Pular para o conteúdo principal

BRASIL: SOCIEDADE DOS INDECENTES E HUMILHADOS

 


“A nossa pátria mãe tão distraída/Sem perceber que era subtraída/Em tenebrosas transações.” A canção Vai Passar, de Chico Buarque, composta ao final da ditadura militar, canção que se tornou símbolo da nova República, mostra-se atual. O Estado contraventor brasileiro arreganha os seus dentes sobre as riquezas produzidas e o “fungado” do totalitarismo causa arrepios à frágil democracia brasileira, acenando que haverá necessidade da resistência popular.

A ultradireita expõe no Brasil a face mais cruel do neoliberalismo. Não se enxerga a fronteira do que é decente e indecente. A indecência permeia todos os segmentos da sociedade e as conquistas sociais promovidas pela Constituição de 1988 foram tragadas pela ala dos barões famintos, do poema de Chico Buarque, que assalta a sociedade brasileira desde o período colonial.

Nesse cenário dantesco, surgem novos pigmeus do boulevard, construídos de forma persistente pela mentira e pelo ódio, travestidos de super-heróis. A ditadura militar à ditadura de classe é ou será sempre o eterno padecer de um povo sofrido e com a presença de políticos sem qualificação alguma, o que torna o Estado brasileiro também desqualificado. O sofrimento do brasileiro só encontra esperança na fé em Deus, que também se tornou mercadoria pela ideologia capitalista.

Pobres e espíritas agora são de direita, pasmem!

A doutora em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC/SP, Hilda Helena Soares Bentes, estudando o filósofo israelense  Avishai Margalit, em sua obra A Sociedade Decente, sem edição nacional, menciona que Margalit elabora a conceituação de sociedade decente a partir da noção central da humilhação, que irá distinguir a sociedade docente de uma civilizada. A primeira se define pelo fato de suas instituições não humilharem os indivíduos; a segunda, pelo fato de os sujeitos não se humilharem reciprocamente. Leia-se o que diz Hilda:

 

“Tornam-se, destarte, inimigos da sociedade decente todas as instituições – e seus atores sociais e políticos representativos – que submetem os homens a tratamentos iníquos e desumanos, desfigurando-lhes a feição humana, radicada fundamentalmente no respeito mútuo e na dignidade da pessoa humana. Sobretudo constitui uma violação da condição de liberdade própria do ser humano.”

 

De fácil compreensão que a sociedade brasileira e as instituições ditas democráticas não são civilizadas e nem mesmo decentes. Essa quadra político-social que atravessa o Brasil possibilita esse retrato zodiacal. Infelizmente, em preto em branco está parte do movimento espírita adesa pelo voto a essas indecências. Desonrosos títulos para uma sociedade “terrivelmente evangélica-cristã”.  

Embora tenhamos uma Constituição com espectro progressista, – 1988 – avançamos muito pouco. As desigualdades sociais são perversas e ferem os princípios da dignidade humana.

Certamente, a busca de se viver os princípios básicos estabelecidos no Art. 5º da Constituição, e que estão no Evangelho de Jesus, não causariam náusea ao principal mandatário sempre ovacionado por uma massa de desequilibrados, tanto quanto.

A ideologia neoliberal é indecente e incivilizada e não há saída para a sociedade brasileira e nem mundial. Há a necessidade de se fundar uma nova sociedade alicerçada nos princípios de solidariedade universal.

O espírita tem que ter a compreensão de que estamos submetidos à lei do progresso, e ela é inexorável e determinante individual e coletivamente, pendente do livre-arbítrio de cada individualidade.

Aos espíritas ditos “conservadores” que, apesar de todos os debates acerca das questões doutrinárias que envolvem esse tormentoso período, ainda se mantêm presos às tradições, antes de fazer reinar os princípios da decência, entre eles a caridade, a fraternidade e a solidariedade para assegurar o bem, adverte Allan Kardec:

 

“Tal não lhes era possível, nem com suas crenças, nem com suas instituições envelhecidas e superadas, restos de outra era, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje um ponto de parada.”

 

            Essa sociedade decente e civilizada é um projeto que só poderá ocorrer com o Evangelho de Jesus, clarificado com os fundamentos espíritas. Aqui está o lugar do espírita.

            Para os espíritas alérgicos às questões sociopolíticas, vai um lembrete do argentino Humberto Mariotti (1905-1982), filósofo e dirigente espírita:

 

“As paligenesias individuais e sociais são, para o homem kardecista, o resultado dos fatos sociológicos determinados pelo Espírito, através de sua incessante evolução.”

 

É fato entender que a decência do espírita é requisito a partir das sucessões de fatos morais, determinados pelas relações entre o elemento espiritual e o material. A partir dessa compreensão, diz Mariotti que a nova sociedade, segundo o codificador da Doutrina Espírita, será determinada pelo modo de vida espiritual, alcançado pelos homens. Continua Mariotti: “Corpo e Espírito, isto é, Sociedade e Alma deverão se desenvolver harmonicamente; deste modo, com o homem kardecista, a transformação socialista será integral: compreenderá o aspecto material e espiritual.”

A partir dessas discussões cabe ao espírita trabalhar para o Espiritismo interferir na cultura do mundo e não nela inseri-lo, tentativa que consolidou a Doutrina-Filosófica e Moral de Kardec em uma simples religião.

Os espíritas, principalmente os ditos progressistas, necessitam elaborar uma agenda de união e unidade. Percebe-se que, apesar das mudanças importantes no processo dialético-espírita com a sociedade desses espíritas, ainda persiste o caráter meramente missionarista de alguns que solapam e comprometem as intenções coletivas.

Não se avançará assim.

 

 

 

Referências:

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Brasília, 1996.

MARIOTTI, Humberto. O homem e a sociedade numa nova civilização. Buenos Aires, 1963.

 

SITE:

<https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/402/395>.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.