Pular para o conteúdo principal

CREMAÇÃO EM TEMPOS DE COVID-19


            

        Com a pandemia do COVID-19, a ocorrência de óbitos no mundo é assustadora. Pesquisadores da Universidade de Oxford estima que no Brasil poderão ocorrer 478 mil mortes. O governo chinês impôs a imediata cremação dos corpos em equipamentos nas cercanias dos nosocômios onde os pacientes estavam internados. Países como Itália e Portugal também suspenderam os rituais fúnebres e optam pela cremação. Até mesmo o Irã, que tem como tradição a lavagem dos corpos antes do sepultamento, suspendeu este tipo de ação para evitar a contaminação.
          No Brasil, o Direito Funerário é matéria reservada aos municípios. São Paulo e Rio de Janeiro limitaram o acesso aos velórios – no máximo 10 pessoas – seguido da proibição da abertura da urna funerária. Até o momento não foi exigida a zincada.

          No Brasil, para a normatização dos sepultamentos, considerando a cremação do cadáver, tem-se a Lei dos Registros Públicos (Lei Federal 6015, de 31 de dezembro de 1973), que em seu artigo 77 § 2º, trata da cremação, nos seguintes termos:

“A cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por de 2 [dois] médicos ou por um médico-legista e, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária.”

          Em O Livro dos Espíritos, os Reveladores Celestes informam que a alma se desprende gradualmente e não escapa como um pássaro cativo que fosse libertado. E que os dois estados se tocam e se confundem, de maneira que o Espírito se desprende pouco a pouco dos seus liames, eles se soltam e não se rompem.
          Para se entender esse processo, dentro da tríade espírita – Espírito, Perispírito e Corpo – leia-se Allan Kardec, em A Gênese, sobre a relação do períspirito e o corpo:

“Quando o Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao gérmen que o atrai por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que o gérmen se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do princípio vito-material do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo em formação, (grifos nossos) donde o poder dizer-se que o Espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse gérmen, como uma planta na terra. (...)”.

          Processo inverso se dá no momento da desencarnação. Leia-se o que diz Kardec, em O Céu e o Inferno:
“O estado do Espírito por ocasião da morte pode ser assim resumido: Tanto maior é o sofrimento, quanto mais lento for o desprendimento do perispírito; a presteza deste desprendimento está na razão direta do adiantamento moral do Espírito; para o Espírito desmaterializado, de consciência pura, a morte é qual um sono breve, isento de agonia, e cujo despertar é suavíssimo.”

          A seu turno, o Espírito Irmão Jacob, adverte:

“(...) se o homem não se preparou, convenientemente, para a renúncia aos hábitos antigos e comodidade dos sentidos corporais, demorar-se-á preso ao mesmo campo de luta em que a veste da carne se decompõe e desaparece.”

          Esclarecimentos fundamentais para se entender que o processo da cremação não seja uma ocorrência que se possa passar indiferente ao crivo espírita.
          Já o festejado filósofo espírita Léon Denis assim se reporta em sua obra O Problema do Ser, do destino e da dor:

“Pergunta-se muitas vezes se a cremação é preferível à inumação sob o ponto de vista da separação do Espírito. Os invisíveis, consultados, respondem que, em tese geral, a cremação provoca desprendimento mais rápido, mais brusco e mais violento, doloroso mesmo para a alma apegada à Terra por seus hábitos, gostos e paixões. É necessário certo arrebatamento psíquico, certo desapego antecipado dos laços materiais, para sofrer sem dilaceração a operação crematória.  Em nossos países do Ocidente, em que o homem psíquico está pouco desenvolvido, pouco preparado para a morte, a inumação deve ser preferida, posto que por vezes dê origem a erros deploráveis – por exemplo, o enterramento de pessoas em   estado   de letargia.   Deve   ser   preferida, porque   permite   aos indivíduos apegados à matéria que o Espírito lhes saia lenta e gradualmente   do   corpo; (...).”

          É de fácil compreensão a necessidade de se guardar certa cautela na condução. O Espírito Emmanuel, é mais objetivo quanto à cremação. Chico Xavier, respondendo ao programa Pinga Fogo, afirmou que segundo a lição de Emmanuel, a cremação não deve ocorrer antes de decorridas as 72 horas da desencarnação. Veja-se o que recomenda o Espírito Emmanuel:

“— Na cremação, faz-se mister exercer a piedade com os cadáveres, procrastinando por mais horas o ato de destruição das vísceras materiais, pois, de certo modo, existem sempre muitos ecos de sensibilidade entre o Espírito desencarnado e o corpo onde se extinguiu o “tônus vital”, nas primeiras horas sequentes ao desenlace, em vista dos fluidos orgânicos que ainda solicitam a alma para as sensações da existência material”.

