quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

MAIS ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A DESUMANIZAÇÃO NO MOVIMENTO ESPÍRITA

 

Não costumo dar sequência a artigos publicados no blog e muito menos em resposta aos comentários feitos. Mas a postagem da semana passada Desumanização no Movimento Espírita rendeu centenas de comentários e mais de 33 mil visualizações. Parece que mexemos numa ferida aberta e é preciso falar mais para pensarmos em soluções, remédios e melhoras.

Primeiro, a resposta aos que me criticaram por não ter ouvido o outro lado. Sou jornalista profissional e sei muito bem o que faço em termos de fontes. Chequei com várias pessoas (claro que não posso citar as fontes) e o ocorrido foi exatamente o que relatei, no caso da desencarnação de Claudio Arouca na Feesp.

Felizmente, a família se sentiu confortada com o meu artigo e com o apoio que recebeu de muita gente por causa dessa publicação. Então isso já basta.

O fato, porém, extremo e lamentável, serviu como um exemplo de uma tendência no movimento espírita em geral. Nossa crítica não é pessoal à Feesp, quisemos fazer uma reflexão mais ampla. Tanto é verdade que não foram poucas as mensagens e comentários que recebemos, contanto casos, apoiando a reflexão proposta e dizendo muitos que não frequentam mais centros espíritas (aliás nem pequenos, nem grandes), porque se depararam com autoritarismo, burocratização, descaso, luta por cargos, falta de acolhimento, exclusões, etc.

Cito esse caso abaixo, só para exemplificar:

“Em 1994, dezembro, estava com minha filha num hospital de SP. Ela havia feito uma cirurgia cardíaca e estava em coma. Depois da entrevista com médicos que a desenganaram, saí sem rumo; triste e sozinha. Havia levado o endereço de um centro espírita de uma médium famosa por seus romances. Entrei, sentei e comecei a chorar. Umas mulheres estavam arrumando o centro. Nem me olharam. Depois de um tempinho, sem se aproximarem, disseram o dia do passe. Enxuguei as lágrimas e fui embora. Precisava de apoio, aconchego, como sempre encontrei no centro que frequentava. As paredes do tal centro cobertas de reportagens de revistas com fotos da médium.”

Nessa mesma linha de denúncia, neste mês, o Jornal Crítica Espírita  publicou uma matéria de Franklin Felix, com muitos relatos de perseguição política e partidarização em centros espíritas.

Então, o que acontece? Vamos ficar calados, de braços cruzados, colocar panos quentes? Fingir que somos um movimento fraterno, amoroso e caridoso? É óbvio que há muita gente boa no movimento. Viajo Brasil afora e conheço instituições e pessoas que ainda guardam o espírito acolhedor e amoroso que faz parte da ética espírita-cristã. Mas ouço também inúmeros relatos de expulsões, discriminações, brigas internas…

Enfim… dirão: seres humanos são assim. É verdade. Mas seria de se supor que pessoas que adotam uma filosofia de vida como a espírita estivessem ensaiando um comportamento melhor.

Quero levantar aqui duas hipóteses explicativas para esse problema. Primeira, lembro do filósofo francês Henri Bergson, que escreveu uma obra-prima, sempre muito citada por Herculano Pires: As duas fontes da moral e da religião. Nesse livro, ele expõe uma tese de que movimentos religiosos e novas formas de moralidade, quando nascem, brotam da fonte espiritual legítima, com seus iniciadores, animados do élan evolutivo. Mas depois, com o tempo, se cristalizam, se institucionalizam e portanto, vão perdendo vida e impulso, vivência e amor.

Não foi o que aconteceu com o Cristianismo? Em seu livro História do Cristianismo, Paul Johnson tem a sua primeira parte intitulada: De mártires a Inquisidores. Impressionante relato de como aquele primeiro movimento lançado por Jesus, no seio de apóstolos (que aliás, já começaram a se desentender entre si – veja-se o conflito entre Paulo e Tiago), foi se tornando a Igreja poderosa e inquisitorial. Mas no seio dela, sempre ressurgiram aqueles que tentaram voltar à simplicidade e à fraternidade primitivas. Francisco de Assis, por exemplo, e tantos outros.

O próprio movimento da Reforma protestante se deu também na tentativa de voltar às bases do Evangelho. E novamente, houve um esfriamento, uma institucionalização. 150 anos depois da morte de Lutero, o movimento pietista, dentro do próprio protestantismo, tentava revigorar o espírito de simplicidade e acolhimento e recomendava o culto do Evangelho no lar, a reaproximação aos ensinos de Jesus… Pestalozzi teve essa influência.

Então, já dá para concluir que nós, espíritas, estamos no mesmo caminho: institucionalização (quando falo esse termo, estou me referindo à uma situação em que regras, burocracias, cargos, dinheiro, poder, valem mais do que o ser humano), perda de fraternidade real, esfriamento das relações humanas.

Por que acontece isso? Agora vamos à nossa segunda hipótese explicativa.

