Pular para o conteúdo principal

VINDE A MIM AS CRIANCINHAS

 

Quadro pintado por Jean-Auguste Dominique Ingres – 1780/1867.


 Por Valnei França

Conta-se que durante uma Festa de Páscoa, Maria e José, após as celebridades retornam ao lar onde perceberam que esqueceram Jesus, quando este ainda era menino. Encontraram-no três dias depois em conversas com os Doutores da Lei - Na época de Jesus, os “doutores da lei” eram especialistas no estudo e interpretação da Lei de Moisés (Torá). Esta é uma visão bíblica representando a importância de um menino prodigioso.

 

            Nos dias de hoje, o aparecimento de jovens ou crianças com dons extraordinários preenchem nossas atenções nas artes, nos esportes, nos estudos acadêmicos e outras áreas. Nestas personagens, a visão recebe uma exaltação muito pelo que o senso comum conhece como trejeitos, pensamentos e ações nessas faixas de idade. Numa palavra irresponsabilidade, daí as exceções se supervalorizarem.

            Neste quase meio do ano, o Brasil está envolto com uma destas personagens. Um jovem adolescente que se tornou uma atração que extrapolou o seu meio religioso. Isso se deu principalmente pela atração e rapidez de uso das redes sociais. Ele virou uma atração midiática e, junto, as polêmicas surgiram.

            Um dirigente religioso de tão tenra idade chama muito a atenção, principalmente pelo que aparenta ter um “profundo conhecimento” bíblico. Isto pode remeter na “consciência coletiva”(1) de seus fiéis à passagem colocada em epígrafe deste texto. Como em uma entrevista, Ele defende a presença de “profetas”. Não deve estar de todo errado, se considerarmos as mais diversas ações, de espiritualistas, no planeta como um todo. Contudo, seu discurso aponta, como conteúdo, para a existência e importância, hoje, dos “pastores”, e suas instituições, como sendo os representantes de Deus e até certo ponto minimizando a “crença em Deus” e mesmo em Jesus, sem a presença ou orientação de pastores. O que pode levar a aceitá-los.

            Convém o registro de uma evolução em que ele passou a ser denominado em sua trajetória de fama/sucesso. No início, era usado o seu “Nome real + cantor”, depois “Levita + seu nome”, “Missionário + seu Nome no diminutivo” até chegar na atualidade como “o Profeta + seu Nome”.

Os levitas eram israelitas da tribo de Levi. Essa tribo foi escolhida por Deus para cuidar do templo e guiar o povo na adoração a Deus. Os sacerdotes do templo eram todos descendentes de Arão, que era levita.(2)

Um profeta é, em diversas tradições religiosas, uma pessoa que transmite mensagens de um ser divino ou superior, frequentemente com o intuito de orientar ou alertar a humanidade. Essas mensagens podem incluir predições sobre o futuro, chamados à conversão, críticas sociais ou revelações sobre a vontade divina. (Visão geral criada por IA/Google, em 02/052025)

            Olhemos para o outro lado, quem aceita estas novas e fantásticas revelações. Não é novidade que Pelé se tornou um mito. Há alguns anos a comparação dos “camisas 10” era sempre em relação àquele que ainda é o maior jogador de futebol de todos os tempos. E, assim por diante, vamos buscando os novos expoentes, por exemplo, nas músicas, na Literatura… Na Religião não é diferente. O Brasil também teve, ou em tem, sua parcela da aspiração “salvacionista”,(3)(4) surgida e reificada em Portugal, ainda no período colonial brasileiro.

            Temos alguns exemplos recentes. No Paraná, houve dois Monges da Lapa, cujo segundo, João Maria liderou a campanha dos “camponeses despossuídos e meeiros” na Guerra do Contestado 1912-14. Outro exemplo é “Padim Cícero”, no nordeste. (Guimarães, 2018) aponta o evangelista Antônio Conselheiro, que fruto da percepção entre o fausto e a precarização da vida dos sertanejos e uma oposição à República. Mesmo que a grande maioria nem seque sabia que o Brasil tinha mudado a forma de Governo. Tivemos o surgimento, recentemente, dos Borboletas Azuis(4) onde “A proposta do movimento é resgatar o modelo do cristianismo primitivo, em sua espera messiânica de instauração de uma nova ‘idade de ouro’”(5).

            O que será que existe dentro das pessoas que necessitam urgentemente de um exemplo fora de série. Que tipo de vazio é este que precisa, de tempos em tempos, ser preenchido?           Será que é a Esperança apregoada por D. Paulo Evaristo Arns e que toma os vieses de acordo com o sofrimento de cada um, ou de um grupo social? Ou o Esperançar do outro Paulo, o Freire, que torna um verbo a construção de um mundo melhor. Ou ainda, um outro Paulo, o Coelho, que fala sobre magia e é lido e reconhecidos por muita gente.