          Para melhor compreensão, tem-se ainda Kardec, em Ensaio Teórico das Sensações  dos Espíritos, em O Livro dos Espíritos, quando ele toma o exemplo da comunicação de um Espírito suicida:

“Ensina-nos a experiência que, por ocasião da morte, o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do corpo; que, durante os primeiros minutos depois da desencarnação, o Espírito não encontra explicação para a situação em que se acha. Crê não estar morto, porque se sente vivo; vê a um lado o corpo, sabe que lhe pertence, mas não compreende que esteja separado dele. Essa situação dura enquanto haja qualquer ligação entre o corpo e o perispírito. Disse-nos, certa vez, um suicida: “Não, não estou morto.” E acrescentava: No entanto, sinto os vermes me roerem. Ora, indubitavelmente, os vermes não lhe roíam o perispírito e ainda menos o Espírito; roíam-lhe apenas o corpo. Como, porém, não era completa a separação do corpo e do perispírito, uma espécie de repercussão moral se produzia, transmitindo ao Espírito o que estava ocorrendo no corpo.”

          As inserções podem parecer excessivas, mas são mais que fundamentais para se fazer ordem de valores que a cremação pandêmica poderá levar para alguns Espíritos.
          Considerando-se que no crematório a temperatura atinge mil e quatrocentos graus centígrados e se tomando que a água em processo de ebulição chega aos cem graus centígrados, pode-se calcular como seriam essas “repercussões” para o desencarnado.
          Observa-se que o correto seria deixar o corpo permanecer por 72 horas em câmara frigorífica, o que evitaria qualquer possibilidade de decomposição. Na Espanha, se adotava essa prática, mas com a pandemia ela foi abandonada, ficando os corpos em suas camas até a determinação do agente funerário, o que pode durar cerca de 24 horas. Em Madrid estão utilizando uma pista de gelo como necrotério. Em situação dessa magnitude é realmente difícil, em algumas situações, se observar protocolos, para o Estado, de ditos religiosos.
          Sabe-se que no Plano Espiritual tem Espíritos abnegados que se dedicam ao socorro aos desencarnados. Importa, pois, lembrar, que a causa mortis seja parecida, a morte é diferente para cada um. André Luiz, na obra Ação e Reação, explica ante um desastre de avião com quatorze vítimas e somente seis foram socorridas: “(...) No momento serão retirados da carne, tão somente, aqueles cuja vida interior lhes outorga a imediata liberação.”
          Para os espíritas, o Espírito Emmanuel responde sobre as possíveis perturbações que venham sofrer depois da morte:
— A morte não apresenta perturbações à consciência reta e ao coração amante da verdade e do amor dos que viveram na Terra tão somente para o cultivo da prática do bem, nas suas variadas formas e dentro das mais diversas crenças.
Que o espiritista cristão não considere o seu título de aprendiz de Jesus como um simples rótulo, ponderando a exortação evangélica — “muito se pedirá de quem muito recebeu”, (†) preparando-se nos conhecimentos e nas obras do bem, dentro das experiências do mundo para a sua vida futura, quando a noite do túmulo houver descerrado aos seus olhos espirituais a visão da verdade, em marcha para as realizações da vida imortal.

Bibliografia:
DENIS, Léon. O problema do Ser, do Destino e da Dor. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos.  São Paulo: LAKE, 2000.
_____________. O céu e o inferno. São Paulo: LAKE, 2004.
XAVIER, Francisco. O consolador.  Brasília: FEB, 2009.
________________ Ação e reação. Rio de Janeiro. FEB. 1991;
ZIMMERMANN, Zalmino. Perispírito. Campinas: Allan Kardec, 2006.

Comentários

  1. Quando me inclino na avaliação dos destinos dos despojos mortais, sem considerar o momento de alarmante engarrafamento induzido pela Covid - 19, entendo que as Sensações nos Espíritos, é uma condição muito específica. É como se fosse possível classificar melhor uma "morte" por queimadura ou afogamento, quando ambas guardam igual possibilidade de manter o ser espiritual sob grave sofrimento até que se processe a total libertação. Questiono a mim mesmo se para um Espírito que se fixe nos restos mortais se é melhor o susto da elevada temperatura de um crematório ou a sensação de asfixia/escuridão/calor/solidão do sepultamento e não encontro resposta mais agradável. No fundo conta para mim qual o grau de necessidade a ser atendido em meio às duras experiências que cada situação proporciona. No fim das contas, intento ver que as opções nada agradáveis devem ser vivenciadas e vencidas em tempo mais ou menos longo e atendem ao que for mais justo em foco a lei de ação e reação que não cria situações inúteis ao aperfeiçoamento do Espírito. Roberto Caldas

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...

ÉTICA E PODER

     Por Doris Gandres Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse humanos. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.