Pular para o conteúdo principal

CRÔNICAS DO COTIDIANO: LUZ E SOMBRA



  
Um estuprador pode ser um homem bom?

Pois foi o que disse um juiz americano do estado norte-americano de Utah, ao condenar o antigo bispo da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, réu pelo crime de estupro e 10 delitos de abuso sexual, contendo as lágrimas, sentenciou: “A corte não tem nenhuma dúvida de que o senhor Vallejo é um homem extraordinariamente bom.” “Mas às vezes os homens bons fazem coisas ruins”.(leia mais) O mais surpreendente é que uma das vítimas estava presente no julgamento. O bispo foi condenado a 15 anos de prisão pelos delitos de abuso sexual, e a cinco anos pelo estupro. Atente-se que não é a primeira vez que o juiz foi generoso com o réu, quando do oferecimento da denúncia ele deixou o acusado em liberdade e não exigiu o pagamento de fiança.

É óbvio que foi impactante para a vítima de estupro presente, bem como todos presentes. Não muito diferente para aqueles que tiveram acesso à notícia. E aqui, não se vai analisar as consequências dos atos praticados pelo senhor Vallejo, mas especificamente a atitude do magistrado ao proferir a sentença.
O comportamento do magistrado é perfeitamente compreensível, embora reprovável no contexto em que se insere, quando se parte da advertência crística, exarada no evangelho de no episódio da mulher adúltera, quando ele responde acerca do apedrejamento: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”. (João, 8:1-11). Jesus se dirigiu às várias personalidades; uma diversidade de virtudes e defeitos.
O Espiritismo também vem em socorro ao magistrado. O Espírito Clélia Duplantier, em mensagem inserta em Obras Póstumas, atesta três caracteres em todo homem:

“ o do indivíduo do ser em si mesmo; o de membro da família e, finalmente, o de cidadão. Sob cada uma dessas três faces pode ser ele criminoso e virtuoso, isto é, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo em que criminoso como cidadão e reciprocamente. Daí as situações especiais que pra si cria nas suas sucessivas existências.”

O próprio Allan Kardec no comentário a respeito da mensagem entende-a como novidade e de grande importância, por promover o entendimento da distinção entre as faltas individuais ou coletivas, das da vida privada e da vida pública, esclarecendo a solidariedade existente entre os seres e entre as gerações. Dessa forma, compreende-se que as virtudes da vida familiar são diferentes das da vida pública. Paradoxo que somente o Espiritismo através do dogma da reencarnação explica, assinalando o caráter distintivo dos povos e das raças.
Tutelando os indivíduos o Espiritismo vai renovando a massa através dos melhoramentos individuais, muito embora esses conservem o matiz primário até que o progresso moral os haja completamente transformado.
O magistrado utilizou-se das ferramentas de gestão denominadas Área de Incoerência e Área de Realização, que são muito bem representadas pela metáfora do lenço branco e o ponto negro no seu centro. Quando submetido à análise dos alunos pelo professor, todos foram unânimes em apontar o ponto negro, em detrimento da maior área branca do lençol. A Área de Incoerência é o ponto negro e a Área de Realização é o restante do lençol branco. A Área de Realização dos indivíduos é bem maior que a de Incoerência. A ferramenta não é diferente da assertiva de Jesus no Evangelho de Mateus, 7:5: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão.”
Carl G. Jung (1875-1961), psiquiatra e psicoterapeuta suíço a esse respeito afirmou: “até onde conseguimos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão da mera existência.”
É bem provável que o magistrado conhecesse bem o Sr. Vallejo, no contexto da sua vida familiar para adotar uma postura da espécie.
Ainda se permite analisar a questão das escolhas das provas do Espírito a encarnar, como está descrito no capítulo V, Livro II, de O Livro dos Espíritos. Pela premissa do livre-arbítrio que o Espírito goza, ele escolhe o gênero de provas que deseja sofrer. Fica sempre evidente que ao encarnar essa liberdade de escolhas lhe autentica toda a responsabilidade dos seus atos e das consequências, considerando que nada lhe estorva o futuro; o caminho do bem está à sua frente, assim como do mal. No contexto das suas escolhas, o Espírito pode escolher prova que esteja acima de suas forças, e então sucumbe. São exemplos como o do Sr. Vallejo, didaticamente explicados pelo Espírito Clélia Duplantier.
Tudo se resume, contudo, naquilo que o Apóstolo Paulo fala em sua Epístola aos Romanos, 7:19: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.”
Jesus é enfático no tocante a luz e a sombra da personalidade humana. Em Mateus, 5:14-16 ele adverte: “Vos sois a luz do mundo. (...)Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.” Ao ensinar a oração-modelo – Pai Nosso – ele relaciona o combate a sombra é desejo do Pai, ao conclui-la da seguinte forma: “Não nos deixei cair em tentação, mas livra-nos do mal.”

