Pular para o conteúdo principal

OS VENDILHÕES E O TEMPLO

 


Por Roberto Caldas

“Se o evangelho tivesse objetivo de enriquecer alguém, Cristo não teria dito: Não ajunteis tesouro na Terra”.

Está escrito que Jesus se lançou de chicote em punho para castigar aqueles que passariam à posteridade na condição de “vendilhões do templo”. Não há exata garantia de que o tenha feito. Se não o fez, quem sabe deveria ter feito mesmo.

De toda forma criou-se uma imagem antitética que separa a figura que se tem de Jesus da fama que se atribui aos vendilhões.

Entre apelos e passagens referidas nos Evangelhos que reflitam motivos pecuniários não parece que haja intervenções alegadas ao Mestre como alvo de especulações de ganhos nem incentivo às vantagens de possíveis formações de reserva financeira. A alusão mais incisiva em relação à discussão de valores monetários se dá ao questionar qual a esfinge que decorava uma moeda da época. Sabe-se qual a orientação que se segue à identificação de César.

Surpreendido por uma multidão que precisava se alimentar, diante de aludida escassez de gêneros, a saída não se deu exigindo-se contribuições amoedadas na construção de uma “vaquinha” para aquisição dos víveres. Alcançado o pretendido volume a Sua decisão foi a distribuição igualitária entre todos os presentes no evento, sem que a ninguém fosse vetada a possibilidade da saciedade. Não se verifica, então, apenas o consagrado milagre da multiplicação de pães e peixes, mas a ousadia da partilha sem distinção.

Buscado por um rico mancebo que sondava a maneira de entrar no Reino dos Céus, além do que já praticava no seguimento das escrituras, não lançou o Seu olhar sobre as riquezas que havia amealhado. Propôs que vendesse o que acumulara e distribuísse entre os desprovidos, sem propor um só pensamento de estar entre os beneficiários.

Na tarefa de escalar o seu pelotão de seguidores estabelece como argumento de convencimento à transcendência ao transformar a possibilidade da pesca de peixes em  iluminada pescaria de almas.

Entre tantos exemplos de simplicidade e compartilhamento dos valores notadamente espirituais, eis que Jesus deixa o seu legado que ambicionava a instalação de uma estância de valores baseados numa riqueza isenta da ação degradante das traças e da ferrugem. Lógico que não ignorava a necessidade da luta pela sobrevivência que naturalmente exige tempo e paciência na construção de bens produzidos a partir do trabalho remunerado e digno. Como um verdadeiro Político da construção de uma convivência socializante para o mundo deixou um projeto para a posteridade. Recomendou como Princípios de vida o Amor a Deus e ao Próximo,  bandeiras do seu ativismo pró-humanidade, sem indicar herdeiros exclusivos de sua mensagem que ultrapassaria o céu e a terra. “Pedro és pedra” seria a lição que definia cada pessoa como o templo vivo de seu legado.

A experiência dos séculos que nos separa de Sua presença entre nós demonstra que as instituições que se jactaram representá-LO caminharam na direção oposta ao próprio discurso que produziram para tornar palatável a retomada dos vendilhões. Vendas de terrenos no céu, perdões remunerados, guerras santas que usurpavam as posses dos perseguidos e derrotados. Cooptação aos poderosos de plantão com servil adoção dos modelos de formação de castas e aceitação à criação dos enormes abismos entre pobres e ricos, nobres e plebeus.  Templos, muitos templos, cada um mais suntuoso que o outro.  Desqualificação do sacro, sacralização do profano. Criação espúria de pontos com a pior lógica da política sórdida das negociatas.  Alcançado o apogeu das práticas torpes com as nefastas teorias do enriquecimento pela fé  a invasão dos espaços de discussão para imposição de pauta de costumes retrógradas que sabidamente não cumprem na intimidade de suas vidas. Tudo praticado EM SEU NOME.

Imagina se Jesus voltasse com o chicote empunhado, mas não é assim que a música toca.  Ele certamente sabe e vê tudo isso. Deveria estar em suas previsões que tudo isso pudesse, em tese, acontecer, afinal sempre demonstrou conhecer o seu público. Lembra? – Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas?(Mateus 12; 34-35).

 Infelizmente ainda demora até que a complexidade dos valores espirituais alcance a compreensão que haverá de desvelar a simplicidade implícita em sua essência. As tentativas de alcançar esse objetivo investindo no “simplismo” é que tem produzido essa distorção sofrida séculos afora pelas lições do Cristo.

Felizmente, para restabelecimento dos fatos, a Doutrina Espírita renova a visão dos ensinamentos do Mestre. Sob a inspiração de uma plêiade de Espíritos Superiores, a pedagogia de Allan Kardec recoloca a profunda doutrina de Jesus no espaço donde jamais deveria ter sido retirada. Filho de homem e mulher e biologicamente concebido. Longe de ser titular de uma trilogia entre Deus e o Espírito Santo foi o um homem que se constituiu no Espírito de maior evolução a encarnar na Terra. Trouxe uma revelação libertária absolutamente calcada na tese da fraternidade ampliada pelo integral respeito ao outro. Apresentou os caminhos para a aquisição de uma riqueza pessoal e coletiva que transcendesse ao equivocado entesouramento de bens e haveres. Em suma traz à luz do entendimento a figura de Jesus como aquele que encarnou o “guia e modelo para a humanidade” (LE – 625).

Nada errado em se buscar prestígio pessoal e ganhos financeiros nas atividades que envolvem os diversos caminhos profissionais. Buscar vida confortável e estabilidade econômica não contradiz o alcance de nível adequado de espiritualização. Triste é a constatação do uso indevido do papel de líder religioso, seja qual for a denominação, para a concretização dessa  finalidade.  Insensato é  o uso da figura daquele que viveu para compartilhar e pregou a humildade de coração como bandeira central de sua mensagem. Os vendilhões do Templo daquele período da história iriam corar de vergonha. 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

A PIOR PROVA: RIQUEZA OU POBREZA?

  Por Ana Cláudia Laurindo Será a riqueza uma prova terrível? A maioria dos espíritas responderá que sim e ainda encontrará no Evangelho Segundo o Espiritismo a sustentação necessária para esta afirmação. Eis a necessidade de evoluir pensamentos e reflexões.

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

ESPÍRITISMO E CRISTIANISMO (*)

    Por Américo Nunes Domingos Filho De vez em quando, surgem algumas publicações sem entendimento com a codificação espírita, clamando que a Doutrina Espírita nada tem a ver com o Cristianismo. Quando esse pensamento emerge de grupos religiosos dogmáticos e intolerantes, até entendemos; contudo, chama mais a atenção quando a fonte original se intitula espiritista. Interessante afirmar, principalmente, para os versados nos textos de “O Novo Testamento” que o Cristo não faz acepção de pessoas, não lhe importando o movimento religioso que o segue, mas, sim, o fato de que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome ele estará no meio deles (Mateus XVIII:20). Portanto, o que caracteriza ser cristão é o lance de alguém estar junto de outrem, todos sintonizados com Jesus e, principalmente, praticando seus ensinamentos. A caridade legítima foi exemplificada pelo Cristo, fazendo do amor ao semelhante um impositivo maior para que a centelha divina em nós, o chamado “Reino de...

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”