Pular para o conteúdo principal

SER PAI NO SÉCULO XXI





 "As crianças aprendem com os pais a serem
futuros pais e mães."

 Por Dora Incontri(*)


Cristóvão Colombo, o navegador, com suas grandezas e suas pequenezas, é considerado pelos seus biógrafos como um bom pai. Quando escrevia a seus filhos Diego e Hernando, costumava assinar assim: “Tu padre que te ama más que a si!” Acho bem interessante essa maneira de caracterizar a paternidade (e, sem dúvida, também a maternidade), porque ser pai e ser mãe significa exatamente ter a maior oportunidade de remover o egoísmo. Naturalmente, quem assume os filhos, e cumpre sua missão, sai de si mesmo, de sua zona de conforto e tem que doar-se inteiro, em cansaço, lutas, ideais, afeto, preocupações… mas, por outro lado, que colheita farta de amor, alegria, conforto na alma, de ver filhos crescendo, se fazendo, se tornando pessoas grandes e de bem!

A civilização contemporânea, com seu individualismo assumido, pregado aos quatro ventos, se põe contrária a essa tarefa (tanto paterna quanto materna), porque exige-se que pais e mães atuais primeiro têm de pensar na empresa, no emprego, vestir a camisa, não ter horário, não desobedecer ordens de viagens, horas-extras, transferências… não importa a vida familiar para o empregador anônimo capitalista. Em minhas viagens Brasil afora, eu como solteira (e saudosa dos sobrinhos), vejo nos aviões muitos pais e mães tristonhos, saudosos do lar, vejo outros enregelados, que assumiram esse discurso como bom e necessário e já deixaram para lá, e encontro muitos também que  não pensam em ter filhos, porque acham não poderem coadunar família e trabalho.


É preciso, portanto, hoje, para haver pais e mães presentes (e não adianta falar que o que importa é a qualidade da convivência e não a quantidade, porque ninguém pode educar de fim de semana), nadar contra a maré, fazer resistência ao sistema, arranjar trabalhos alternativos, ou dividir os horários de trabalho entre pai e mãe, ou ainda, por um tempo, a mãe ficar em casa mesmo… enfim, é preciso encontrar atalhos e não se deixar engolir pelo sistema, para não acontecer depois que se descubra que os filhos cresceram, a infância com seus beijos e encantos se perdeu, e não há mais diálogo… ou pior, quando se descobre que a droga ou as más companhias já tomaram o lugar do afeto familiar.

Não é só o mercado de trabalho que disputa o espaço de convivência que os filhos precisam ter com os pais. Também o mercado sexual. A fidelidade, a relação harmoniosa e amorosa entre pai e mãe é o maior presente, a maior segurança, a maior fonte de estabilidade emocional, que se pode oferecer a uma criança. E é aí que o bicho pega. Novidades mil, estímulos de roldão, apelos desencontrados, homens e mulheres se atirando sobre mulheres e homens casados, o discurso predominante do prazer acima de tudo, mesmo acima do amor e da responsabilidade – esse é o cenário a que também se tem que resistir, pensando nos sorrisos maravilhosos que serão colhidos ao chegar em casa… A fidelidade não é algo que se entrega só ao cônjuge, é algo que se faz por toda a família, pelos filhos também. As crianças merecem que os pais ajam, correspondendo à confiança que neles depositam. Não mentir, não fingir, não enganar, não ter vida dupla, não sonegar presença integral – é fundamental para que haja um firme laço de afeto entre pais e filhos, sobre o qual se constrói a educação.

Mas não falemos apenas dos problemas, falemos das conquistas das últimas décadas, em relação ao exercício da paternidade. Hoje não é mais vergonha o pai se encantar com os filhos, chorar por eles, cuidar, trocar fraldas… isso tudo não é considerado mais apenas coisa de mulher. Há muitos pais participativos, sensíveis, presentes, que aproveitam intensamente a maravilha de serem pais. Já se sabe e se proclama que os pais não devem ser apenas provedores, mas precisam ser gente, amigos, companheiros… Hoje, em famílias esclarecidas, não se recorre mais ao pai para castigar e atuar como a autoridade autoritária, que violenta e se mantém distante afetivamente dos filhos. Infelizmente, não são todos os pais que cumprem sua paternidade, há ainda muitos que a abandonam. Mas, os que cumprem têm mais consciência de como cumpri-la, tem mais espaço para serem afetivos e podem ser pais mais plenamente.

Entre avanços e desafios, entre obstáculos e conquistas, estamos pois nesse processo complicado, mas rico, que é a evolução humana, que passa pela evolução social, cultural e individual.

Esperemos construir um milênio em que a família seja revalorizada – e pessoalmente considero que essa revalorização inclui o quesito da longevidade e não da descartabilidade – e onde se possam semear os frutos de uma educação mais equilibrada, mais empenhada e sempre mais amorosa, porque só o amor educa de fato.


(*) Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962. Jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo.

Comentários

  1. Aaadorei Dora!!! Parabéns ao Blog e à renomada escritora Dora Incontri!

    ResponderExcluir
  2. Ser pai é um verdadeiro desafio, precisa existir muito amor nessa relação. Parabéns pela escolha do tema. Saúde e paz!!!!

    ResponderExcluir
  3. meu Deus, como é parecida essa menssagem com tudo que já passei...nossa estou surpresa com tudo...

    ResponderExcluir
  4. Estou .surpresa com esta matéria..é igual ...sem difereça nenhuma...

    ResponderExcluir
  5. tudo que diz respeito a familia pra nós é muito necessário,esse é nosso maior desafio

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”

O MEDO SOB A ÓTICA ESPÍRITA

  Imagens da internet Por Marcelo Henrique Por que o Espiritismo destrói o medo em nós? Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados… De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama… De empobrecer; de não ser amado… De dentista; de sentir dor… Da violência; de ser vítima de crimes… Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego…

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ANÁLISE DA FIGUEIRA ESTÉRIL E O ESTUDO DA RELIGIÃO

                 Por Jorge Luiz            O Estudo da Religião e a Contribuição de Rudolf Otto O interesse pela história das religiões   remonta a um passado muito distante e a ciência das religiões, como disciplina autônoma, só teve início no século XIX. Dentre os trabalhos mais robustos sobre a temática, notabiliza-se o de Émile Durkheim, As Formas Elementares da Via Religiosa.             Outro trabalhos que causou repercussão mundial foi o de Rudolf Otto, eminente teólogo luterano alemão, filósofo e erudito em religiões comparadas. Otto optou por ser original e abdicou de estudar as ideias sobre Deus e religião e aplicou suas análises das modalidades da experiência religiosa. Ao fazer isso, Otto conseguiu esclarecer o conteúdo e o caráter específico dessa experiência e negligenciou o lado racional e especulativo da religião, sempre...

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...