A adesão dos seres humanos à moral proposta pelas diversas tradições espirituais da humanidade se dá muitas vezes de maneira exterior. Adota-se uma postura artificial, de bondade, de fala mansa, de pseudocaridade, mas não houve de fato uma revolução interna profunda – coisa aliás que só se dá num processo de autoeducação e de terapia simultaneamente, com a coragem de nos olharmos como somos, nossas feridas, procurando curá-las, sem dissimulação. Esse fenômeno, Jesus já combateu: é o farisaísmo. A pessoa se traveste de santa, mas de santa não tem nada. E infelizmente ocorre entre católicos, budistas, protestantes, espíritas…

Um exemplo dessa atitude tive num comentário que recebemos em relação ao artigo sobre a desumanização. Não aprovei a mensagem no blog, porque achei profundamente ofensiva – mas é a ofensa de fala mansa, citando Chico Xavier, desqualificando-me como pessoa e não usando de argumentos contra meus argumentos e nem me agredindo abertamente, assumindo a própria raiva.

Sem citar o nome do autor, que aliás não conheço, veja-se o teor da mensagem:

Cristãos: meditemos sobre as três peneiras de Sócrates (Pessoas inteligentes falam sobre ideias; pessoas comuns falam sobre coisas; pessoas mesquinhas falam sobre pessoas). Ainda nesse sentido, e sem intenção de ofender ou debater sobre assunto, tampouco julgar quem quer que seja, estudemos a lição 74 do Livro Vinha de Luz, será de grande valia para o nosso aprimoramento.

A passagem de Emmanuel em questão, intitulada de Maus Obreiros, contém o seguinte trecho, referindo-se aos “maus obreiros”, portanto à autora do artigo:

Destacam os defeitos de todas as pessoas, exceto os que lhes são peculiares. Alinham frases brilhantes e complacentes, ensopando-as em óleo de perversidades ocultas. Semeiam a dúvida, a desconfiança e o dissídio, quando percebem que o êxito vem próximo. Espalham suspeitas e calúnias, entre os que organizam e os que executam. Fazem-se advogados para serem acusadores. Vestem-se à maneira de ovelhas, dissimulando as feições de lobos. Costumam lamentar-se por vitimas para serem verdugos mais completos.“Guardai-vos dos maus obreiros.”

E o autor de tal pérola se despede fraternalmente. Mandou depois diversas mensagens, indagando por que não publiquei o comentário dele.

Eis aí o protótipo do farisaísmo: ofende com palavras do Evangelho, coloca-se numa posição de falsa superioridade, porque adota um palavreado bonito, extraído de obras respeitáveis, mas na verdade não está discutindo as ideias que coloquei no texto, não tem contra-argumentos, apenas está na posição de um mestre advertindo uma “má obreira”. Infelizmente, é desse tipo de espíritas que o movimento está cheio.

Se alguém discorda, é fraternalmente enviado para a desobsessão; se alguém migra de um centro para outro, de uma cidade para outra, de um Estado para outro, é obrigado fraternalmente a recomeçar o Espiritismo do zero, porque não se aceita o que a pessoa traz de bagagem de aprendizado e de anos de serviço prestado; se alguém se opõe a alguma regra ou conduta (muitas vezes com razão e mesmo que não fosse com razão) é convidado fraternalmente a sair do grupo…

Quando se limita o debate, quando não se sabe discutir ideias, porque só há melindres e vaidades, estamos entrando no campo do farisaísmo, da falta de autocrítica, da cristalização, que leva à intolerância e que mais dia menos dia nos pode levar a atitudes inquisitoriais.

Quais os caminhos para remediar essa situação:

·      Façamos grupos pequenos, em casa ou no centro, com pessoas reconhecidamente afins, sinceramente interessadas em estudar, praticar a mediunidade e devotar-se ao bem;

·         Estudemos Kardec em profundidade;

·         Desierarquizemos as relações: todos devem ser ouvidos, as lideranças devem deixar de lado vaidades e vontade de poder (para isso uma boa terapia ajuda);


  •      Façamos todos uma autoanálise diária, constante, de nossas atitudes e sentimentos (sobretudo de sentimentos, porque deve haver uma coerência entre eles e nossas ações
  •      Não forcemos a barra de uma santidade prematura, somos pessoas normais, em aprendizado constante;
  • ·         Não idolatremos ninguém e nem nos deixemos idolatrar; sejamos enérgicos quanto a isso;
  • ·         Não tenhamos mestres no espiritismo, somos todos aprendizes;
  • ·         E se participamos de alguma instituição já rendida a essas práticas burocráticas e desumanizadas, com lideranças inquestionáveis, se depois de tentarmos melhorar as coisas, nos sintamos ainda incomodados ou indignados, retiremo-nos sem medo, fundemos outras casas ou façamos o espiritismo doméstico – mas não deixemos nunca essa doutrina libertadora, por causa daqueles que não se libertaram a si mesmos!

Um comentário:

  1. Caminho traçado, momento de seguir as orientações e reumanizar o movimento espírita.

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