Pular para o conteúdo principal

"A ÉTICA DO BOLSO"

 


            As vitrines das igrejas no Brasil estão cheias dos mais variados tipos cristãos, principalmente os que enriquecem com o suor e as misérias do outro.

            Na realidade, a ética capitalista solapou a ética cristã e a transformou na “ética do bolso”. Não importam os conceitos morais se a capacidade de acumular está sendo atendida. Às favas a moral.Os cristãos vivem uma ética duvidosa.

            Max Weber (1864-1920), um dos fundadores da Sociologia, em sua festejada obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicada em 1905, estuda os fundamentos da religião e da sociedade, onde ele pondera a influência, especialmente das doutrinas protestantes, de cunho ascético, na formação do capitalismo moderno. Ele se expressa de forma contundente:

 

“(...) ganhar dinheiro e sempre mais dinheiro, no mais rigoroso resguardo de todo gozo imediato do dinheiro ganho, algo tão completamente despido de todos os pontos de vista eudemonistas(1) ou mesmo hedonistas(2) e pensado tão exclusivamente como fim em si mesmo, que, em comparação com a ‘felicidade’ do indivíduo ou sua ‘utilidade’, aparece em todo caso como inteiramente transcendente e simplesmente irracional.”

 

            Para alguns, o trabalho de Weber é a “Teologia da Prosperidade” protestante. A Teologia da Prosperidade, surgida na década de 1980 nos Estados Unidos da América, adaptou-se bem ao movimento pentecostal brasileiro; é fundamentalmente a nossa maneira de compreender a ação de Deus em relação às ações humanas. É um discurso religioso que rejeita a teodiceia cristã tradicional. Ela progride especialmente onde o trabalho duro e outras virtudes econômicas produzem pouco resultado, pelo menos, para alguns setores da população.

            Para alguns, talvez muitos evangélicos, a Teologia da Prosperidade é teologicamente falha, moralmente repreensível e psicologicamente danosa. Outros não a acham assim.

            Uma pesquisa sobre o Pentecostalismo em dez países, em 2006, perguntou: “Deus concede prosperidade aos fiéis?” A expectativa de recompensas materiais por meios religiosos está longe de ser exclusividade do pentecostalismo. 64% de todos os religiosos brasileiros acreditam que Deus concede prosperidade aos fiéis. Percentual expressivo.

            Johannes Messner (1891-1984), sociólogo, teólogo e político austríaco diz que com o protestantismo a ética deixou de ser uma ciência “filosófica” para ser uma ética “teológica”, uma orientação completamente nova para com os deveres ético-sociais.

            Adela Cortina, catedrática de Filosofia Jurídica, Moral e Política da Universidade de Valência, afirma que tanto as “éticas de meios” quanto as “éticas de fins” consideram a natureza humana como pauta de conduta. As éticas de meios são as que interessam nessa análise.

            Na realidade, em boa parte, os cristãos estão imersos em uma cultura hedonista, como assinalou Weber, e agora corroborado por Cortina. Leia-se:

 

“Caberia considerar como paradigmáticas, entre as éticas de meios, o epicurismo, parte da Sofística, e as várias versões do hedonismo, muito especialmente a versão utilitarista.”

 

            Sabe-se que a característica principal do hedonismo – família de teorias –  defende o prazer como finalidade da vida humana. A Teologia da Prosperidade estimula tudo isso, já que é uma ideologia do capitalismo e reforça a religião como um dos aparelhamentos ideológicos principais do capitalismo. A ética do bolso é a ética do materialista disfarçado de religioso, como diz o Espírito Joanna de Ângelis.

            A ética do bolso é selvagem, criminosa, cruel e fortalece o individualismo com a tão falada meritocracia. Aprofunda as injustiças sociais, naturaliza a miséria e estimula à opressão.

            A ética do bolso não é a ética do Cristo, é, tão somente, resultante das teologias religiosas e falsos profetas.

