Pular para o conteúdo principal

EVOLUÇÃO POLÍTICA DA MULHER ESPÍRITA

 


Quanto mais longa seja uma existência, por certo mais questionamentos haverá de suscitar na alma desperta. A vaga esperança de um pouso pacífico, que nos leve solenemente a aguardar o último suspiro certamente compõe o cabedal de ilusões que impulsionamos na tentativa de amainar os sentimentos contrários a tudo que idealizamos, ou seja, ausência de frustrações, enganos, raivas e erros.

Crescer tem suas dores, e elas nem sempre estão ligadas aos erros e escorregos intencionais dos espíritos, pois muitas vezes entram pelas inúmeras frestas dos determinismos legais, culturais, tradicionais e outros algo mais que poderiam ser descartados mas isso não interessa ao poder. Através das crenças a subjugação política ganha forma e toca a matéria. “O poder espalha seus tentáculos sobre a constituição física, representativa e psicológica de cada um de nós.” (LAURINDO, 2017, p.23)

Como mulher espírita carrego este desejo de equilibrar ideias e descobertas, pois estes encontros provocam turbilhões ontológicos departamentalizados, organizados em conceitos, devidamente empacotados no vácuo das perfeições imaginárias com as quais os discursos trabalham a manutenção da ignorância em ambientes aromatizados pelas melhores intenções.

Como pesquisadora espírita não posso me conceder o direito de seguir sonâmbula, e preciso abrir estes olhos de busca sem medo da areia, do ardor, das lágrimas amigas que aliviarão o sentir.

Um dia eu falei de perdão na categoria de palestrante, e em outro instante me vi diante do crime hediondo, do sangue derramado, da distância física do filho amado. O que seria perdoar as mãos assassinas que me causaram tamanha dor?

Não seria esquecer o impossível. Não seria amar o cruel matador. Não seria e nem foi espalhar palavras melosas sobre uma veste de mentiras. Perdoar é uma tentativa diária de defender a vida, e evitar fortalecer o coro que imputa morte. Perdoar é denunciar o contexto social e histórico que se alimenta do assassinato e controla o medo, limitando o alcance humano pela medida do quanto se paga para ter.

Não existe pílula de perdão com eficácia, o que pode nos salvar do túnel da amargura é seguir cuidando da vida, amando a seiva que sustenta a haste mesmo nas horas de tempestades violentas, e saber que não existe predileto quando a roleta do poder está girando. “A violência continua como base das relações sociais desiguais e esse caráter estrutural atua entre a rigidez e a concessão dos sistemas, legitimando crenças e práticas.” (LAURINDO, 2017, p.23)

Ainda nadamos pelas bordas das relações, vez por outra arriscando mergulhar, mas sabemos que os equipamentos ainda são pouco conhecidos e temos receio das profundidades. Eis o que nos faz sentir alegria quando encontramos qualquer similitude de intenções e interesses sobre este debate da última hora. Pois apesar de estarmos equipados para manejar a inteligência, autonomia e livre pensar, ainda não arregimentamos segurança bastante, e manter um pé na água e outro na terra nos faz sentir seguros. Já saímos do ostracismo comum, mas estamos desenvolvendo habilidades novas sobre as identidades construídas. Socialmente damos um passo por vez para descobrir que “cidadania enquanto terminologia não responde por si ao sentido de liberdade”. (LAURINDO, 2017, p.26)

Por fim, as palestras também nos disseram que a doença do corpo cura o espírito, e saímos por aí, de centro em centro consolando e conformando os sofredores na carne, na plenitude das boas intenções, induzindo muitas pessoas a assumir uma resignação punitivista e aceitar essa “libertação” dolorosa com vistas a uma segunda oportunidade encarnatória, na esperança de “provas” mais leves.

Nos apropriamos das falas evangélicas com maestria e recusamos a interpretação política da vida, rumo ao conforto das consciências privilegiadas pela utilidade da assistência “espiritualizada”.

Será que fizemos certo?

Será que esquecemos de associar qualidade alimentar ao desfecho da condição orgânica?

Esquecemos ou omitimos informações sobre o descaso político com a saúde pública e apenas oferecemos paliativos emocionais semanais, a quem precisava de intervenções mais concretas?

O que ganhamos com isso além da alegria de servir “espiritualmente” a estas pessoas doentes? Algum tipo de conforto psicológico com entonação social privilegiada, nos alcançou?

Hoje não sei se conseguirei dormir.

Não sei se os rostos dos que me agradeciam por manejar habilmente a palavra que amaciava seus desesperos, me deixarão repousar em paz.

Como pessoa que recusa o punitivismo e a culpa como estratégia de redenção, hoje eu me lanço com menos segurança nesta busca de respostas libertadoras, que possam me revelar pelo uso da razão os efeitos da minha participação enquanto mulher espírita, letrada e versada nas intenções positivas, nesta estrada cortada por atalhos e margens, onde além dos roteiros preparados pulsam histórias com suas mortes e suas vidas.

A evolução é política e cada ação que toca uma vida vale mais do que mil palavras aplaudidas.

Talvez hoje eu precise dormir.

 

 

Bibliografia: LAURINDO, A. Claudia. 200 anos de Alagoas: análise socioantropológica. Maceió:CBA. 2017.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

TEMOS FORÇA POLÍTICA ENQUANTO MULHERES ESPÍRITAS?

  Anália Franco - 1853-1919 Por Ana Cláudia Laurindo Quando Beauvoir lançou a célebre frase sobre não nascer mulher, mas tornar-se mulher, obviamente não se referia ao fato biológico, pois o nascimento corpóreo da mulher é na verdade, o primeiro passo para a modelagem comportamental que a sociedade machista/patriarcal elaborou. Deste modo, o sentido de se tornar mulher não é uma negação biológica, mas uma reafirmação do poder social que se constituiu dominante sobre este corpo, arrastando a uma determinação representativa dos vários papéis atribuídos ao gênero, de acordo com as convenções patriarcais, que sempre lucraram sobre este domínio.