Pular para o conteúdo principal

"CANÇÃO DO ESPÍRITO".



(...) "Teus amigos conhecem a "tua canção"
e a cantam quando a esqueces.
Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que cometes ou as escuras imagens que mostras aos demais.
Eles recordam tua beleza quando te sentes feio;
tua totalidade quando estás quebrado;
tua inocência quando te sentes culpado
e teu propósito quando estás confuso.”
                                       (“Canção da Criança”, Tolba Phanem)






            É tradição de certa tribo da África de que quando uma mulher engravida, as outras mulheres se juntam a ela, rezam e meditam até que surja a “Canção da Criança”, que é cantada quando do seu nascimento, no início da sua educação, no momento do seu casamento e quando próximo da sua desencarnação, para acompanhá-lo na “viagem”.
            A canção será cantada sempre que a pessoa cometa desatinos na vida, pois a tribo reconhece que os corretivos sociais não são castigo, mas sim a lembrança da sua identidade; da sua essência. Quando é reconhecida a própria canção, já não há o desejo nem a necessidade de prejudicar ninguém.
            Hermann Hesse, escritor alemão (1877-1962) em sua obra O Jogo das Contas de Vidro, adverte que o que marca o estado de decadência do mundo são as fases musicais em que a estridência supera a harmonia. Sem sombra de dúvidas essa é uma dessas fases.
            A música não se fecha em idiomas, fronteiras e nações. A poesia, o intérprete, pouco importa à sonoridade. O tom musical é a sinfonia da criação. Todos somos um, assim como cada nota contém todas outras e a principal. Eis a harmonia! Eu e o Pai somos um, afirmou Jesus de Nazaré.

            Segundo a tradição hindu – “Nada Brahma” (em sânscrito: nada = som; Brahma = o Todo, a Unidade, o Universo) – “o mundo é som”. Os ciclos da criação e destruição, a atividade e inatividade, o ritmo da natureza, morte e vida.
            Ao ser analisado o cenário musical mundial e, especificamente, o brasileiro, ver-se-á que a música está aviltada, com algumas exceções, em todos os seus fundamentos (harmonia, melodia, ritmo, altura, intensidade, timbre, Beleza). Rap, funk, pagode, sertanejo. Nem mesmo segmentos da música gospel escapou desse cenário. As crianças dialogam com letras chulas, ritmos e coreografias cheias de erotismo. Volta-se ao período do “hominídeo do Paleolítico inferior” ¹, segunda classe, em uma ordem de sete, no esquema musical criado pelo historiador e musicólogo francês Roland de Candé (1923-2013), que vai ao encontro da propositura de Hesse.
            Na atualidade, diante da velocidade da vida, os apelos da comunicação de massa são visuais, através de um tsunami de imagens, outdoors, TVs e painéis eletrônicos. Os sons característicos do cotidiano, são os ouvidos através de equipamentos conhecidos como "paredões" e DJ.
          Sentimentos de espiritualidade, entretanto, buscam resgatar a música em sua dimensão divina, através da música clássica, new age, xamântica, relaxamento e meditação, canto gregoriano, musicoterapia, world music. Por falar em world music, é obrigatório citar o projeto do engenheiro de som estadudinense Mark Johnson, com a ideia central de utilizar a música como instrumento, para conectar as pessoas e construir a paz. Veja o que ele afirma na introdução do site do projeto:(saiba mais)

“A ideia do projeto surgiu da crença de que a música tem o poder de atravessar fronteiras e superar a distância entre as pessoas. Sejam as diferenças geográficas, políticas, econômicas, espirituais ou ideológicas, a música tem o poder universal de transcender e unir a todos como um só povo.”

            Allan Kardec não poderia deixar passar em branco essa questão, e no diálogo com os Benfeitores Espirituais ele indaga, na questão nº 251 de O Livro dos Espíritos:

São sensíveis à música os Espíritos?

“Aludes à música terrena? Que é ela comparada à música celeste? A esta harmonia de que nada na Terra vos pode dar ideia? Uma está para a outra como o canto do selvagem para uma doce melodia. Não obstante, Espíritos vulgares podem experimentar certo prazer em ouvir a vossa música, por lhes não ser dado ainda compreenderem outra mais sublime. A música possui infinitos encantos para os Espíritos, por terem eles muito desenvolvidas as qualidades sensitivas. Refiro-me à música celeste, que é tudo o que de mais belo e delicado pode a imaginação espiritual conceber.”
            
            Já o Espírito Mozart, mestre da música, assim se expressa em mensagem inserida na Revista Espírita, de maio de 1858:

“Não; nenhuma música pode vos dar a ideia da música que temos ali; é divina! Ó felicidade! Merece gozar de semelhantes harmonias: luta; coragem! Não temos instrumentos; são as plantas, os pássaros que são os coristas; o pensamento compõe e os ouvintes desfrutam sem audição material, sem o recurso da palavra, e isso a uma distância incomensurável. Nos mundos superiores isso é ainda mais sublime”.