            O Espírito Emmanuel, comentando a citação de Jesus, no Evangelho de João, 8:43 – “Por que não entendeis a minha linguagem? Por não poderdes ouvir a minha palavra.”, assinala as contradições dos cristãos diante das dificuldades criadas em ouvir a Boa Nova, enquanto o plano mental é desviado para as obras do mundo. A preocupação da posse absorve toda a existência. E esse campo das contradições está povoado por nós e por admiráveis amigos, que apesar de os corações serem depósitos de inestimáveis dons de bondade, colocam a mente empenhada na ética do bolso. Concluindo, diz Emmanuel:

 

“São preciosas estações de serviço aproveitáveis com equipamentos, porém, ocupadas em atividades mais ou menos inúteis. Não nos esqueçamos, pois, de que é sempre fácil assinalar a linguagem do Senhor, mas é preciso apresentar-lhe o coração vazio de resíduos da Terra, para receber, em espírito e verdade, a palavra divina.”

 

 

Notas:

(1)       Doutrina que acredita ser a busca da felicidade (na vida) a principal causa dos valores morais, considerando positivos os atos que levam o indivíduo à felicidade.

(2)       cada uma das doutrinas que concordam na determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral, embora se afastem no momento de explicitar o conteúdo e as características da plena fruição, assim como os meios para obtê-la.

 

Referências:

CORTINA, Adélia. Ética sem moral. São Paulo, 2010.

MESSNER. Johannes. Ética social. São Paulo.

 

WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, 2001.

XAVIER, Francisco C. Fonte viva. São Paulo, 1997.

 

Site:

<https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/teologia-da-prosperidade-uma-avaliacao-em-boa-parte-sociologica>.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC E A DOUTRINA ESPÍRITA

  Por Doris Gandres Deolindo Amorim, ilustre espírita, profundo estudioso e divulgador da Codificação Espírita, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, em dado momento, em seu livro Allan Kardec (1), pergunta qual o objetivo do estudo de uma biografia do codificador, ao que responde: “Naturalmente um objetivo didático: tirar a lição de que necessitamos aprender com ele, através de sua vida e de sua obra, aplicando essa lição às diversas circunstâncias da vida”.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

PUREZA ENGESSADA

  Por Marcelo Teixeira Era o ano de 2010, a Cia. de teatro da qual Luís Estêvão faz parte iria apresentar, na capital de seu Estado, uma peça teatral que estava sendo muito elogiada. Várias cidades de dois Estados já haviam assistido e aplaudido a comovente história de perdão e redenção à luz dos ensinamentos espíritas. A peça estreara dez anos antes. Desde então, teatros lotados. Gente espírita e não espírita aplaudindo e se emocionando. E com a aprovação de gente conhecida no movimento espírita! Pessoas com anos de estrada que, inclusive, deram depoimento elogiando o trabalho da Cia. teatral.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

A CULPA É DA JUVENTUDE?

    Por Ana Cláudia Laurindo Para os jovens deste tempo as expectativas de sucesso individual são consideradas remotas, mas não são para todos os jovens. A camada privilegiada segue assessorada por benefícios familiares, de nome, de casta, de herança política mantenedora de antigos ricos e geradora de novos ricos, no Brasil.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

O MOVIMENTO ESPÍRITA MUNDIAL É HOJE MAIS AMPLO E COMPLEXO, MAS NÃO É UM MUNDO CAÓTICO DE UMA DOUTRINA DESPEDAÇADA*

    Por Wilson Garcia Vivemos, sem dúvida, a fase do aperfeiçoamento do Espiritismo. Após sua aurora no século XIX e do esforço de sistematização realizado por Allan Kardec, coube às gerações seguintes não apenas preservar a herança recebida, mas também ampliá-la, revendo equívocos e incorporando novos horizontes de reflexão. Nosso tempo é marcado pela aceleração do conhecimento humano e pela expansão dos meios de comunicação. Nesse cenário, o Espiritismo encontra uma dupla tarefa: de um lado, retornar às fontes genuínas do pensamento kardequiano, revendo interpretações imprecisas e sedimentações religiosas que se afastaram de seu caráter filosófico-científico; de outro, abrir-se à interlocução com as descobertas contemporâneas da ciência e com os debates atuais da filosofia e da espiritualidade, como o fez com as fontes que geraram as obras clássicas do espiritismo, no pós-Kardec.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.