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Por Jorge Luiz
A sombra que há em mim
O Espírito Joanna de Ângelis, estudando o Espírito encarnado à luz da psicologia junguiana, considera que a sociedade moderna atinge sua culminância na desídia do homem consigo mesmo, que se enfraquece tanto pelos excessos quanto pelos desejos absurdos. Ao se curvar à sombra da insensatez, o indivíduo negligencia a ética, que é o alicerce da paz.
O resultado é a anarquia destrutiva, uma tirania do desconcerto que visa apagar as memórias morais do passado. Os líderes desse movimento são vultos imaturos e alucinados, movidos por oportunismo e avidez.
Emergindo dos guetos morais, eles buscam reverter a ordem que os confronta. Sua revolução é um atrevimento que subverte o comportamento social sem, contudo, apresentar um fundamento ético sólido (Franco, 1993).
A conclusão do Espírito Joanna de Ângelis expressa com muita objetividade o estado de coisas que se abateu na sociedade brasileira, a partir das expressões disruptivas emanadas de seita política que se convencionou chamar de bolsonarismo, em perfeita consonância com o fanatismo religioso, denominado neopentecostal, que se autorrotula cristão. O que se viu, a partir daí, é como psiquismos sombrios, reprimidos pelo superego freudiano, que validam e se empoderam de suas sombras – como se emergindo de guetos morais, como definiu o Espírito, pelo representante natural desse movimento ter galgado o cargo majoritário-político brasileiro. Ganhou assento no Parlamento brasileiro uma verdadeira gangue de larápios que assaltam o dinheiro do povo, naquilo que se convencionou chamar “Emendas Secretas”, cujos destinos são os mais criminosos, se isso fosse feito em uma sociedade guiada por conceito éticos-morais.
Padre Vieira falou
O notável orador e prosador, Pe. Antônio Vieira, proferiu, no ano de 1655, um dos seus notáveis sermões – O Sermão do Bom Ladrão. Vieira recorre à figura bíblica do ladrão crucificado ao lado de Jesus, que se arrepende e é perdoado, como era do seu caráter, e a partir daí ele faz uma dura crítica social contra a corrupção e a injustiça no Reino. Transita no seu sermão outras personalidades bíblicas, como Zaqueu, e filosóficas, como Sêneca.
O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres, afirma Vieira (Vieira, 2000). A que tudo parece, e realmente parece, que Vieira fala aos nossos dias, quando constatamos os escândalos que “pipocam” sem que não haja evidências em se responsabilizar esses parlamentares, e o que se mostra mais asqueroso é a mobilização dos integrantes do Congresso em proteger os acusados. Vieira cirurgicamente estabelece esses larápios entre duas categorias: ladrões pequenos e ladrões grandes. Em 2023, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal negou um recurso (agravo regimental) para duas mulheres que furtaram dois pedaços de carne (fraldinha) de um supermercado. Já o Ministro Luiz Fux, por sua vez, negou habeas corpus para casos de furto de pequeno valor, como cinco desodorantes (R$ 69,95 total) e peças de carne (R$ 90). Barroso e Fux ratificam as ideias de Vieira, ao afirmar que os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigos: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
O sermão, pois, rege um ataque direto aos ministros, juízes e governadores que utilizam seus cargos para enriquecimento ilícito. Vieira denuncia a venalidade (ato de ser vendido) dos cargos e a cumplicidade do silêncio de quem tem o dever de impedir o roubo.
Há um dito popular antigo e crítico que a “justiça brasileira é para pretos, pobres e prostitutas”, expressando na realidade a percepção do brasileiro de que a justiça brasileira é seletiva e que a lei é aplicada de forma desigual, atingindo predominantemente as camadas sociais mais vulneráveis.
O Sujeito Descartável: Necropolítica e a Fabricação do Inimigo na moralidade do Bandido Morto
Partindo desses princípios, obviamente, não poderia deixar de abordar a operação desastrada da Política Militar do Rio de Janeiro, que ceifou a vida de 117 suspeitos e 4 policiais.
De forma velada, recolhidos os corpos, ficaram evidentes os propósitos político-eleitoreiros da política da extrema-direita (leia-se fascista), na tentativa de construir uma narrativa que prevaleça no imaginário dos brasileiros presente às eleições do próximo ano. Esse típico fato é conceituado por um filósofo camaronês, Achille Mbembe, como necropolítica.
