Pular para o conteúdo principal

NO LIMITE

 


Por Doris Gandres

No limite não se trata apenas de um programa de competições que geralmente despertam e atiçam algumas tendências negativas e inferiores que ainda não superamos; em que o objetivo é não só ser melhor do que o outro, arrecadar sozinho o que poderia ser partilhado com os demais, todos de alguma forma necessitados, mas também em que, para tanto, muitas vezes não importam os meios a serem utilizados e onde tudo torna-se válido em função da recompensa material a ser atingida.

O dicionário nos diz que limite significa linha de demarcação, fronteira, termo, confim, meta. E então nos perguntamos se realmente já compreendemos o verdadeiro sentido dessa palavra.

Quando falamos em “ultrapassar os limites” será que já compreendemos quais os limites importantes e benéficos que precisamos ultrapassar? Será que já sabemos que existe uma “linha de demarcação” que não deve ser ultrapassada sob o risco de graves conseqüências? E que a fronteira entre os chamados bem e mal pode não ser a mesma para todos, em conformidade com o nível de entendimento e esclarecimento?

Somos, cada um, criaturas com seus limites e limitações, suas imperfeições, suas experiências e conquistas próprias, donde se compreende que as escolhas, as decisões e os procedimentos decorrentes são pessoais, e as resultantes igualmente e intransferíveis.

Contudo, essa “linha de demarcação” que deveria limitar nossas atitudes e ações em função do respeito aos demais parece, ainda hoje, ser do conhecimento de muito poucos. Diante do que se vê grassar, não só em nosso país mas também pelo mundo afora, de abusos de livre arbítrio, de autoritarismo e arbitrariedade, de desumanidade mesmo, chegando frequentemente às raias da crueldade e do cinismo, espanta e revolta a muitos.

Preconceitos de todo tipo, racismo, discriminações as mais absurdas, roubo e corrupção praticamente em todos os níveis, ganância e malícia de toda sorte e volume, violência cada vez mais feroz e descaradamente praticada, inclusive por ditas autoridades que deveriam defender os cidadãos, ainda hoje atingem abertamente a humanidade em geral.

No entanto, milhões de nós, mesmo cientes de tudo isso, “tapamos os olhos, ouvidos e a boca”, em geral receosos ou sinceramente acreditando que, em não participando diretamente, estamos isentos de responsabilidade; ou ainda achando que nada podemos fazer para a melhoria dessas condições. Ledo engano! Em muitos casos, mascaramos a alienação cultuada com um assistencialismo inócuo do ponto de vista da transformação dessa vergonhosa situação – aliás, muitas vezes assim aconselhados nos diversos rótulos religiosos, mesmo no movimento e meio espíritas.

Nós somos a humanidade, nós somos a sociedade, nós erigimos leis, normas, regulamentos e procedimentos para todos nós, quer de forma ativa ou passiva, os quais se devem aplicar a todos sem exceção; sabemos que somos seres gregários, sociais e políticos, entendamos isso ou não, queiramos ou não, e que portanto estamos incondicionalmente interligados e nenhum de nós isento de responsabilidade perante tudo e todos.

A doutrina espírita nos dá a entender de que já somos capazes de vencer as nossas más inclinações mediante o nosso próprio esforço, bastando para isso usar a nossa vontade, o bom senso e a razão que tenhamos conseguido desenvolver. Porém, lamentavelmente, os apelos mundanos, os prazeres meramente materialistas e a posse cada vez mais ansiada de bens terrenos mais extensos e maior fortuna a qualquer custo, ainda exercem enorme influência sobre nossa vontade, deixando-nos, como há tanto tempo, servos do egoísmo, da vaidade, do orgulho...

Consequentemente, diante de tal quadro, depreende-se que a competição que deveríamos realizar é conosco mesmos; que deveríamos sim buscar a cada etapa vencida estender o limite de nossas qualidades éticas e fraternas, no sentido de um dia alcançar a meta há tanto tempo e por tantos almejada: uma sociedade onde reine a justiça para todos e, assim, a paz, a fraternidade e a solidariedade entre todos, sejam quem forem e onde quer que estejam.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.