            Mas quem melhor define a concepção espírita sobre a música é o Espírito Rossini, em comunicação à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, contida no capítulo “Música Espírita”, inserta em Obras Póstumas e que merece ser lida. Ele faz uma distinção fantástica entre música e harmonia. A música terrena é um rascunho da harmonia celeste. Assim, o Espírito se expressa:

“A alma é apta a perceber a harmonia, excluído todo o concurso de instrumentação, como é apta a ver a luz sem o concurso de combinações materiais. A luz é um sentido íntimo que a alma possui: quanto mais desenvolvido, tanto melhor percebe ela a luz. A harmonia é igualmente um sentido íntimo da alma, que o percebe em relação com o desenvolvimento desse sentido. Fora do mundo material, isto é, fora das causas tangíveis, a luz e a harmonia são de essência divina. (...) Se comparo a luz e a harmonia, é para me fazer mais bem compreendido e também porque esses dois sublimes gozos da alma são filhos de Deus e, portanto, irmãos.”

            Ele continua:

“A harmonia, a ciência e a virtude são as três grandes concepções do Espírito: a primeira o arrebata, a segunda o esclarece, a terceira o eleva.”

Quanto ao futuro da música na Terra, ele assim se manifesta:

“O Espiritismo, com o moralizar os homens, exercerá, pois, grande influência sobre a música. Produzirá mais compositores virtuosos, que transfundirão suas virtudes ao fazerem ouvidas suas composições. Rir-se-á menos; chorar-se-á mais; a hilaridade cederá lugar à emoção, a fealdade à beleza e o cômico à grandiosidade.”

            O Espiritismo é, portanto, “Canção do Espírito” que conduzirá o homem para o grande concerto Universal da Vida.




¹ Gritos e imitação de sons da natureza.

REFERÊNCIAS

HESSE, Hermann. O jogo das contas de vidro. Record, 2007.

KARDEC, Allan. Obras póstumas. São Paulo: FEB, 2003.

___________. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2004.

____________. Revista espírita. São Paulo: Edicel, maio de 1858.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

PROGRESSO - LEI FATAL DO UNIVERSO

    Por Doris Gandres Atualmente, caminhamos todos como que receosos, vacilantes, temendo que o próximo passo nos precipite, como indivíduos e como nação, num precipício escuro e profundo, de onde teremos imensa dificuldade de sair, como tantas vezes já aconteceu no decorrer da história da humanidade... A cada conversação, ou se percebe o medo ou a revolta. E ambos são fortes condutores à rebeldia, a reações impulsivas e intempestivas, em muitas ocasiões e em muitos aspectos, em geral, desastrosas...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

ESPÍRITAS: PENSAR? PRA QUÊ?

           Por Marcelo Henrique O que o movimento espírita precisa, urgentemente, constatar e vivenciar é a diversidade de pensamento, a pluralidade de opiniões e a alteridade na convivência entre os que pensam – ainda que em pequenos pontos – diferentemente. Não há uma única “forma” de pensar espírita, tampouco uma única maneira de “ver e entender” o Espiritismo. *** Você pensa? A pergunta pode soar curiosa e provocar certa repulsa, de início. Afinal, nosso cérebro trabalha o tempo todo, envolto das pequenas às grandes realizações do dia a dia. Mesmo nas questões mais rotineiras, como cuidar da higiene pessoal, alimentar-se, percorrer o caminho da casa para o trabalho e vice-versa, dizemos que nossa inteligência se manifesta, pois a máquina cerebral está em constante atividade. E, ao que parece, quando surgem situações imprevistas ou adversas, é justamente neste momento em que os nossos neurônios são fortemente provocados e a nossa bagagem espiri...

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

A PROPÓSITO DO PERISPÍRITO

1. A alma só tem um corpo, e sem órgãos Há, no corpo físico, diversas formas de compactação da matéria: líquida, gasosa, gelatinosa, sólida. Mas disso se conclui que haja corpo ósseo, corpo sanguíneo? Existem partes de um todo; este, sim, o corpo. Por idêntica razão, Kardec se reportou tão só ao “perispírito, substância semimaterial que serve de primeiro envoltório ao espírito”, [1] o qual, porque “possui certas propriedades da matéria, se une molécula por molécula com o corpo”, [2] a ponto de ser o próprio espírito, no curso de sua evolução, que “modela”, “aperfeiçoa”, “desenvolve”, “completa” e “talha” o corpo humano.[3] O conceito kardeciano da semimaterialidade traz em si, pois, o vislumbre da coexistência de formas distintas de compactação fluídica no corpo espiritual. A porção mais densa do perispírito viabiliza sua união intramolecular com a matéria e sofre mais de perto a compressão imposta pela carne. A porção menos grosseira conserva mais flexibilidade e, d...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

REENCARNAÇÃO E O MUNDO DE REGENERAÇÃO

“Não te maravilhes de eu te dizer: É-vos necessário nascer de novo.” (Jesus, Jo:3:7) Por Jorge Luiz (*)             As evidências científicas alcançadas nas últimas décadas, no que diz respeito à reencarnação, já são suficientes para atestá-la como lei natural. O dogmatismo de cientistas materialistas vem sendo o grande óbice para a validação desse paradigma.             Indubitavelmente, o mundo de regeneração, como didaticamente classificou Allan Kardec o estágio para as transformações esperadas na Terra, exigirá novas crenças e valores para a Humanidade, radicalmente diferenciada das existentes e que somente a reencarnação poderá ofertar, em face da explosiva diversidade e complexidade da sociedade do mundo inteiro.             O professor, filósofo, jornalista, escritor espírita, J. Herc...