Pular para o conteúdo principal

O LIXO NOSSO DE CADA DIA

 

Por André Trigueiro

Sim, lixo é um assunto que possui uma dimensão ética e moral que alcança a doutrina dos espíritos. Prepare-se para reciclar suas ideias e perceber a urgência desse debate no movimento espírita.

Na qualidade de espíritos imortais que transitam no degrau evolutivo em que nos encontramos, todos nós geramos ‘lixo’ em diferentes resoluções, começando pela poluição gerada pelas nossas mentes. Pensamentos em desalinho, agravados pela invigilância prevalente em mundos de provas e expiações, produzem miasmas e formas-pensamento de baixo teor vibratório, ‘detritos mentais’ que saturam a nossa psicosfera. Esse gênero de ‘lixo’ interfere na economia dos fluidos e na saúde dos ambientes.

Em A gênese, capítulo 14, Allan Kardec afirma que “os maus pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios corrompem o ar respirável”. O estudo do passe também traz informações relevantes sobre este assunto. A fluidoterapia opera a limpeza do nosso campo eletromagnético, uma autêntica profilaxia removedora desse ‘lixo’ que nos envolve. Ainda imperfeitos, cada um de nós gera a própria carga de detritos mentais mais ou menos comprometedores à própria saúde. Ter consciência da vibração que emanamos a todo instante é tão importante quanto estarmos atentos à qualidade da psicosfera dos lugares por onde passamos.

Reciclagem de nutrientes  

E o que dizer do lixo material, tangível, que tem se tornando progressivamente um problema na maior parte do planeta? Será cabível uma leitura espírita dessa questão? A resposta é sim!

Comecemos lembrando que não existe lixo na natureza. Os resíduos das florestas ou dos oceanos entram em estado de decomposição se transformando em nutrientes orgânicos fundamentais para a resiliência dos sistemas naturais de onde provêm. Melhor seria, portanto, substituirmos a expressão ‘lixo da natureza’ por ‘reciclagem de nutrientes’. Esse ciclo da vida inspira o que muitos estudiosos chamam de ‘economia circular’, onde a inteligência de um sistema econômico dependeria do reaproveitamento daquilo que antes era descartado sem utilidade ou serventia.

Lixo é uma invenção da nossa espécie e tem causado impactos crescentes sobre o meio ambiente e a saúde humana. Se somos a espécie-líder, topo da cadeia evolutiva, dotada de intelecto superior, pensamento lógico e noção de Deus, o que explicaria essa atitude? Desde a Revolução Industrial, quando alavancamos os meios de produção e de consumo, a geração de lixo tem crescido em progressão geométrica sem que a destinação inteligente desses materiais tenha acontecido na mesma proporção. Segundo a ONU, em 2050 teremos mais resíduos plásticos do que peixes nos mares. A degradação desses materiais na natureza se dá de forma extremamente lenta (leva-se em média 400 anos, dependendo das circunstâncias) e causa um gigantesco problema na área da saúde: a contaminação por microplástico.

O que vamos deixar por aqui

 Vale lembrar que a reciclagem do lixo seco (papel, papelão, plásticos, vidros e metais) é medida importante para reduzir o volume de materiais destinados a aterros. Isso vale também para a compostagem, que permite a transformação da matéria orgânica (especialmente restos de frutas, legumes e verduras) em adubo de excelente qualidade. Estudo recém-lançado do Ministério do Meio Ambiente estima que o desperdício causado no Brasil pelo aterramento dos recicláveis e dos compostáveis chegue a 38 bilhões de reais por ano. O cálculo é acrescido em mais 30 bilhões de reais referentes à estrutura mobilizada para enterrar esses materiais.

Fiz a seguinte conta para ilustrar melhor a realidade do desperdício de materiais recicláveis no nosso dia a dia. Cada brasileiro gera em média pouco mais de um quilo de lixo por dia. Ao final de um ano, essa quantidade chega a aproximadamente 380 quilos por habitante. Quase metade disso é de materiais recicláveis. Considerando que a expectativa média de vida dos brasileiros é hoje de 76 anos, se não separarmos esses materiais, deixaremos quase 30 toneladas de recicláveis ao longo de uma existência. Será esse um dos legados que desejamos deixar por aqui? Sem falar que existem aproximadamente 3 mil lixões a céu aberto gerando inúmeros impactos à saúde e ao meio ambiente.

O lixo e as religiões

A gravidade desse problema em escala global fez com que as circunstâncias envolvendo a produção monumental de lixo se tornassem assunto relevante para muitas religiões ou filosofias espiritualistas.

Há dez anos, na Encíclica Laudato Si, o papa Francisco pronunciou que “a Terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo. (...) Esses problemas estão intimamente ligados à cultura do descarte, que afeta tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se convertem rapidamente em lixo”, disse.

As instituições espíritas no Brasil dão sua cota de colaboração para essa realidade, promovendo o uso amplamente disseminado de copinhos plásticos descartáveis para envasar a água fluidificada. Há inúmeras alternativas inteligentes e sustentáveis a esse copinho que já estão sendo implementadas em diferentes instituições no Brasil. A minha preferida é aquela que estimula cada frequentador a levar a sua própria garrafinha para que a água seja fluidificada e levada depois para casa.

