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A ONDA: NÃO SE BRINCA COM O FASCISMO

 

 


Por Jorge Luiz

Seria possível um regime como o nazista emergir hoje, no Brasil ou em qualquer outro país democrático?

            A frase acima, dita em uma sala por um aluno de uma escola pública em Palo Alto, Califórnia, em 1967, levou um professor norte-americano a fazer uma simulação para que os alunos entendessem o que é seguir a orientação de um líder. A experiência começou pela forma adequada de postura, respiração e respeito. Nos dias seguintes, as experiências foram se somando, disciplina, nome para o grupo – Terceira Onda –, um slogan, cartão de sócio, forma de se vestir, maneira de se saudarem, até que se instituiu uma “polícia” de estudantes para vigiar as ações uns dos outros. A ficção extrapolou a sala de aula e passou-se a acreditar que seria um movimento que iria dominar o país.

            Em 2008, o escritor, ator e diretor de cinema alemão Dennis Gansel adaptou o fato para o cinema, com o título nacional A Onda, disponível na plataforma YouTube. Foram poucas as adaptações; por exemplo, os panfletos foram substituídos por uma página no MySpace.

            "Para mim, como professor, era muito gratificante ver a maior parte dos alunos se envolvendo, tomando as rédeas. Eles saíam para entregar panfletos e agregar nomes. E aí isso explodiu", conta Ron Jones, 68, à Folha, por telefone, em 2009, ano de lançamento do filme (1).

Em cinco dias, o número de membros na classe dobrou: de 25 para 50. Fora de lá, o movimento chegou a reunir mais de 300 adolescentes, segundo Jones, e a silenciar vozes dissidentes, à força. “Uma criança perdeu a mão construindo explosivos. Era uma criança perdida, perigosa.”

Foi aí que o professor percebeu que havia ido longe demais. Para decepção geral, fez um discurso no qual revelou a farsa e apelou por bom senso.

Diferentemente da vida real, a adaptação ao cinema traz um final trágico, um jovem que padece do desejo de pertencimento na família, assume os valores d’ A Onda como sentido para sua vida e, não aceitando o fim da proposta, atinge um colega com um tiro, suicidando-se em seguida. O professor, separado da esposa por divergências com o projeto, é preso. Vale a pena conferir.

Para Ron Jones, o professor idealista do projeto original, “o filme é muito fiel, capturou a dinâmica da sala, a relação dele com a mulher, que passa por uma crise [o casamento dura até hoje, diga-se], e a maneira como os estudantes interagiam”. “[A Terceira Onda] era algo que se expandia muito rapidamente. Era como estar em meio a uma explosão de energia.”

O brasileiro não flerta, acima de tudo, está contagiado pelo fascismo, veja-se a saudação nazista que se repete aos quatro cantos do país, o episódio capitaneado por um grupo de policiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, quando aparecem diante de uma cruz em chamas e fazem gestos que lembram saudações nazistas, diante de uma cruz que arde em fogo, lembrando os membros da Ku Klux Klan, grupo de extrema-direita, de base protestante, supremacista, que prega o ódio e o nacionalismo. E o que dizer do apelo Deus, Pátria, Família e Liberdade, que atrai espíritas incautos?

No Brasil, na última década, a negação da política como possibilidade de construção de bem-estar social, alçou à vida pública o que se denomina de outsiders, provindos dos núcleos religiosos e militares, como solução para os graves problemas que a sociedade padece, principalmente as classes mais desfavorecidas, o que fomentou o extremismo de direita, pigmentado pelo fundamentalismo religioso em todas as direções. As crises econômicas características do sistema capitalista, como sempre, fazem ascender os elementos fascistas que encontraram ressonância no seio político-social e religioso.

A experiência que não só o Brasil atravessa, mas também algumas outras democracias, é um sinal de alerta para não se repetir as experiências da Alemanha e da Itália, com o nazismo e o fascismo, de tristes memórias.

