Estas mortes não deveriam acontecer assim.

Morrer é um fenômeno natural, ser morto a pancadas, facadas, asfixia, tiros, tortura e abandono, não!

Tolerar a homofobia é grande crime, e incentivar as práticas homofóbicas tem sido característica de políticos brasileiros encontrados em todos os perfis de poder.

Por que eles estão lá, no executivo e no legislativo, nos matando?

Porque outros poderes instituídos o permitem.

Porque o religiosismo referenda.

E muitas outras razões poderão ser elencadas quando quisermos de fato fazer esta busca.

Lidar com as emoções provocadas por estas feridas também tem sido grande desafio ao pensamento, mas é nesta justa hora que mais precisamos pensar.

Não troque seu raciocínio pelas brados emotivos, e selecione o trigo da razão desse joio moralista semeado nos campos da vida com intenção de dominação política e econômica, com fachada conservadora e salvacionista.

Neste átrio está a perdição.

O inferno da desumanização.

O comprometimento espiritual secular.

Nossos irmãos homossexuais nem precisariam ser identificados pela orientação sexual, se não estivéssemos incorporados em sepulcros caiados.

Mas o dia da libertação se dá em paralelo com a hora da dor.

Acioli foi morto brutalmente, como outros homossexuais que conhecemos ou dos quais tivemos notícias, e seu espírito eterno viajou com a luz; contudo, sua passagem não nos isenta da responsabilidade de seguir caminhando nesta terra de males com a bandeira da vida nas mãos.

Entre orações e lágrimas, sejamos vozes que semeiam política em compromisso fatal de amor, indistintamente.

Siga em acolhida espírito liberto.

Consciências encarnadas, a luta espera a vitória do amor coletivo, em suas vestes políticas urgentes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...