Pular para o conteúdo principal

AINDA QUE FALE A LÍNGUA DOS ANJOS

 

Por Roberto Caldas

                A interrogação perseguia até mesmo o Apóstolo dos gentios. Chamado a escrever à igreja de Corinto dirige-se aos companheiros como um mestre que lutava para ir além das palavras e ser fiel à execução da obra com a entrega do exemplo. Em sua primeira carta àquela comunidade de cristãos reserva o capítulo 13 (1 a 13) para exaltar o que chamaria no versículo 13, o maior tributo dos seguidores de Jesus.

            Depois de se referir aos muitos problemas de relacionamento presentes entre os profitentes, quando discorre pacientemente sobre as dificuldades habituais da rotina humana, naturalizando as práticas comuns ao dia a dia, Paulo os convida à reflexão sobre a Caridade.

            “Ainda que falasse a língua dos homens e dos anjos”; “tivesse o dom da profecia”; “conhecesse os mistérios e ciência”; “tivesse a fé que transportasse montes”; “se distribuísse toda a fortuna”; “até entregasse o corpo para ser queimado” – “sem a Caridade nada aproveitaria”. E enfim perfila qualidades que traduzem a Caridade como a maior das virtudes, mesmo ladeada pela Fé e a Esperança.

Natural que tanto tempo depois de escritas tais recomendações ainda se tenha tantas dúvidas em compreender-se o universo da essência da Caridade.

Tratando do assunto em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. 15), Allan Kardec evoca a Parábola do Bom Samaritano. Jesus tornava bendito aqueles que lhes dispensassem alimento estando com fome e água quando sedento; e roupa à nudez, além de teto quando ao relento. Ante a curiosidade dos presentes sob a possibilidade de vê-lo naquelas condições, arremete: “Na verdade vos digo, que quantas vezes vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fizestes”. 

A Caridade propõe ver o outro. Chamado de Próximo. É a partilha do Mínimo. Absorve a dor como aprendizado; festeja como sua a vitória alheia; avalia com profundidade e empatia os deslizes de terceiros; educa contra a prepotência e a soberba; propõe ética ajustada ao bem comum; busca interesses convergentes ao bem comum; alimenta a serenidade nos momentos de aflição e controvérsia; escala montanhas para louvar a justiça e a verdade.

Paulo de Tarso falava aos seus contemporâneos, mas jogou na contemporaneidade uma reprimenda moral que deve reverberar em todas as consciências. Maldizia-se por ter um dia perseguido de forma contundente Aquele que se tornaria a grande baliza de sua existência até o último dos seus dias. Mergulhou fundo nas lições daquele que o salvou da própria cegueira em plena Estrada de Damasco. Tragou do segundo mandamento de Jesus – Amar ao próximo como a si mesmo – a mais difícil lição a aprender. A Caridade.

Fica o convite. Despir-se de julgamentos. Proteger aos que se debatem em aflições. Comiserar-se dos que vivem seus infernos interiores, especialmente dos que não se apercebem disso. Tudo isso, apesar de ainda prisioneiros da própria realidade. Aprender a ver a Jesus naquele que passa ao lado. Ir além de falar a língua dos homens e dos anjos. Perguntar-se: “Senhor, quem é o meu próximo”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.