quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

TODA UMA BIBLIOTECA








Empirismo, como sabe o prezado leitor, é o princípio segundo o qual todo conhecimento provém da experiência.
Um político norte-americano discursava para uma comunidade indígena, fazendo promessas de campanha relacionadas com os benefícios que prestaria aos índios se fosse eleito. Durante sua fala e principalmente ao final, os índios gritavam em uníssono: oia, oia! Satisfeito com tal receptividade, o político caminhava distraído pelo campo em direção ao seu automóvel, quando, inadvertidamente, pisou sobre um montículo de estrume, o cocô de boi.
O assessor indígena logo advertiu:
Cuidado com a oia!
Pois é, leitor amigo, o político literalmente aprendeu pela própria experiência que oia não era exatamente uma saudação.
Isso é empirismo.
          John Locke (1632-1704), filósofo inglês, sistematizou essa ideia, situando a nossa mente como uma tábula rasa, um estado de vazio completo, ao nascermos. Seria uma página em branco, que iríamos preenchendo durante a existência.
          Duas etapas seriam observadas: A sensação, colhida por intermédio dos sentidos, portas de contato com a realidade exterior e a reflexão, que sistematiza o resultado das sensações. Não haveria, por isso, tendências ou ideias inatas.  Seria tudo fruto da experiência e das pressões do ambiente.
Curiosamente, o próprio Locke era evidente negação de sua teoria. Homem brilhante, destacou-se como professor, médico, ensaísta, cientista, filósofo, religioso, político… Foi conselheiro de um lorde inglês, tutor de seus filhos e médico de toda a família. Antes mesmo que recebesse diploma de médico, graças a seus conhecimentos teóricos, dispôs-se a efetuar o parto de uma das filhas de seu patrão e, em seguida operou o avô da jovem, extraindo um tumor de seu peito, em delicada cirurgia.
Raro exemplar de político honesto, ajudou a redigir uma constituição para colônias inglesas, destacando um programa de tolerância política, social e religiosa. Colaborou no desenvolvimento das indústrias na Inglaterra e foi pioneiro no princípio de participação dos operários nos lucros das empresas.
Batalhou, no campo das ideias, em favor da imprensa livre, considerando-a fundamental para evitarem-se regimes ditatoriais e monarcas despóticos. Incansável na defesa da liberdade de consciência, admitia que todas as religiões têm pontos básicos em comum e que não é razoável haver hostilidade entre os religiosos.
E era um homem de fé.  O fato de Locke crer em Deus é algo inusitado, porquanto o empirismo é incompatível com a experiência religiosa. Não podemos ter um contato com o Criador a partir dos sentidos físicos.
Tão amplos eram seus conhecimentos, tão brilhante a sua erudição, tão grande a sua competência, em variados setores de atividade, que não há como conter tudo isso nos acanhados limites de uma única existência. Locke foi um Espírito milenar em trânsito pela carne, trazendo farta bagagem de vivências anteriores.
E embora adepto do empirismo na abordagem do Mundo, privilegiava, como todo Espírito superior, a sensibilidade, o sentimento elevado, no trato com os problemas humanos e o semelhante. Por isso, dizia bem humorado: O homem que vive de acordo com a razão tem o coração de uma máquina de costura.
          Nos últimos tempos, já prestes a desencarnar, Locke chamou os amigos e disse-lhes que podiam se alegrar por ele.  Finalmente iria encontrar o caminho para a verdade infalível, além de todas as dúvidas humanas.
          Como filósofo e como religioso, que admitia a existência e sobrevivência da alma humana, faltou-lhe o conhecimento fundamental – a reencarnação.
Saberia, então, que ao nascer não trouxe uma página em branco, como supunha, mas toda uma biblioteca contida em seus registros espirituais, que fizeram dele uma das mais destacadas personalidades do século XVII.

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