Pular para o conteúdo principal

PAULO, O INTRÉPIDO



 

      Quando surge uma gota de água numa fonte está escrito que ela vai chegar ao mar. E obstáculo nenhum a impedirá. Não sem antes fazer uma grande viagem, cheia de contornos e passando por diversos processos que, de forma alguma, haverá de modificar a sua natureza íntima ou conseguirá impedir o seu abraço com o oceano.

               Há trajetórias que seguem roteiros que as conduz além do que a média de uma população presume possível. Não que seja vetado a alguém experimentar a capacidade obstinada de desafiar as grandes lutas, sim porque essas lutas têm a função de filtros seletivos. As grandes obras vêm emolduradas pelos sacrifícios, por regra impõem derrotas e frustrações retardando a chegada do êxito e é necessário suportar aquelas antes de alcançar este.

            Mormente raciocinando com a perspectiva de finitude, a mente exige que as compensações sejam imediatas ao esforço. Até funciona quando o raciocínio gravita em atos da rotina comum. Quanto mais elevada a expressão das conquistas a serem alcançadas a pressa em receber os dividendos passa a ser um empecilho ao alcance do que se pretende.   

            Saulo foi uma dessas gotas nascidas com trajetória definida. Nascido em tarso no ano 5 e decapitado em Roma no ano 67. Sabia para onde ir. Conseguiu fazer de sua intrepidez o seu maior defeito e a sua maior virtude, numa mesma existência. Homem de decisões definitivas e fidelidade a uma causa, obstinado e honesto com suas crenças. Nascido hebreu foi educado pelas leis do judaísmo, brilhante no aprendiz e fiel às leis daquela doutrina. Discípulos dos maiores mestres e veemente defensor das ideias que aprendera desde a infância. Pelas suas convicções cometeria enganos e exageros, dos quais não demoraria a se arrepender, e teve tempo para se penitenciar e transformar-se.

            O edifício doutrinário que defendia com toda a veemência desmontou ao ver Jesus quando se dirigia à cidade de Damasco em perseguição aos seguidores daquele. “Ele perguntou: Quem, és tu Senhor? Respondeu o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões” (Atos IX, 5). Cego por alguns dias teve Ananias que foi chamado para ajudá-lo a se recompor. Ananias vacilou, pois sabia que Saulo perseguia e prendia, mas Jesus lhe admoestou em Atos (IX, 15 e 16): “Disse-lhe, porém o Senhor: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome perante os gentios, e os reis, e os filhos de Israel, pois eu lhe mostrarei quanto lhe cumpre padecer em meu nome”.

            E como padeceu Saulo! Entre a cegueira e o retorno à luz se transforma em Paulo. Desperta no meio daqueles que perseguia e é perseguido por aqueles que se sentiram traídos pela sua mudança. Sozinho e desacreditado por todos os lados. Transformou-se no maior divulgador de Jesus por todas as partes e cidades e vilarejos. Resoluto, decidido, incansável, intrépido. Doando, doando, doando, sem nada pedir. Fez da Caridade o Amor materializado.

            Aquela gota sabia de sua destinação. Mesmo quando longe do seu mar era investido de respeito a Lei de Deus que conhecia. Bastou conhecer o caminho e estava pronto para buscar o seu destino. “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé (2ª Carta a Timóteo IV,7)”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.