A subjetividade dos indivíduos é construída a partir da incapacidade – alienação – de se sentirem responsáveis como cocriadores do mundo, especificamente, como produtores da sociedade. A forma inicial da consciência é, portanto, a alienação, pois os seres humanos não se percebem como produtores da sociedade, transformadores da natureza, inventores da religião, mas julgam que há um alienus, um Outro (Deus, natureza, chefes) que definiu e decidiu a vida deles e a forma social em que vivem: aqui se configura o Estado como algo natural, o poder moderno que gerencia a vida das populações, utilizando estratégias para controlar a saúde, a natalidade, a longevidade e outros aspectos biológicos e sociais, cabendo na definição de biopoder, estudado por Michel Foucault (Chauí, 2025).
O necropoder nasce do contraste com as ideias de Foucault, quando o Estado, poder político “natural”, se constitui em decidir quem deve viver e quem deve morrer, especialmente em um contexto de desigualdade social e racial. A forma mais bem sucedida de necropolítica é a ocupação colonial contemporânea da Palestina. Um exemplo de necropolítica recém-vivida pelos brasileiros foi a condução irresponsável do presidente Jair Bolsonaro frente à pandemia de COVID-19. Se tivesse sido adotada a vacinação e outras providências, teria evitado algo em torno de 400 mil mortes (*).
O que se viu e se vê cotidianamente no Brasil é uma população de invisíveis (pobres, pretos, favelados, LGBTQIA+, povos primitivos) a quem são negados os direitos básicos previstos na Constituição Brasileiras, que se tornam descartáveis a partir de ideologias que cabem na definição de “Bandido Bom é Bandido Morto”, que infelizmente, pelo analfabetismo funcional, conta com apoio expressivo da sociedade.
A Filosofia Penal dos Espíritos
O título “Bandido morto – é crime a mais”, é a antítese mais direta e legalista ao chavão popular e terá a sua afirmação no conceito de justiça considerando os princípios básicos da Doutrina Espírita.
Os Espíritos definem que o primeiro de todos os direitos naturais do homem é o de viver, como está definido na questão nº 880, de O Livro dos Espíritos (LE). Ensina, ainda, que a desigualdade das condições sociais é obra do homem e não de Deus (Q. nº 806, LE).
A finalidade da encarnação é proporcionada por Deus para levar o Espírito à perfeição, a partir de duas oportunidades: expiação ou missão. Para se chegar a essa perfeição, os Espíritos devem sofrer as vicissitudes da existência corpórea, aqui é que realiza a expiação (Q. nº 132, LE). Considerando-se a imperfeição que é característica dos Espíritos vinculados à terra, serão sempre submetidos à prova de uma nova existência. (Q. nº 166, LE)
Isso leva à compreensão da existência um Ser supremo, Deus – criador de todas as coisas – e fundamentalmente da pré-existência, da imortalidade dos Espíritos e das vidas sucessivas – reencarnação – para o aperfeiçoamento moral. A perfeição é o destino inexorável de todos os Espíritos, presente a assertiva de Jesus: Sede vós, pois, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai que estás no Céu” – Mt, 5:48.
Dotados de livre-arbítrio, os Espíritos na matéria deverão fazer o bem no limite das próprias forças, pois cada um responderá por todo o mal que tiver ocorrido por causa do bem que deixou de fazer (Q. nº 642, LE).
É compreensível que a Doutrina Espírita considera e admite a teoria positiva dos fatores da delinquência. Esses fatores podem se apresentar nessa encarnação a partir de multifatores, como também de imperfeições do Espírito decorrentes de experiências transatas.
Quanto mais próximo do estado primitivo, mais materializados são os homens. O senso moral é o que se desenvolve mais tardiamente. Por isso, só podem fazer uma ideia muito imperfeita de Deus e de seus atributos, e uma ideia igualmente vaga da vida futura, ensina Allan Kardec. Portanto, a duração do castigo, estando subordinada ao melhoramento do Espírito, resulta que o culpado que não se melhora continuaria sofrendo sempre, e que para ele a pena seria eterna (Kardec, 2004).