            Aqui nos deparamos com um mundo de incertezas. Karnal e Fernandes (p.195-206)(5), até apontam o medo a partir das singularidades de cada um, numa sociedade onde a violência aflora e apontam “Não existir dúvida: a angústia ajuda ajuda a estimular orações pelo mundo, mas o medo por si só não explicaria a fé em geral e nos santos em particular”. Aqui coloco a posição minha em que os “pastores” fazem a vez dos santos.

            O Humano quando se deparou com a sombra, a escuridão, não tinha como saber qual era a realidade de sua visão. Ao passar dos tempos, estas sombras passaram a ser consideradas sagradas e, mais à frente, foram apropriadas por líderes, castas, códigos. Contudo, alguma coisa ficou faltando e, com o tempo, foram surgindo grupos e doutrinas das mais variadas compreensões sobre o sagrado e seus ritos. Paralelamente, as sociedades foram se transformando cada vez mais criando e incorporando tecnologias, junto com novos modos das pessoas se relacionarem entre si.

            O que percebemos, século XXI, é uma otimização das informações e comunicações abrangendo todos, uma tecnologia avançada com acesso restrito aos que mais possuem ou em ações de caridade aos mais necessitados. Não está muito diferente, em essência, às visões de João Maria no Contestado e do Antônio Conselheiro, no Arraial de Canudos. Ambos se insurgiram ao descalabro social, e a situação precária da população. Descrença.

            Em que pese o aviltamento religioso, precisamos ter fé. Esta, em sua qualidade de ter esperança, esperançar, acreditar na construção de um Novo Mundo, em vez de se postar em contemplação. Não nos faltarão exemplos na história e no presente momento. Pois a nossa realidade ainda é tumultuada, a segurança pública é negligenciada pela adoção da política de repressão ao invés da prevenção, da má distribuição das riquezas, da dificuldade de uma grande uma parte da população ter acessibilidade às políticas públicas. A população ainda está se recuperando do período de pandemia. Onde, todos, mesmos os negacionistas, sofreram algum tipo de infortúnio.

 

Em suma, um Brasil com maior grau de “justiça social”, na mais ampla definição que este termo comporte. Para tanto, “é preciso ter fé”, isto nos faz humano.

 

           

REFERÊNCIAS

 

1) “A consciência coletiva é o conjunto de sentimentos e crenças comuns aos membros de uma mesma sociedade” (Durkheim, Da Divisão Social do Trabalho,1995).

2) Respostas Bíblicas do Bíblia on. Acessado em 02/05/2025.

     <https://www.respostas.com.br/quem-sao-os-levitas/>

3) Nilton R. M. C. Guimarães. O “Sebastianismo Tupiniquim” de 2018, a versão “salvacionista” de um povo que ainda precisa de heróis. Acessado em 02/05/2025.

<https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-sebastianismo-tupiniquim-de-2018-a-versao-salvacionista-de-um-povo-que-ainda-precisa-de-herois/552783858>

4) Araújo, Lidiane C. R, e Silva, Magnólia G. C. da. “Borboletas Azuis” de Campina Grande: crenças e lutas de um movimento milenarista. Acessado em 02/05/2025.

<https://periodicos.pucminas.br/horizonte/article/view/P.2175-5841.2009v7n14p46>

5) Karnal, Leandro e Fernandes, Luiz E. de O. Santos Fortes – Raízes do Sagrado no Brasil,    p.37-46. Rio de Janeiro, Ed. Anfiteatro, 2017.

 

 

 

 

Comentários

  1. COMENTÁRIO ELABORADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL- IA
    O texto oferece uma crítica contundente à apropriação do sagrado por parte de líderes religiosos e à transformação da espiritualidade em dogmas rígidos, que muitas vezes ignoram a persistência das desigualdades sociais.
    Fé como Ação e Justiça Social
    Ao invocar exemplos históricos como Canudos e Contestado, o autor estabelece um paralelo crucial entre as revoltas populares do passado e as injustiças estruturais do presente, sugerindo que a descrença atual é, em parte, um reflexo dessas injustiças. A fé é redefinida como "esperançar", um verbo de ação que impulsiona a luta por um mundo mais justo, em contraposição a uma contemplação passiva e conformista. Essa perspectiva ecoa pensadores que veem uma profunda conexão entre mística e política, como Frei Betto e Ernst Bloch, o que constitui um ponto forte do texto.
    Chamado à Resistência
    A conclusão do texto é um urgente chamado à justiça social, ancorado na resistência e na crença na possibilidade de mudança, mesmo em meio ao cenário caótico da política brasileira pós-pandemia. Embora a retórica seja poderosa, o texto deixa um ponto frágil: a falta de aprofundamento em como essa fé se traduz em práticas concretas além do discurso.
    Em suma, o texto é um poderoso manifesto que liga a espiritualidade autêntica à ação transformadora e à luta por justiça social, desafiando a institucionalização da fé e convocando à resistência em um Brasil fragmentado.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.