Pular para o conteúdo principal

ACATEMOS A DOR FÍSICA COMO EDUCADORA DA ALMA





Uma comovente batalha judicial dos pais de um bebê britânico em estado terminal acabou envolvendo até mesmo o Papa Francisco. Trata-se de Charlie Gard que sofre de síndrome de miopatia mitocondrial, uma síndrome genética raríssima e incurável que provoca a perda da força muscular e danos cerebrais. Ele nasceu em agosto de 2016 e, dois meses depois, precisou ser internado, onde permanece desde então, no Hospital Great Ormond Street, em Londres.

O serviço de saúde pública do Reino Unido (NHS) explicou que Charlie tem danos cerebrais irreversíveis, não se move, escuta ou enxerga, além de ter problemas no coração, fígado e rins. Seus pulmões apenas funcionam por aparelhos. O NHS disse que os médicos chegaram a tentar um tratamento experimental trazido dos EUA, mas Charlie não apresentou melhora. Por isso, defende o desligamento dos aparelhos que o mantêm vivo.

Mas seus pais, Chris Gard e Connie Yates – e uma comunidade de apoiadores -, lutam contra a decisão do hospital e pedem permissão para levar o bebê aos Estados Unidos para receber o tratamento experimental diretamente. No dia 27 de junho de 2017, entretanto, eles perderam a última instância do pedido na Justiça britânica, que avaliou que a busca pelo tratamento nos EUA apenas prolongaria o sofrimento do bebê sem oferecer possibilidade de cura.

A Corte Europeia de Direitos Humanos também concluiu que o tratamento “causaria danos significativos a Charlie”, seguindo a opinião dos especialistas do hospital, e orientou pelo desligamento dos aparelhos. No dia 02 de julho de 2017, após a decisão da Justiça britânica, o Papa Francisco pediu que os pais de Charlie possam “tratar de seu filho até o fim”. O Vaticano disse que o papa estava acompanhando o caso “com carinho e tristeza”.

O serviço de saúde pública do Reino Unido (NHS) não propõe a eutanásia, mas a ortotanásia [1]. Os pais de Charlie lutam pela distanásia, ou seja, desejam o prolongamento artificial do processo de tratamento, o que para os juízes e médicos tem trazido sofrimento para Charlie, e nessa situação a medicina não prevê possibilidades de melhoria ou de cura.

No Brasil, médicos revelam que eutanásia é prática habitual em UTI’s, e que apressar, sem dor ou sofrimento, a morte de um doente incurável é ato frequente e muitas vezes pouco discutido nas UTIs dos hospitais brasileiros. [2] Nos Conselhos Regionais de Medicina, a tendência é de aceitação da eutanásia, exceto em casos esparsos de desentendimentos entre familiares, sobre a hora de cessar os tratamentos.

Médicos e especialistas em bioética defendem a ortotanásia, como no caso de Charlie Gard, que é o ato de retirar equipamentos ou medicações, de que se servem para prolongar a vida – Charlie hoje se encontra em estado terminal. Ao retirar esses suportes de vida (equipamentos ou medicações), mantendo apenas a analgesia e tranquilizantes, espera-se que a natureza se encarregue de agenciar a fatalidade biológica (morte).

Charlie está sofrendo com intensidade? Sim, está! Mas toda dor tem a sua serventia. Sob o ponto de vista espírita, aprendemos que a agonia física prolongada pode ter finalidade preciosa para a alma, e a moléstia incurável pode ser, em verdade, um bem. Nem sempre conhecemos as reflexões que o Espírito pode fazer nas convulsões da dor biológica e os tormentos que lhe podem ser poupados graças a um relâmpago de arrependimento.

Entendamos e acatemos a dor física, como instrutora das almas e, sem vacilações ou indagações descabidas, amparemos quantos lhes experimentam a presença constrangedora e educativa, lembrando sempre que a nós compete, tão-somente, o dever de servir, porquanto a Justiça, em última instância, pertence a Deus, que distribui conosco o alívio e a aflição, a enfermidade, a vida e a morte no momento oportuno.

O verdadeiro cristão porta-se, sempre, em favor da manutenção da vida e com respeito aos desígnios de Deus, buscando não só minorar os sofrimentos do próximo – sem eutanásias passivas, claro! – mas também confiar na justiça e na bondade divina, até porque nos Estatutos de Deus não há espaço para dores injustas.

Notas:
[1]Etimologicamente, a palavra “ortotanásia” significa “morte correta”, onde orto = certo e thanatos = morte. A ortotanásia, ou “eutanásia passiva” pode ser definida como o não prolongamento artificial do processo natural de morte, onde o médico, sem provocar diretamente a morte do indivíduo, suspende os tratamentos extraordinários que apenas trariam mais desconforto e sofrimento ao doente, sem melhorias práticas.

[2]Associação de Medicina Intensiva Brasileira nega que a eutanásia seja frequente nas UTIs no Br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.