Há mais de 50 anos, Joanna de Ângelis, na abertura do capítulo “Poluição e psicosfera” do livro Após a tempestade, asseverava que “ecólogos de todo o mundo preocupam-se, na atualidade, com a poluição devastadora, que resulta dos detritos superlativos que são atirados nos oceanos, nos rios, lagos”. A autora chama Jesus de “o sublime ecólogo” e cita a relação existente entre a poluição visível (material) e a poluição invisível (psicosférica). “A poluição mental campeia livre, favorecendo o desbordar daquela de natureza moral, fator primacial para as outras que são visíveis e assustadoras”.

Displicência e incivilidade

No último réveillon no Rio de Janeiro, milhões de pessoas decidiram celebrar a chegada do novo ano nas praias, deixando o saldo de 980 toneladas de lixo pelas areias da orla marítima. Difícil entender como alguém que escolheu passar o Ano Novo junto à natureza não cumpra a parte que lhe cabe na destinação correta do resíduo.

Assim como no Rio, em outros lugares do Brasil e do mundo essa demonstração de incivilidade tem consequências negativas para todos nós.

Não é possível evoluir sem mudar. A propalada reforma íntima, tão cara à cosmovisão espírita, se faz de dentro para fora, manifestando-se nas escolhas que realizamos no mundo material. Sobram evidências de que alcançamos um ponto de saturação na capacidade do planeta absorver nosso lixo, e isso deveria justificar mudanças urgentes em favor do consumo consciente, da economia circular, e da destinação inteligente de todos os resíduos. Que possamos todos fazer, desde já, o que estiver ao nosso alcance em favor de um mundo de regeneração sem lixões, microplásticos ou tamanha indiferença pela nossa ‘casa comum’.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

JESUS E A QUESTÃO SOCIAL

              Por Jorge Luiz                       A Pobreza como Questão Social Para Hanna Arendt, filósofa alemã, uma das mais influentes do século XXI, aquilo que se convencionou chamar no século XVII de questão social, é um eufemismo para aquilo que seria mais fácil e compreensível se denominar de pobreza. A pobreza, para ela, é mais do que privação, é um estado de carência constante e miséria aguda cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é sórdida porque coloca os homens sob o ditame absoluto de seus corpos, isto é, sob o ditame absoluto da necessidade que todos os homens conhecem pela mais íntima experiência e fora de qualquer especulação (Arendt, 1963).              A pobreza é uma das principais contradições do capitalismo e tem a sua origem na exploração do trabalho e na acumulação do capital.

ÚLTIMAS INSTRUÇÕES DE ALLAN KARDEC AOS ESPÍRITAS(*)

“Caro e venerado   Mestre, estais aqui presente, conquanto invisível para nós. Desde a vossa partida tendes sido para todos um protetor a mais, uma luz segura, e as falanges do espaço foram acrescidas de um trabalhador infatigável.” (Trecho do discurso de abertura da Sessão Anual Comemorativa aos Mortos de novembro 1869 – Revista Espírita – dez/1869)   Por Jorge Luiz   O discurso de Allan Kardec, proferido na sessão anual da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - SPEE, comemorativa aos mortos, em 1º de novembro de 1868, "O Espiritismo é uma Religião?" (leia aqui) - Revista Espírita, novembro de 1868 - contêm 3.881 palavras. Nele, Kardec discorre sobre a comunhão de pensamentos, as dimensões da caridade, o verdadeiro sentido de religião e sobre a crença espírita. Foi seu último discurso, pois cinco meses depois ocorre a sua desencarnação. Soa, portanto, como as últimas instruções aos espíritas, da mesma forma que Jesus as realizou aos...

A FÉ NÃO EXCLUI A DÚVIDA

  Por Jerri Almeida A fé não exclui a dúvida! No espiritismo, a dúvida dialoga filosoficamente com a fé. O argumento da “verdade absoluta”, em qualquer área do conhecimento, é um “erro absoluto”. No exercício intelectual, na busca do conhecimento e da construção da fé, não se deve desconsiderar os limites naturais de cada um, e a possibilidade de autoengano. Certezas e dúvidas fazem parte desse percurso!

DEMOCRACIA SEM ORIENTAÇÃO CRISTÃ?

  Por Orson P. Carrara Afirma o nobre Emmanuel em seu livro Sentinelas da luz (psicografia de Chico Xavier e edição conjunta CEU/ FEB), no capítulo 8 – Nas convulsões do século XX, que democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Grifos são meus, face à atualidade da afirmação. Há que se ressaltar que o livro tem Prefácio de 1990, poucas décadas após a Segunda Guerra e, como pode identificar o leitor, refere-se ao século passado, mas a atualidade do texto impressiona, face a uma realidade que se repete. O livro reúne uma seleção de mensagens, a maioria de Emmanuel.

ESPIRITISMO NÃO É UM ATO DE FÉ

  Por Ana Cláudia Laurindo Amar o Espiritismo é desafiador como qualquer outro tipo de relação amorosa estabelecida sobre a gama de objetividades e subjetividades que nos mantém coesos e razoáveis, em uma manifestação corpórea que não traduz apenas matéria. Laica estou agora, em primeira pessoa afirmando viver a melhor hora dessa história contemporânea nos meandros do livre pensamento, sem mendigar qualquer validação, por não necessitar de fato dela.

ÉTICA E PODER

     Por Doris Gandres Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse humanos. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...