Pular para o conteúdo principal

EDUCAÇÃO CONTRA A DESINFORMAÇÃO

 

 Por Maurício Zanolini

Imaginem a seguinte situação: as aulas de matemática do ensino fundamental trabalham coleta de dados estatísticos e os professores mostram as possíveis maneiras de se manipular a opinião das pessoas que vão ver os dados, dependendo da forma como eles são apresentados. Outra situação: um dos projetos da escola é preparar os alunos para conduzir entrevistas com vereadores do seu distrito, atentos às tentativas dos políticos de se esquivar das respostas, preparando-os para checarem tudo o for declarado. Talvez essa seja a reforma no currículo mais importante para esse início de século, mas com certeza não é no Brasil.

No teste do PISA de 2018 (o resultado saiu no final de 2019) apenas 2% dos jovens brasileiros conseguiram diferenciar num texto o que era fato e o que era ficção. Poucos países do mundo tem altos índices de compreensão de texto e por isso a média mundial é muito baixa – apenas 9%. Mesmo países como os Estados Unidos têm números assombrosos. Por lá, apenas 14% dos adolescentes de 15 anos consegue diferenciar fato de ficção/propaganda/opinião. O teste que os norte-americanos fizeram apresentava dois textos, um era uma notícia de jornal sobre a indústria de laticínios e o outro era um texto de uma associação de produtores de leite falando sobre os benefícios dos seus produtos. Na sequência, algumas afirmações foram apresentadas e os estudantes tinham que dizer se eram fato ou opinião. Um exemplo: beber leite e derivados é a melhor maneira de se perder peso. E 86% dos estudantes não conseguiram ler o texto corretamente.

O interessante do caso norte-americano é que nas últimas décadas o sistema educacional deles passou por diversas reformas. Criaram um currículo nacional para balizar os currículos dos Estados. Implantaram provas para avaliar o desempenho dos alunos em habilidades essenciais como leitura, matemática e ciências. Aumentaram o volume de dinheiro direcionado às escolas, criaram programas de incentivo salarial para professores de turmas com bons desempenhos em testes, colocaram os melhores alunos das universidades para lecionar. O resultado de todo esforço é que em 20 anos os índices de proficiência em leitura não melhoraram.

Diante desse cenário, qual é o próximo passo? Temos aqui dois caminhos possíveis para fazer uma avaliação. Um deles é nos perguntar o porquê. Se todas essas mudanças não fizeram diferença na qualidade e portanto no resultado dessa relação entre ensino e aprendizagem, será que existe algo mais essencial que não foi olhado? O outro caminho é assumir que todas as ações que foram tentadas são ineficazes, o que leva à conclusão de que elas têm que ser descartadas e substituídas por um outro modelo (de preferência um modelo completamente oposto). Nos Estados Unidos, com a troca de partido no poder (de Obama para Trump) a segunda opção foi abraçada. Cortes no financiamento das escolas e terceirização / privatização da gestão são a nova ordem para melhorar os índices de proficiência. Ainda é cedo para saber os resultados dessa nova abordagem, mas uma coisa é certa, ela não mexe na essência da questão.

Enquanto isso, na Finlândia, um dos países com os mais altos índices de compreensão de texto, desde 2016 o currículo das escolas é estruturado no acesso a conteúdos em diferentes plataformas, trabalhado de forma interdisciplinar e crítica. Em 2014 o governo finlandês foi alvo de ataques da Rússia através de campanhas de desinformação nas redes sociais. Para se proteger dessa nova modalidade de guerra de informação os finlandeses decidiram reformar o sistema educacional para que seus cidadãos não sejam vulneráveis a isso.

Desde o ensino básico as crianças entendem que existem tipos diferentes de desinformação: informações erradas, informações mentirosas (deliberadamente disseminadas para enganar), e fofocas (informações que podem estar corretas mas que têm a intenção de prejudicar). Nas palavras de Kari Kivinen, professor responsável por implantar esse novo currículo:

 

“Mesmo crianças bem pequenas podem entender isso”, disse ele. “Elas adoram ser detetives. Se você também as questiona sobre jornalistas e políticos da vida real sobre o que é importante para elas, realiza debates simulados e eleições escolares reais, pede que elas escrevam relatórios precisos e falsos sobre tais eleições … a ideia de democracia e as ameaças a essa ideia começam a fazer sentido para elas. “

Ele quer que seus alunos façam perguntas como: quem produziu essa informação e por quê? Onde foi publicado? O que isso realmente diz? A quem se destina? Em que é baseado? Existe evidência para isso ou é apenas a opinião de alguém? É verificável em outro lugar? Aquelas atividade que eu descrevi no começo do texto sobre dados estatísticos na aula de matemática são uma decorrência dessas intenções.