Referências
A BÍBLIA Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

JUNG, Carl G. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro – Nova Fronteira. 1962.

KARDEC, Allan. Obras póstumas. São Paulo: FEB, 2003.

__________. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2004.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

“BANDIDO MORTO” É CRIME A MAIS

  Imagens da internet    Por Jorge Luiz   A sombra que há em mim          O Espírito Joanna de Ângelis, estudando o Espírito encarnado à luz da psicologia junguiana, considera que a sociedade moderna atinge sua culminância na desídia do homem consigo mesmo, que se enfraquece tanto pelos excessos quanto pelos desejos absurdos. Ao se curvar à sombra da insensatez, o indivíduo negligencia a ética, que é o alicerce da paz. O resultado é a anarquia destrutiva, uma tirania do desconcerto que visa apagar as memórias morais do passado. Os líderes desse movimento são vultos imaturos e alucinados, movidos por oportunismo e avidez.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

OS FANATISMOS QUE NOS RODEIAM E NOS PERSEGUEM E COMO RESISTIR A ELES: FANATISMO, LINGUAGEM E IMAGINAÇÃO.

  Por Marcelo Henrique Uma mensagem importante para os dias atuais, em que se busca impor uma/algumas ideia(s), filosofia(s) ou crença(s), como se todos devessem entender a realidade e o mundo de uma única maneira. O fanatismo. Inclusive é ainda mais perigoso e com efeitos devastadores quando a imposição de crenças alcança os cenários social e político. Corre-se sérios riscos. De ditaduras: religiosas, políticas, conviviais-sociais. *** Foge no tempo e na memória a primeira vez que ouvi a expressão “todos aprendemos uns com os outros”. Pode ter sido em alguma conversa familiar, naquelas lições que mães ou pais nos legam em conversas “descompromissadas”, entre garfadas ou ações corriqueiras no lar. Ou, então, entre algumas aulas enfadonhas, com a “decoreba” de fórmulas ou conceitos, em que um Mestre se destacava como ouro em meio a bijuterias.

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

ESPÍRITISMO E CRISTIANISMO (*)

    Por Américo Nunes Domingos Filho De vez em quando, surgem algumas publicações sem entendimento com a codificação espírita, clamando que a Doutrina Espírita nada tem a ver com o Cristianismo. Quando esse pensamento emerge de grupos religiosos dogmáticos e intolerantes, até entendemos; contudo, chama mais a atenção quando a fonte original se intitula espiritista. Interessante afirmar, principalmente, para os versados nos textos de “O Novo Testamento” que o Cristo não faz acepção de pessoas, não lhe importando o movimento religioso que o segue, mas, sim, o fato de que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome ele estará no meio deles (Mateus XVIII:20). Portanto, o que caracteriza ser cristão é o lance de alguém estar junto de outrem, todos sintonizados com Jesus e, principalmente, praticando seus ensinamentos. A caridade legítima foi exemplificada pelo Cristo, fazendo do amor ao semelhante um impositivo maior para que a centelha divina em nós, o chamado “Reino de...