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A CARIDADE COMO ABISMO ESPÍRITA

 


A caridade para a camada mediana e populosa dos espíritas brasileiros continua circunscrita à doações materiais, inclusas nas teorias paternalistas, sobejamente utilizadas pelo populismo brasileiro em políticas assistencialistas.

Isso é ruim? Isso é bom? A resposta é: merece análise e reflexões.

Não nos cabe rotular o bom e o ruim, mas é muito importante compreender processos históricos e sociais que definem estratégias de manutenção do poder dominante, romantizando ações que na base, corroboram para a acomodação da maioria às situações coletivas dolorosas.

Pois é, irmãos espíritas! Nós estamos imersos em muito mais do que  fluido universal, estamos mergulhados na política do mundo material sob o comando de intencionalidades gestadas e mantidas pela força invisível do pensamento, das crenças e das concepções teóricas de convívio humano e produção de riquezas, nesta fábrica de experiências chamada Terra.

A riqueza também pode ser expressão de saciedade e fartura, resposta possível às necessidades humanas que ora apresentamos como próprias deste plano existencial. Mas a maioria de nós tem focado o olhar na pobreza, deslocada da plataforma que a gera, transferindo sua presença incômoda para a alçada dos débitos das vidas passadas, marcando o planeta azul com a tarja de lugar de provas e expiações para alguns.

Sim, lugar de expiações para os vulneráveis, famintos, adoecidos, sofredores…ao passo que a nós, um tipo espiritualizado de gente privilegiada, compete exercer a caridade que distribui migalhas sob a gratidão do recebedor, a quem geralmente olhamos como culpado (pregresso) e nunca como vítimas do atual sistema social, político e econômico que o exclui de acessos desde o ventre da mãe empobrecida.

Embora o planeta tente nos mostrar que a comida é para todos, nós temos insistido em não teorizar sobre as bençãos da igualdade, e divulgamos amplamente em palestras, seminários, congressos, e literatura que beira o sensacionalismo, o quanto a dor e a fome são redentoras!

De cá, refutamos esta postura conivente, para assumirmos posicionamentos políticos amorosos e plenos de boa vontade, por acreditarmos que ao matar a fome do corpo também precisamos alimentar os espíritos com outras reflexões sobre o existir.

O conhecimento não pode continuar aprisionado em compêndios para uso seleto da vaidade! Precisa ganhar as ruas, os ouvidos populares, e firmar presença nos corações das gentes.

O valor da vida é o bem viver!

O projeto amoroso de Deus para esta sociedade não contempla a apreensão dos bens públicos nas mãos espúrias do liberalismo que usufrui com os seus, daquilo que pertence a todos.

Assim, podemos entrever que as lutas evolutivas vão muito além de práticas religiosas, ações manifestamente assistenciais, rompendo mesmo os espectros duais do partidarismo oficial; a evolução política dos espíritos é uma prática cotidiana de benefícios sociais, humanitários, culturais, comunitários, que permitem acessos ao melhor possível, de acordo com as possibilidades individuais de cada ser.

Para usufruirmos desta condição, necessitamos avançar sobre os paradigmas ultrapassados, fincados em entendimentos antigos, trazidos por espíritos limitados ao que diziam; outras vozes explodem na última hora, e nossos tímpanos resistentes ensurdecem a ação do tempo. Até quando?

Caridade é conceito amplo, que deixa o corpo e o espírito na mesma possibilidade de recebimento e doação, mas neste momento grave, pede aprimoramento, fineza de gesto e profundidade de olhares.

Já não nos basta combater a fome, mas o que a gera.

Não nos bastará doar o agasalho, mas lutar por moradia indistintamente, como política social humanitária.

Eis a caridade ativa e necessária: uma nação que se abraça em lutas por justiça social mesmo quando a o poder dominante se esmera em apresentar a cruz como única opção.

Nós acreditamos na superação da morte, desde aqui, salvando nossa subjetividade do lodo que justifica os crimes do capitalismo, em suas versões liberais e cantilenas moralistas.

Podemos ser caridosos sem manter relações de conivência com o crime hediondo de louvar a fome de hoje para salvar o desencarnado de amanhã.

Comentários

  1. Necessário é entender o conceito de caridade, não o reduzindo à mera filantropia L.

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