Então pra amarrar tudo, a reforma que mexe profundamente na educação é acreditar que a criança tem nela o potencial para navegar pelo mundo (elas adoram ser detetives) e definir intenções claras de desenvolver o pensamento crítico através de conteúdos transversais. Em cima disso se constrói um currículo e a gestão fica subordinada a essas premissas. Se a administração privada quer “formar para o mercado” e para isso fragiliza as premissas, a administração privada não serve. Se os testes padronizados passam a determinar o que será estudado (para passar no teste), fragilizando as premissas, os testes não servem. Se não tivermos clareza sobre o que é essencial (e portanto deve ser preservado) e o que é circunstancial (e portanto pode mudar ou até deixar de existir), a educação não avança. E se a educação não avança, nos afundamos em notícias falsas, teorias falsas, mitos, terraplanismos, Weintraubs e mentira.

https://www.youtube.com/watch?v=LkG0zsUc4hs 

Comentários

  1. COMENTÁRIO ELABORADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL-IA GEMINI
    ​O texto apresenta um modelo educacional finlandês que surgiu como resposta estratégica à desinformação. O ponto central é a reestruturação do currículo para, desde a infância, desenvolver o pensamento crítico nos alunos, incentivando-os a atuar como "detetives" da informação.
    ​A abordagem finlandesa ensina as crianças a questionar a fonte, a intenção e a veracidade de tudo que consomem, priorizando essa habilidade acima de modelos focados em testes padronizados ou na formação para o mercado. O autor conclui que essa clareza de propósito é a única forma de a educação progredir e proteger a sociedade de notícias falsas e teorias conspiratórias.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

A CODIFICAÇÃO NÃO É TUDO

  Por Marcelo Henrique         Convivendo a quase três décadas no movimento espírita, volta e meia nos deparamos com situações e posturas um tanto equivocadas, as quais se já não são mais surpreendentes, ainda nos motivam à acurada reflexão. Uma delas diz respeito ao discurso de tribuna acerca da realidade do Mundo Espiritual. Alguns expositores, talvez, maravilhados ante certos relatos contidos em livros psicografados (nem todos submetidos, é bem verdade, ao cotejo com os princípios fundamentais e as orientações contidas nas obras básicas), passam a contar para a plateia “como é” a vida na espiritualidade, descrevendo, até, cenários e contingências “fantásticas” (!), frágeis ante o conteúdo essencial da Doutrina Espírita. Há “modernos" aparelhos e instrumentos, veículos de transporte, alimentos, remédios e outros recursos, que mais parecem a continuidade dos nossos cenários físicos, mesclados com alguns elementos de obras de ficção científica, ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

O CENSO E O CONSENSO: AS PRÁTICAS ESPÍRITAS INSTITUCIONALIZADAS NÃO CRESCEM, ENQUANTO AS CRENÇAS NA REENCARNAÇÃO E NA MEDIUNIDADE SE DISSEMINAM NO BRASIL

  Por Wilson Garcia    "A adesão ao Espiritismo no Brasil: limites da autodeclaração censitária e complexidades identitárias.”   O Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que aproximadamente 1,8% da população brasileira se declara espírita, o que corresponde a cerca de 3,8 milhões de pessoas. Esse dado representa uma leve queda em relação ao Censo de 2010, quando 2,2% da população (aproximadamente 3,8 milhões, na época) se identificava como tal. À primeira vista, os números parecem indicar uma estagnação ou discreta retração do movimento espírita no país. No entanto, uma análise mais aprofundada revela limitações importantes na metodologia censitária, sobretudo no tocante à forma como se entende e se mede a pertença religiosa.

DE PAI PARA FILHO – CONSTRUINDO UM MAPA MENTAL (*)

  Por Roberto Caldas            A poesia descreve o ciclo, o tempo estabelece as regras, a estrada manobra o passo a passo. O enredo apresenta alguém de calças curtas, joelhos ralados e uma incansável sede de sorver toda a alegria que possa ser extraída das peraltices da infância.