quarta-feira, 18 de novembro de 2020

PROBLEMAS DE INTERPRETAÇÃO


 

Angustiado visitante reclamava com Chico Xavier:

     – Tentei cumprir rigorosamente o Evangelho, mas devo lhe dizer que não deu certo.

       – O que houve, meu irmão?

       – Sou gerente de uma agência bancária. Concedi vultoso empréstimo a uma pessoa que implorou ajuda, em face de suas dificuldades financeiras. Ocorre que o título venceu e não foi pago. Sou o responsável e vou ter que vender minha casa para pagar ou serei demitido. Por que esse castigo, se apenas cumpri o Evangelho?

       E Chico:

       – Emmanuel está dizendo que devemos sempre cumprir o Evangelho, mas com o nosso dinheiro, não com o dinheiro dos outros.

       A bem-humorada observação do mentor de Chico nos remete a um problema relacionado com a vivência evangélica: a interpretação, em que muitas vezes se confunde alho com bugalho. O nosso gerente de Banco certamente pretendeu observar a recomendação de Jesus, no Sermão da Montanha (Mateus, 5:42): Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.

       Porém, levada às últimas consequências, essa orientação de Jesus determinaria a falência de indivíduos e instituições. Por outro lado, não é nada evangélico um lacônico não a quem nos pede ajuda ou a disposição de não receber quem nos pede um empréstimo.

       Sob o ponto de vista humano, é um direito agir assim e, talvez, até mais correto do que mentir, como ocorre frequentemente.

       Se é o pobre que bate à porta, pedindo ajuda:

– Hoje tem nada não!

       Além de assassinar o vernáculo, mentiu, porquanto sempre há algo que se possa oferecer a quem nos bate à porta.

       Se é o amigo, que pede empréstimo:

       – Sinto muito. Tive muitos gastos recentemente e não tenho como atender à sua solicitação.

       Não raro, para evitar o constrangimento da recusa, pede-se a alguém que informe ao visitante:

       – Ele não está.

       Aqui, o cuidado de dar essa incumbência a uma criança, que na sua inocência, poderá complicar, informando ao ansioso visitante:

       – Papai mandou dizer que saiu.

       Quando mentimos em situações dessa natureza, incorremos em dupla falta, porquanto infringimos outro artigo do código evangélico. Palavras de Jesus (Mateus, 5:37): Seja o vosso “Sim”, sim, e o vosso “Não”, não. O que disso passar procede do maligno.

       Pois é, prezado leitor. Sempre que pretendemos nos livrar de alguém partindo para a mentira, estamos apelando para o maligno que mora em nós, estabelecendo sintonia com as sombras.

Mentir é algo muito sério e comprometedor!

 

***

 

       O ideal, na vivência evangélica, é o nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra. Sempre haverá algo que se possa oferecer ao que bate à porta. Entendo mesmo que sua carência maior, que raramente satisfazemos, é um pouco de atenção.

       Lembro uma mensagem de Meimei, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, quando diz E, em verdade, se os famintos e os nus te pedem pão e agasalho, esperam de ti, acima de tudo, o sorriso de ternura e compreensão que lhes acalme as chagas ocultas.

       Quanto aos empréstimos, amigo leitor, se você está “dando tratos à bola”, buscando uma fórmula intermediária entre o não e o sim, passo-lhe a experiência de um amigo. Diante dos que lhe solicitam empréstimo, que ele sabe, será pago no dia de São Nunca, diz o seguinte:

       – Você está me pedindo duzentos reais. Disponho de vinte. Pague quando puder.

       Ele sabe que não mais verá a cor daquele dinheiro, mas fica o crédito de uma boa ação, contando com celeste remuneração: bênçãos divinas para sua vida.

Um comentário:

  1. O exemplo do banco é o mais emblemático: são os maiores parasitas do planeta - fornecem dinheiro ganhando mais dinheiro ainda.

    A pessoa que concede empréstimos a juros tenta imitar o banco; é preferível, quando é possível, doar em vez de emprestar, sob o risco de criar mais problemas nas relações.

    As relações humanas deveriam passar longe da questão financeira a fim de procurar promover a solidariedade, a fraternidade; a caridade não passa pela concessão de empréstimos ou coisas do tipo; passa pelo ombro amigo e pelas orientações lúcidas também.

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