Pular para o conteúdo principal

SEVERIDADE DAS LEIS

 

Por Doris Gandres

Hoje vemos as autoridades competentes dedicarem-se a proporcionar à sociedade maior cobertura legal e jurídica por meio de leis mais rigorosas, exigindo de seus executores em todas as instâncias mais atenção e empenho na sua aplicação criteriosa e imparcial.

Isso de certa forma nos satisfaz, enquanto que, ao mesmo tempo, nos entristece. Se por um lado essa observância mais eficaz tem-se demonstrado capaz de atingir até mesmo aqueles que até a pouco estavam – ou julgavam estar – acima da lei, regozijando-se com a impunidade flagrante, por outro lado vem mostrar claramente o quanto ainda somos uma sociedade necessitada de “rédeas curtas”, “cabresto apertado”.

Na q.796 de O Livro dos Espíritos, Kardec pergunta: “A severidade das leis penais não é uma necessidade, no estado atual da sociedade?” E os Espíritos Superiores respondem: “Uma sociedade depravada tem certamente necessidade de leis mais severas; infelizmente essas leis se destinam mais a punir o mal já praticado, do que a cortar a raiz do mal. Somente a educação pode reformar os homens, que assim não terão mais necessidade de leis tão rigorosas”.

Observemos que Kardec se refere ao estado atual da sociedade, isso em 1856-57; no entanto, parece estar se referindo ao nosso presente estado social... A desordem, a insegurança e o desrespeito aos direitos humanos atingiu um nível tão grave que, por absoluta e premente necessidade, as autoridades tiveram que instituir métodos de contenção que pudessem de certa forma controlar tal situação.

Conhecemos hoje o Estatuto do Idoso, o da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da Penha (para proteger a mulher contra a violência doméstica), a penalidade para todo tipo de preconceito e segregação (em particular étnica e de opção sexual), a atualização da legislação trabalhista para empregados domésticos de diversas atividades, inclusive os temporários/diaristas, e outros tantos instrumentos legais para defender essas chamadas minorias tantas vezes violentadas, não só fisicamente, mas ainda psíquica e moralmente, ou seja, espiritualmente. Estão sendo tomadas igualmente outras medidas mais severas na área administrativa, implicando em maior fiscalização, maiores exigências de segurança, de condições de higiene etc.

Vimos recentemente o estabelecimento da “tolerância zero” em relação à ingestão de bebida alcoólica e/ou drogas seguindo-se condução de veículo... E isto por quê? Porque dirigir estava se tornando um ato irresponsável e imprudente, realizado sob quaisquer condições físicas e psíquicas, transformando o veículo em uma arma e, assim, assumindo o risco de acidentes, leves, graves e até fatais, contra si mesmo e contra terceiros...

O mesmo se deu com relação ao ato de fumar – vedado em qualquer recinto fechado, seja onde for e em qualquer horário. Os fumantes inveterados protestaram, “espernearam”, quiseram alegar discriminação, mas a lei “pegou”, como se diz. E hoje os chamados “fumantes passivos” em muito agradecem – porque muitos de nós que já visitamos o INCA (Instituto Nacional do Câncer) sabemos da grande quantidade de enfermos com sintomas de câncer devido ao fumo que nunca puseram um cigarro na boca... A fumaça expelida pelo fumante carrega nada menos do que 4700 substâncias tóxicas!

Os comentários de Kardec à q.685a de O Livro dos Espíritos são de extrema sabedoria e atualidade: “Quando se pensa na massa de indivíduos diariamente lançados na corrente da população, sem princípios, sem freios, entregues aos próprios instintos, deve-se admirar das consequências desastrosas desse fato?”

É por isso que a resposta dos Espíritos na q.796, inicialmente citada, destaca o fato de que as nossas leis mais se destinam a punir o mal já praticado e não a preveni-lo, a arrancar o mal pela raiz. E isso só se consegue com a educação. E voltamos a Kardec: “não a educação intelectual, mas a moral, a que consiste na arte de formar os caracteres. Quando essa arte for bem conhecida, compreendida e praticada, o homem seguirá no mundo os hábitos de ordem e previdência (...). Nisto está o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, a garantia da segurança para todos”.

E vamos ainda lembrar a q.793 do mesmo livro: “Reconhece-se uma civilização completa pelo seu desenvolvimento moral. Acreditais estar muito adiantados, porque tendes feito grandes descobertas e invenções maravilhosas; mas não tereis verdadeiramente o direito de vos dizerdes civilizados senão quando houverdes banido da vossa sociedade os vícios que a desonram e quando passardes a viver como irmãos (...). À medida que a civilização se aperfeiçoa, vai fazendo cessar alguns dos males que engendrou, e esses males desaparecerão com o progresso moral”.

Nesse ponto, as nossas leis humanas já estarão bem mais próximas das leis naturais, divinas – e isso acontecerá naturalmente e, como diz Kardec, “pela força das coisas e a influência das pessoas de bem”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

A PIOR PROVA: RIQUEZA OU POBREZA?

  Por Ana Cláudia Laurindo Será a riqueza uma prova terrível? A maioria dos espíritas responderá que sim e ainda encontrará no Evangelho Segundo o Espiritismo a sustentação necessária para esta afirmação. Eis a necessidade de evoluir pensamentos e reflexões.

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.