Essas ideias vêm encontrando guarida no movimento espírita brasileiro, de há muito tempo, conforme é assinalado na obra O Reino, do professor, filósofo e jornalista J. Herculano Pires, com primeira edição em 1946. Diz ele: num sentido geral, o movimento espírita se mostra contraditório quanto aos problemas sociais. Temos espíritas reacionários, de tipo burguês, apegados ao sistema de injustiças do capitalismo. Temos espíritas de tendências fascistas, por muitos mitos e palavras, que acreditam mais na força do que na justiça. E temos espíritas revolucionários, ardendo pelas transformações sociais, comprometendo-se com movimentos políticos de esquerda ou de meia esquerda. (Pires, 1967)

Prudente como sempre, o professor Herculano Pires adverte que as tendências são adequadas à variedade dos graus de assimilação dos princípios doutrinários, que estão consonantes com a Escala Espírita, (Kardec, 2000, questão nº 100). Nela, iremos encontrar a Terceira Ordem, Espíritos Imperfeitos, com destaque à classe que interessa que é a dos Espíritos Neutros, esses nem são bastante bons para fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o mal; tendem tanto para um como para outro e não se elevam sobre a condição vulgar da humanidade, quer pela moral ou pela inteligência. Apegam-se às coisas deste mundo, saudosos de suas grosseiras alegrias (Kardec, 2000, questão nº 105). Chamamo-los de “homens-esponja”, porosos, aderem qualquer substância líquida. O educador Ney Lobo os define como Espíritos-pêndulos, pois são instáveis, oscilam como metrônomos vivos e humanos entre o bem e o mal (Lobo, 1990).

A espécie humana, a que tudo indica, é constituída preponderantemente de Espíritos Neutros, convivendo com outros níveis espirituais, obviamente.

Louvável é o destaque de Allan Kardec acerca da educação como condição indispensável para o Espírito, enquanto encarnado, por isso, ele define o Espiritismo como obra de educação.

A educação até agora não logrou êxito – diz Lobo –, é porque desgraçadamente militam, dramática e intempestivamente, três tipos perversos de resistência: a) a ignorância que avassala a espécie humana alagando a superfície da Terra; b) a timidez dos bons e a audácia e o poder de sedução dos maus; c) a força de arrastamento das más influências a que são submetidos esses Espíritos Neutros, e que, por isso, permanecem impermeáveis aos esforços educativos. (Lobo, 1990)

            Vê-se que a equação de Lobo é fatal quanto à dinâmica que se opera no filme A Onda, e os riscos que preponderam nas ordens das nações, presente a ânsia democrática, de apelos crísticos, que se veem ameaçar.

Neutralidade está longe de ser bondade. Com o exemplo do filme, é fácil de se compreender que a neutralidade se evidencia como instabilidade moral, de onde se depreende que a educação deve ser como recomenda Allan Kardec, e nem ainda a educação moral pelos livros e sim a que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos (Kardec, 2000, questão nº. 685) e será a determinante para a construção de uma sociedade harmônica.

Infelizmente padece a Humanidade de uma concepção orgânico-espiritual para conceber um projeto educacional que verse na melhoria dos indivíduos e consequentemente da Humanidade.

“Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito”, ensinou Jesus. Corrobora a ascendência moral do indivíduo através do amor e das vidas sucessivas, palmilhando uma estrada de aprendizado de cada indivíduo e o seu próximo, na condição de educador e educando, o que não prescinde da família e da sociedade. É o amor como pedagogia.

 

Referências:

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.

LOBO, Ney. Filosofia espírita da educação. Rio de Janeiro: FEB,1990.

PIRES, J. Herculano. O reino. São Paulo: Paideia, 1967.

(1)       https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1508200907.htm.

 

 

 

Comentários

  1. COMENTÁRIO ELABORADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL-IA
    O texto de forma concisa explora a complexidade do movimento espírita em relação aos problemas sociais, utilizando a perspectiva de J. Herculano Pires sobre as diferentes tendências ideológicas dentro do espiritismo. Em seguida, conecta essas tendências com a Escala Espírita de Kardec, focando na figura dos "Espíritos Neutros" e sua influência na sociedade.

    O autor destaca a visão de Ney Lobo sobre esses espíritos como "pêndulos" e a predominância deles na humanidade. A importância da educação como ferramenta de transformação, conforme apontada por Kardec, é ressaltada, mas o texto também aponta para as resistências que dificultam o sucesso da educação moral, como a ignorância, a timidez dos bons e a influência negativa sobre os neutros.

    Ao fazer uma analogia com o filme "A Onda", o texto alerta para os riscos da neutralidade moral e enfatiza a necessidade de uma educação que forme o caráter e incuta hábitos para a construção de uma sociedade mais harmônica, conforme preconiza Kardec. Por fim, o texto lamenta a falta de uma concepção orgânico-espiritual na educação e evoca o ensinamento de Jesus sobre a busca pela perfeição através do amor e do aprendizado contínuo, tanto individual quanto coletivo.

    Em suma, o texto traça um panorama da diversidade ideológica no espiritismo, a influência dos espíritos "neutros" na sociedade e a urgência de uma educação moral profunda e transformadora para superar os desafios sociais e evoluir espiritualmente.

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