Pular para o conteúdo principal

UMA NOVA ÉTICA



Quanto mais buscamos o progresso material, ignorando a satisfação que provém de um crescimento interior, mais rapidamente os valores éticos desaparecem de nossas comunidades. Então, no longo prazo, nós todos seremos infelizes, pois, quando não há lugar para a justiça e a honestidade no coração do homem, os fracos são os primeiros a sofrer. E os ressentimentos gerados por semelhante injustiça acabam gerando um efeito adverso a todos.” Dalai Lama, Citação do livro Como Lidar com Emoções Destrutivas, de Dalai Lama e Daniel Goleman (Ed. Campus)


Por Alkíndar de Oliveira (*)




A crise econômica mundial iniciada em 2008, fruto da exacerbada ganância do mundo econômico-financeiro, que só por ser “ganância” já seria um mal, e sendo também “exacerbada” passa a ser duplo mal, está levando-nos a fazer ponderações sobre o que de fato é a Economia Real e a Economia Financeira. De maneira sintetizada, a Economia Real representa a compra e venda com o intuito de satisfazer a necessidade humana, colocando de lado o ganho financeiro exploratório. Já a Economia Financeira corresponde às operações ou aos investimentos em papéis para aumentar os ganhos. As duas economias, por si, não são ruins. No entanto, quando a ganância toma conta, a Economia Financeira desregula a Real. O que fazer para evitar esse mal? Exterminar a movimentação da Economia Financeira? Não. Mesmo porque isso é impossível. Creio que a palavra mais adequada seja “moralizar”. A razão de viver do homem deve ter por base essa palavra. Profissionais que encontram uma justa razão de viver, sustentada na boa moral e na boa ética, tendem a ser pessoas conscientes sobre a importância de manter o sensato equilíbrio entre a Economia Financeira e a Economia Real, fazendo com que uma sustente a outra.


Mas a questão da moral e da ética pode nos levar a uma encruzilhada, pois a moral dos homens não é fixa, ela muda com o tempo e lugar, e para tornar o fato ainda mais complexo, quando tratamos de ética também podemos convergir para dois princípios distintos. Há a ética da responsabilidade, quando, por exemplo, para manter viva sua empresa, o empresário demite funcionários em momentos de crise. E existe também a ética do princípio, em que, na mesma circunstância, o empresário se desdobra procurando alternativas para não demitir. Pois, sob influência da ética do princípio, o empresário considera que seus funcionários são seres humanos que contribuíram com a organização, têm suas respectivas famílias para sustentá-las e a demissão seria uma grande injustiça.

A questão é: “Como poderemos agir de forma correta, se há um tipo de ética que justifica atitudes humanas e outro que justifica atitudes desumanas?”. Encontrar resposta a essa pergunta é o objetivo deste texto.

Uma crise anunciada

No livro O Mundo na Corda Bamba (Ed. Geração Editorial), publicado em 1998, William Greider já previa um futuro incerto para a economia, como o que levou a Crise de 2008:

“Apesar da flexibilidade e força, as multinacionais são, isoladamente, inseguras. Até mesmo os mais robustos gigantes industriais são muito vulneráveis e fracassam em se adaptar aos imperativos da redução de custos e da melhoria nas taxas de retorno. Por trás das fachadas das multinacionais existe uma genuína angústia. O capital financeiro tem seus princípios transparentes e puros: aumentar ao máximo o retorno do capital sem se importar com a identidade nacional ou com as consequências políticas e sociais”. Essa análise feita por Greider em um trecho retirado do livro citado, deixa evidente que há tempos a Economia Financeira vinha se sobrepondo à Economia Real. Alertando para o fato de que o capital financeiro não via limites éticos para sua expansão e, por sua vez, as empresas não tinham estrutura para suportar momentos de crise, como aparentavam ter.

Uma análise racional e corajosa da realidade descrita por Greider, seguida de ações efetivas, poderia ao longo do tempo evitar o que hoje vemos. Mas, certamente, para as grandes corporações, essa visão é utópica, pois, como alterar uma situação que aos olhos do mercado era sinônimo de sucesso? E então, deu no que deu, a continuidade de um sistema caótico, não centrado no homem, resultou na “Crise-2008”, na qual alguns especialistas afirmam que seus estragos já são maiores do que a Crise de 1929.

A nova ética

Ermance Dufaux, no livro Mereça Ser Feliz, de Wanderley Soares de Oliveira (Ed. Dufaux), ensina-nos: “Ter respostas simples para coisas complicadas é a grande virtude do homem inteligente na Terra, porque somente vibrando no espírito da simplicidade é que somos capazes de tornar o saber uma alavanca propulsora, nos rumos da felicidade e da libertação entre os homens.” Portanto, procuremos respostas simples para este grande desafio. Uma importante observação: não necessariamente as respostas simples são as mais fáceis de serem aplicadas, mas quase sempre são as melhores. Por exemplo, há lei mais simples do que se estabelecer o respeito incondicional ao próximo para que as guerras tenham fim? A lei é simples, mas sua aplicação é muito complexa.

Eventualmente, se ainda não sabemos como utilizar nossa inteligência nata para formular respostas simples a desafios complexos, tenhamos a sensatez de pesquisar e selecionar respostas inteligentes e simples que teoricamente já existem. E comecemos a colocá-las em prática. Sem estabelecer que a sugestão a seguir seja a definitiva, pois muitas serão as respostas corretas, atentemos à questão da “ética empresarial”, um ponto nevrálgico no mundo atual.