Esses atenuantes fizeram Kardec considerar que, diante dos delitos, o Espírito enfrentará suas penalidades na vida futura, sendo necessário o arrependimento como primeiro passo para o melhoramento. Mas ele apenas não basta, sendo necessárias ainda a expiação e a reparação (idem).
A reparação consiste em praticar o bem para aquele mesmo, a quem se fez o mal. Aquele que não repara os seus erros nesta vida, por fraqueza ou má vontade, tornará a encontrar-se, numa outra existência, com as mesmas pessoas que ofendeu, e em condições escolhidas por ele mesmo para poder provar-lhes o seu devotamento, fazendo-lhes tanto bem quanto o mal que havia feito (idem).
O professor Fernando Ortiz, livre docente da faculdade de Direito da Universidade de Havana, embora não sendo espírita, dedicou-se a estudar a filosofia penal dos Espíritos, defende que a concepção espírita da justiça e do crime é radicalmente diferente da visão punitivista e retributiva tradicional. O criminoso, para o Espiritismo, diz ele, não é essencialmente um “mau” irrecuperável, mas sim um “doente do espírito”. É um indivíduo que traz, de seu passado espiritual, um acervo de culpas e imperfeições morais a serem corrigidas. A fonte do crime não é meramente biológica ou sociológica (determinismo), mas reside na predisposição moral e no mau uso do livre-arbítrio. Isso implica que a regeneração, por meio da educação e da reforma íntima, é sempre possível (Ortiz, 1998).
Ele consolida seus estudos admitindo que o Espiritismo, ao encarar o criminoso como um 'doente do espírito', afasta-se da visão punitivista (retributiva). A sua filosofia penal tutela o indivíduo, não o abandona, porque tem a certeza inabalável na regeneração de todo ser humano, que é perfectível por natureza. A pena deixa de ser vingança para se tornar um instrumento pedagógico de reparação e reajuste moral (idem).
Bandido morto é mais um crime diante das Leis Naturais.
Chegaremos lá!
Referências:
CHAUÍ, Marilena. Ideologia. São Paulo; Boitempo, 2025.
KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.
_____________. O céu e o inferno. São Paulo: LAKE, 2004.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2018.
ORTIZ, Fernando. A filosofia penal dos espíritas. São Paulo: LAKE, 1998.
VIEIRA, Antônio (Pe.). Sermão do bom ladrão e outros sermões escolhidos. São Paulo: Landy, 1998.

COMENTÁRIO ELABORADO POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL - IA (GEMINI)
ResponderExcluirO artigo faz uma crítica contundente à seletividade da justiça, à corrupção política e à lógica de extermínio social, sintetizada no lema "Bandido bom é bandido morto", à luz da moralidade espírita e de conceitos sociológicos.
Pontos Chave:
Crítica Social e Política: O texto denuncia a corrupção de grandes proporções ("Emendas Secretas"), citando o Sermão do Bom Ladrão de Padre Antônio Vieira (1655) para contrastar a impunidade dos poderosos com a punição rigorosa de pequenos furtos cometidos por pessoas vulneráveis.
Bolsonarismo e Sombra Psíquica: Recorrendo à psicologia de Joanna de Ângelis (baseada em Jung), o autor associa o bolsonarismo a um movimento que valida e empodera "psiquismos sombrios" e oportunistas, negligenciando a ética.
Necropolítica: O conceito de Achille Mbembe é usado para analisar operações policiais violentas (como no Rio de Janeiro) e a gestão da pandemia de COVID-19 no Brasil, definindo-as como o poder do Estado de decidir quem deve viver e quem é "descartável" (pobres, negros, favelados).
Justiça sob a Ótica Espírita: A Doutrina Espírita é apresentada como a antítese do "Bandido Morto".
O direito à vida é o primeiro de todos.
O criminoso é visto como um "doente do espírito" (Fernando Ortiz), imperfeito e em fase de expiação e aperfeiçoamento (livre-arbítrio, reencarnação).
A pena deve ser pedagógica, visando a regeneração através do arrependimento, expiação e, crucialmente, a reparação do mal causado.
Conclusão do Artigo:
O artigo conclui que o assassinato de um criminoso é "mais um crime diante das Leis Naturais" (Espíritas), pois impede a oportunidade de aperfeiçoamento e reparação moral do Espírito, rejeitando a visão punitivista em favor da regeneração.