Por Jorge Luiz
A Criança e a Objetividade
Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.
No processo pedagógico apresentado, percebe-se a construção da subjetivação do Espírito encarnado. Os Espíritos assinalam que os pais têm por missão desenvolver os seus filhos pela educação (Kardec, 2000; Q. 208). Não se trata da educação intelectual, nem da educação moral pelos livros, mas daquela que consiste na arte de formar caracteres, a que cria hábitos, pois a educação é um conjunto de hábitos adquiridos. Essa questão, associada à assertiva de Jesus – Mt. 18:3; Mc. 9:37; Lc. 18:48 –, de que para se tornar maior no reino de Deus, dever-se-ia se tornar uma criança.
Ideologia e Subjetivação – O Fetiche da Mercadoria e a Alienação
Desviando o olhar do conceito filosófico da subjetivação, consideremos esse processo como as sociedades modernas o pontuam, a partir do qual se pretende alcançar um determinado objetivo ou atender a um projeto, obviamente, o projeto das classes dominantes. Karl Marx consolidou o entendimento da ideologia – despreze-se a historicidade desse entendimento –, configurado em sua célebre frase: “As ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante.” A ideologia capitalista traz em seu bojo o fetichismo da mercadoria, muito presente no diálogo entre o pai e a criança. A criança, presa à objetividade infantil, guiada por seus valores de vidas anteriores, prende-se à necessidade atendida pelo carro antigo – o deslocamento: ir e vir. O pai, já sujeito à subjetivação dessa ideologia, exalta aquilo que Marx define como fetiche da mercadoria no processo de subjetivação: o luxo, valores abstratos que vão além da objetividade da criança. Vê-se, pois, que o processo de subjetivação não produz apenas subjetividades; leva também a um quadro de submissão não de todo consciente (Casara, 2024), o que Karl Marx aponta como processo de alienação.
Jorge Grespan, professor de Teoria da História na FFLCH-USP, estudando Marx, cita que seus conceitos, advindos de Hegel, designavam a alienação a partir do momento em que o “espírito” se faz outro, distinto de si mesmo, “alheio à sua forma inicial, criando uma realidade objetiva na qual se reconhecerá” (Grespan, 2021).
A subjetivação dos sujeitos, na realidade, é uma trama de vários atores que se somam às classes dominantes, como o próprio Estado, a Religião, a Família – esta última bem ilustrada no exemplo citado – a Educação etc. Tudo isso viola a objetividade trazida pelo indivíduo no inconsciente, produto de suas experiências transatas, como apontado acima. Essas tensões, naturalmente, oferecem a possibilidade de produzir um novo sujeito, adequado às necessidades desses aparelhos ideológicos. Exemplo clássico – poderia ser também de idiossubjetivação (idiotização) – é a aversão que se coletivizou sobre o socialismo e o comunismo, muito bem ilustrado pela frase “Vai pra Cuba!”, dita aos quatro cantos do Brasil.
O que é fato nessa dinâmica é que as ideias de “justiça”, de “igualdade”, de “democracia” e de “felicidade”, por exemplo – que seriam fundadas na razão objetiva, veja-se a criança –, cedem diante da busca por lucro ou vantagens pessoais. No ambiente capitalista, radicalizado na fase neoliberal, a contradição – “sem contradições, não há ideologia capitalista” – “que consiste na estupidez da inteligência é uma contradição necessária, pois a razão burguesa tem de pretender a universalidade e, ao mesmo tempo, desenvolver-se no sentido de restringi-la. Uma pessoa deve ser inteligente na medida em que sirva aos interesses dos detentores do poder econômico, mas os mesmos interesses levarão essa pessoa a portar-se como estúpida sempre que necessário ao processo de acumulação do capital” (Casara, 2024).
A Idiossubjetivação – A Estupidez da Inteligência: O Ataque ao Iluminismo
O Iluminismo, um movimento intelectual e filosófico do século XVIII, defendia a razão, o progresso, a liberdade individual, a igualdade e a fraternidade. Ele buscava a emancipação do indivíduo por meio do conhecimento e da crítica, desafiando dogmas e autoridades tradicionais. Fascismo e Nazismo são frequentemente descritos como movimentos anti-iluministas por diversas razões, que residem em suas bases filosóficas, suas práticas políticas e sua total rejeição aos valores fundamentais que o Iluminismo defendeu.