A questão da ética é um dos pilares mais frágeis da atualidade. E neste campo, mesmo que tenhamos boas intenções, cometemos equívocos com base na errônea afirmativa clássica sobre ética que diz: “Minha liberdade termina onde começa a do outro”. Esse conceito tão difundido em todo o mundo é excludente e injusto, formando castas, grupos individualistas que não tem vontade de socializar e compartilhar.

Uma simples mudança de paradigma tenderá a criar um ambiente favorável para o surgimento de um novo e melhor mundo. O professor de Filosofia da Associação Palas Athena, em São Paulo, SP, José Romão Trigo de Aguiar, tem procurado difundir um novo conceito a esse respeito: “Minha liberdade começa onde começa a do outro, e termina onde termina a do outro”. E acrescenta: “Só seremos livres juntos. Se tem uma mulher de outro país sendo ameaçada, isso interessa a você também. Porque a liberdade dela interfere na de todas as mulheres.” Traduzindo para o campo empresarial, se os proventos do meu trabalho permitem que eu coloque o meu filho numa boa escola, passo a ser responsável pelo fato do meu funcionário não conseguir colocar o seu filho também numa boa escola. A empresa não precisa propiciar essa condição. Mas enquanto cidadão-empresário, cidadão-executivo, eu passo a ser responsável por omitir-me em influenciar o governo para que invista adequadamente num ensino público de qualidade, que seja justo e adequado para todos, passo também a ser responsável por omitir-me aceitando pacificamente que a arrecadação dos impostos seja desproporcionalmente distribuída.

Há muito por construir. Mas a maior das construções começa de um simples e fundamental alicerce: a adoção de uma nova ética, sustentada não na igualdade, que é uma quimera, pois diferenças de classes e cargos são naturais, mas que esta ética seja sustentada na equidade, que é o respeito a cada um, independentemente de sua classe social e do cargo que ocupe. Em síntese, pensemos no bem comum. Apliquemos a única ética que baliza com eficácia nossas atitudes, apliquemos a ética do amor, que tem como seu mais eficaz instrumento, o diálogo.

Sejamos realistas, o mercado empresarial, comercial e industrial ainda é ausente de alma. Qualquer que seja o empresário, mesmo o justo, tem e precisa ter como bússola a real e terrível oscilação desse cruel mercado. Sendo assim, é forçoso admitir que até a aplicação da ética do amor pode não resolver em plenitude grandes problemas e desafios. Mas, com certeza, sua aplicação minimiza enormemente as nefastas consequências que possam advir de duras decisões que buscam a sobrevivência da empresa. E aplicando a ética do amor hoje, mesmo que de forma imperfeita, estaremos construindo o alicerce para que, no futuro, ela possa ser vivenciada com amplitude.

Ampliemos o nosso mundo particular tendo a coragem de nele incluir os outros, quaisquer que sejam. Agindo assim, estaremos sensatamente dando os primeiros passos para aprendermos a vivenciar a ética dos novos tempos, a ética do amor.


(*) palestrante, escritor e consultor de empresas radicado em São Paulo-SP, profere palestras e ministra treinamentos comportamentais em todo o Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

ANÁLISE DA FIGUEIRA ESTÉRIL E O ESTUDO DA RELIGIÃO

                 Por Jorge Luiz            O Estudo da Religião e a Contribuição de Rudolf Otto O interesse pela história das religiões   remonta a um passado muito distante e a ciência das religiões, como disciplina autônoma, só teve início no século XIX. Dentre os trabalhos mais robustos sobre a temática, notabiliza-se o de Émile Durkheim, As Formas Elementares da Via Religiosa.             Outro trabalhos que causou repercussão mundial foi o de Rudolf Otto, eminente teólogo luterano alemão, filósofo e erudito em religiões comparadas. Otto optou por ser original e abdicou de estudar as ideias sobre Deus e religião e aplicou suas análises das modalidades da experiência religiosa. Ao fazer isso, Otto conseguiu esclarecer o conteúdo e o caráter específico dessa experiência e negligenciou o lado racional e especulativo da religião, sempre...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

SOBRE A INSISTÊNCIA EM QUERER CONTROLAR AS MULHERES

  Gravura da série O Conto da Aia, disponível na Netflix Por Maurício Zanolini Mulheres precisam se casar com homens intelectualmente e financeiramente superiores a elas ou o casamento não vai durar. Para o homem, a esposa substitui a mãe nos cuidados que ele precisa receber (e isso inclui cozinhar, lavar, passar e limpar a casa). Ao homem, cabe o papel de prover para que nada falte no lar. O marido é portanto a cabeça do casal, enquanto a mulher é o corpo. Como corpo, a mulher deve ser virtuosa e doce, bela e recatada, sem nunca ansiar por independência. E para que o lar tenha uma atmosfera agradável, é importante que a mulher sempre cuide de sua aparência e sorria.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

O MEDO SOB A ÓTICA ESPÍRITA

  Imagens da internet Por Marcelo Henrique Por que o Espiritismo destrói o medo em nós? Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados… De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama… De empobrecer; de não ser amado… De dentista; de sentir dor… Da violência; de ser vítima de crimes… Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego…

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

PUREZA ENGESSADA

  Por Marcelo Teixeira Era o ano de 2010, a Cia. de teatro da qual Luís Estêvão faz parte iria apresentar, na capital de seu Estado, uma peça teatral que estava sendo muito elogiada. Várias cidades de dois Estados já haviam assistido e aplaudido a comovente história de perdão e redenção à luz dos ensinamentos espíritas. A peça estreara dez anos antes. Desde então, teatros lotados. Gente espírita e não espírita aplaudindo e se emocionando. E com a aprovação de gente conhecida no movimento espírita! Pessoas com anos de estrada que, inclusive, deram depoimento elogiando o trabalho da Cia. teatral.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...