Pular para o conteúdo principal

IDOSOS, UNI-VOS!

 Quinta-feira, em um lugar qualquer, 61.000.003 a.C, em um conclave de dinossauros, o ancião de todos, consciente de que não podia acompanhar o rebanho - levantava-se 16 vezes na noite decidiu que deveria ser jogado no penhasco, em um tonel de piche. A partir daquele dia, aquela data passou a ser conhecida pelo “dia do arremesso”. Para todo dinossauro, ao completar 72 anos de idade, um familiar deveria cumprir o dito ritual. O genro poderia fazê-lo também. Essa é a história relatada em um episódio da “Família Dinossauro”, série americana que, apesar de ser concebida como um programa infantil, é uma sátira da sociedade e dos costumes da classe média daquele país, apresentada entre os anos de 1991 a 1994.

Avance-se no tempo. 2020 d.C, em um “país considerado coração do mundo e pátria do evangelho”, o novo ministro da saúde, em sua posse, admitiu que no Brasil, por dispor de recursos limitados para a área da saúde, o Estado terá que optar em escolher prestar assistência ao jovem, em detrimento do idoso. A prática é reconhecida em situação de guerra. E surge a indagação: diante de situação de um idoso rico e um jovem pobre? Negro? LGBT? Quilombola? Indígena? Será que realmente se sucederá?
Fácil de se observar que no Brasil foi instituído o seu “dia do arremesso”, prática dinossáurica, ato pomposamente designado por “Escolha de Sofia”. Não é intenção aqui se prender à questão de ordenamento jurídico, mas, tão somente, no contexto espírita, considerando que a vida é um bem inalienável e colocado pelo Sopro Divino.
O Estado agora assume a tutela divina. Os idosos, na concepção do mercado, não produzem mais e não consomem também; são feios e lentos. Dão trabalho demais e o custo é elevadíssimo para a previdência.
Esquecem eles, só a título de ilustração, alguns nomes que se destacaram na terceira idade:     Alexander Fleming, médico inglês, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, em 1945, aos 65 anos de idade; Jonh B. Goodenough, americano, Prêmio Nobel de Química, em 2019, aos 97 anos; Fernanda Montenegro, de 85 anos, é uma das mais prestigiadas atrizes brasileiras que, em 2013, venceu o prêmio de melhor atriz no Emmy Internacional pelo papel de Dona Picucha, em “Doce de Mãe”.
            Na pesquisa realizada em 2018, foi identificado que 86% dos idosos são autônomos e conseguem realizar suas atividades sem depender de terceiros, demonstrando o quanto são capazes de alcançar voos altos em seus projetos. Isso mesmo, na concepção materialista.
No tocante às questões espirituais, lê-se na questão nº 685 “a”, de O Livro dos Espíritos, quando Allan Kardec indaga o que fazer quando o velho precisa trabalhar e não pode:
“O forte deve trabalhar para o fraco; na falta da família, a sociedade deve ampará-lo; é a lei da caridade.”

No comentário que segue a resposta dos Espíritos, Allan Kardec adverte que quando a falta de trabalho se generaliza e toma proporções de um flagelo, a ciência econômica procura remédio no equilíbrio entre a produção e o consumo, o que deve ser superado, pois o trabalhador tem necessidade de viver. É nesse comentário que ele define a educação espírita como conjunto de hábitos adquiridos.
Esse ato, por se configurar novidade, pode ser analisado dentro da compreensão da eutanásia passiva ou ortotanásia, quando, por motivo de compaixão, [que não é esse caso] há a suspensão da medicação. Mas pode melhor compreender à luz de O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, item 28, em uma mensagem do Espírito São Luís:

“Um homem agoniza, preso em cruéis sofrimentos. Sabe-se que o seu estado é sem esperança. É permitido poupar-lhe alguns instantes de agonia, abreviando-lhe o fim?”

          O Espírito São Luís responde com uma pergunta:

“Mas quem vos daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode ele conduzir um homem até a beira da sepultura, para em seguida retirá-lo, com o fim de fazê-lo examinar-se a si mesmo e modificar-lhe os pensamentos? A que extremos tenha chegado um moribundo, ninguém pode dizer com certeza que soou a sua hora final. A ciência nunca se enganou nas suas previsões?”

A questão basilar nesse aspecto é que a expectativa de vida tem aumentado, consequentemente, a sociedade não tem buscado construir uma infraestrutura compatível para catalisar essas experiências. Veja-se que nem no contexto familiar o idoso tem uma função representativa.
Indiscutivelmente, haverá repercussões espirituais tanto para o Espírito desencarnante, como também para toda a sociedade brasileira, no contexto individual, familiar e da cidadania.
Em nosso País, a necropolítica foi institucionalizada, no tocante aos velhos. Mas não se iluda. É uma faca de dois gumes. Idoso pobre e idoso rico.
Retome-se o episódio da Família Dinossauro, chega o dia do Dino, patriarca da família, arremessar a vovó Zilda. Depois de confrontação dos valores da época do conclave com os atuais, as discussões fervorosas entre filha, netos e genro, a vovó Zilda resolve continuar vivendo, apesar das limitações físicas e psicológicas.
Foi a primeira vez que um dinossauro desencarnou por velhice.

Idosos, uni-vos!

REFERÊNCIAS
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: EME, 1996.
____________. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.