Rubens Casara, citando Umberto Eco, lembra que, para os iluministas, as pessoas têm cinco necessidades: alimentação, sono, afeto, o jogar e o “por quê”. Somente a última é tipicamente humana e requer o exercício da linguagem. Ora, o processo de idiossubjetivação leva os indivíduos à renúncia do que é “tipicamente humano”: a capacidade de reflexão e de crítica (a descoberta do “por quê?”), bem como a capacidade de usar a informação – a resposta ao “por quê?” – em uma direção emancipatória e transformadora (Casara, 2024). Vê-se que uma consequência disso é a rejeição da crítica e da razão – raciocinando e questionando –, propostas do Iluminismo. Como contracultura do Iluminismo, do Fascismo e do Nazismo promoviam o irracionalismo, o instinto, a emoção e a ação pela ação. Um exemplo típico de idiossubjetivação (estupidez da inteligência), que sequestra a subjetividade dos indivíduos, é a meritocracia como ideologia, como bem ensina Marilena Chauí, e faz com que “os homens creiam que são desiguais por natureza e por talentos, ou que são desiguais por desejo próprio, isto é, os que honestamente trabalham enriquecem e os preguiçosos, empobrecem” (Chauí, 2025). Outro exemplo – clássico exemplo – é a “ideologia de gênero” e seu combo de mentiras, tão difundido perniciosamente nas eleições de 2018, acolhida inclusive por agremiações ditas cristãs.
Na desconstrução da herança iluminista, o que se persegue é uma nova teologia política e uma inovadora prática cotidiana nas quais a ação substitua a reflexão; o pensamento rápido e intuitivo ganhe ainda mais espaço nos processos de decisão; os comandos passem a ser obedecidos sem questionamento (“comportamento de manada”); a soberania desloque-se da razão laica para a fé do povo (crer se torna mais importante do que compreender e concordar); e o mito, o elemento discursivo utilizado para substituir aquilo que não pode ser dito, passe a identificar-se com a história (idem). Aqui é possível identificar o obscurantismo, o fanatismo religioso e o autoritarismo, presente no Brasil com o surgimento do “movimento bolsonarista” que se viabilizou como governo em 2018.
O Espírito e o Espiritismo – Um Novo Paradigma
“No decorrer de poucos séculos, seres humanos inteligentes, de todas as posições sociais, puderam fazer algo que teria estarrecido as gerações anteriores: negar a própria existência do espírito” (Wilber, 1997). Ao negar a existência do Espírito, as ideias liberais opõem-se frontalmente às ideias espíritas, fundamento basilar da Ciência e da Filosofia Espírita. Pois bem, Allan Kardec assinala, ao afirmar que a liberdade de consciência é consequência da liberdade de pensar, que é um atributo do homem (Kardec, 2013). Em outro momento, os Espíritos colaboradores afirmam que é a consciência de si mesmo que constitui o atributo do Espírito (Kardec, 2000; Q. 600). Prosseguindo, eles ensinam, ainda, que a inteligência é um atributo essencial do Espírito, mas ambos se confundem num princípio comum – Espírito e inteligência –, de sorte que, para vós, são a mesma coisa (Kardec, 2000; Q. 24).
É compreensível, portanto, que os liberais não é que neguem, mas não considerem a realidade do Espírito. As evidências científicas alcançadas nas últimas décadas acerca da reencarnação já são suficientes para atestá-la como lei natural. Isso, por si só, é o suficiente para exigir a revisão de todos os valores e crenças nas sociedades. Consciente que ele é o artífice da sua felicidade ou desdita seria impossível torná-lo servil. Não sendo ovelha, abdicaria do espírito de rebanho. Consciente que o seu destino é se tornar luz do Universo, como Jesus advertiu, avançaria tendo como força motriz o amor. Ora, consciente das suas possibilidades evolutivas, o processo de subjetivação dos indivíduos teria como fundamentos basilares sua natureza, origem e destinação após a morte, tendo a certeza dos renascimentos, presente a utilização do seu livre-arbítrio para a construção da sua felicidade ou desdita.
O Espiritismo apresenta ao mundo um novo conceito de criança: um ser pré-existente, fadado à perfeição através das vidas sucessivas. Assim, a criança chega ao mundo com um patrimônio espiritual construído de suas experiências anteriores, que se encontra em estado latente em seu inconsciente, e cujas tendências – boas ou más – se revelam em seus temperamentos e deverão ser observadas pelos pais, que devem ajustá-las às condições atuais (Pires, 1985).
Profícuo é o diálogo da criança com o pai – educandos e educadores (vice-versa) –, pois está presente, repete-se, o embate entre a objetividade infantil da criança e a subjetividade neoliberal do pai. Interessante notar que, para os conceitos espíritas de educação, o período da infância é o estado de abertura do Espírito, para que este possa absorver novas experiências e conhecimentos. A infância é necessária ao Espírito que, encarnando-se com o fim de se aperfeiçoar, é mais acessível, durante esse tempo, às impressões que recebe e que podem ajudar seu adiantamento, para o qual devem contribuir os que estão encarregados de sua educação (Kardec, 2000; Q. 383). Pais e educadores, ao fazerem viger os conceitos espíritas para a regeneração da Humanidade, deverão considerar essa questão, pois aí está um novo capítulo da Psicologia Infantil e da Pedagogia.
Espíritas, pais e educadores espíritas devem ter em consideração esses conceitos.
Referências:
CASARA, Rubens. A construção do idiota. Rio de Janeiro: Da Vinci, 2024.
CHAUÍ, Marilena. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2025.
GRESPAN, Jorge. Marx: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2021.
INCONTRI, Dora. Pedagogia espírita. São Paulo: Comenius, 2004.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.
_____________. O que é o espiritismo. São Paulo: Lake, 2013.
PIRES, J. Herculano. Pedagogia espírita. São Paulo: J. Herculano Pires, 1994.
WILBER, Ken. O olho do espírito. São Paulo: Cultrix, 1997.

COMENTÁRIO ELABORADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL - IA
ResponderExcluirO artigo é uma análise filosófica e sociológica que contrapõe a objetividade natural da criança à subjetivação ideológica imposta pelo capitalismo neoliberal, propondo o Espiritismo como um caminho para a emancipação.
1. 🆚 O Embate Inicial: Carro Antigo (Objetividade) vs. Carro Novo (Ideologia)
A Criança: Representa a objetividade e a necessidade (função de deslocamento), guiada por valores de vidas anteriores (Espiritismo).
O Pai: Representa a subjetivação e o fetichismo da mercadoria (Marx), exaltando o luxo e os valores abstratos (ideologia capitalista).
2. 🤯 O Sequestro da Razão (Idiossubjetivação)
Ideologia Capitalista: Visa produzir sujeitos alienados e submissos aos interesses da classe dominante.
Idiossubjetivação: É a "estupidez da inteligência" (Casara), onde o indivíduo perde a capacidade de reflexão e crítica ("o por quê?"), valor essencial do Iluminismo.
Consequência: A ascensão do irracionalismo, do autoritarismo e do fanatismo (exemplos: meritocracia, ataque à "ideologia de gênero"), substituindo a razão laica pela fé cega.
3. ✨ O Espiritismo como Novo Paradigma
Fundamento: O Espiritismo resgata o Espírito como um ser pré-existente e livre (dotado de livre-arbítrio e inteligência), rejeitando o determinismo liberal.
Antídoto: A reencarnação e a consciência evolutiva tornam o indivíduo o artífice de seu destino, dificultando a submissão e o "espírito de rebanho".
Educação: A infância é vista como um período de abertura do Espírito, essencial para a formação do caráter e a absorção de impressões que o auxiliam no aperfeiçoamento.
Em suma, o artigo clama pela adoção dos conceitos espíritas na educação para que o indivíduo, consciente de sua natureza eterna e destino, possa resistir à alienação e à perda da capacidade crítica impostas pela sociedade contemporânea.