Pular para o conteúdo principal

CRISTIANISMO, MAZELA DA HISTÓRIA

 

                                                         

                     

             As teologias religiosas hierarquizantes nunca são produto de seu povo, no máximo são submetidas com contento aos povos. Cristo era um pobre judeu rejeitado pelos outros hebreus e seus seguidores foram uma multidão de pessoas humildes.

            O Vaticano, porém, instalou-se em Roma, a grande capital do Império Romano. Até hoje, de lá a teologia oficial é ditada para a multidão de seus fiéis que não está a sua maioria na Europa, mas sim nos rincões perdidos da América Latina, África e outras paragens. O terceiro mundo não produziu a sua teologia oficial.

            O protestantismo vem de um berço rico que é a Europa do norte, burguesa e capitalista. Quando chega no terceiro mundo vem “a missão”. Os missionários norte-americanos aqui fazem o mesmo que já faziam seus concorrentes, os jesuítas, há uns cinco séculos atrás, negros, pobres, somos povos à espera de salvadores.

            O cristão da catacumba, perseguido até a arena dos leões por ser cristão, é um miserável nesta injusta distribuição de nossa história. O pobre que se converte a Deus num templo da periferia das grandes cidades do Brasil de hoje é o desempregado, o rejeitado, o empregado da madame, que anula a sua vida para o fausto das elites. A senzala é também uma opressão psicológica profunda que até hoje não foi abolida. Neste mundo que ainda é de escravos, o Cristo que chama de irmão é o maior bálsamo da alma.

            Por isso a teologia vem de longe, mas cala fundo. A teologia exploradora e o explorado estão unidos nesta relação de exploração dialética. Que distância há entre um pobre que conseguiu tomar uma coca-cola e os acionistas da empresa, mas eu poderoso é este que faz com que a bebida da empresa fale à alma do pobre rapaz! Estendendo esta mesma visão, pode-se dizer que Jesus Cristo, até hoje, é uma coca-cola para os sedentos da redenção.

            Os jovens estagiários do setor de marketing das coca-colas são rapazes e moças que lutam para viver e não tem consciência, a todo momento, de que são engrenagens de um mundo de exploração em série. Um jovem padre, um pastor que saiu das drogas e prega a Bíblia, um cristão que dá sopa em nome de Jesus, nenhum deles, como o jovem estagiário de marketing multinacional, imaginar-se-á um elemento do capitalismo, ou um opressor, ou um agente do falso cristianismo. Aliás, a exploração pode não ser consciente até nos ditadores. Conta a história que alguns ditadores se consideravam de verdade homens salvadores de seus povos.

            As religiões vêm de longe, mas falam de perto aos corações dos desesperançados porque exploradores e explorados são parte de um mesmo mundo. Não há um sem o outro.

            Excetuando-se grandes exemplos em contrário, o cristianismo em seus dois mil anos, é a história de um mundo dois mil anos explorado, vilipendiado, roubado, injustiçado, cujo lucro do trabalho permanecia com o patrão, cuja liberdade para nada servia, cuja ostentação da riqueza era atroz perante o contraste da feiúra da miséria da maioria. Em dois mil anos de cristianismo, os povos cristãos continuaram injustos e, mais ainda, aprimoraram a injustiça. O escravo se revoltava e fugia do cativeiro. O assalariado, no entanto, sai de sua casa pela madrugada e toma horas de condução para ser explorado sem nem precisar de chicote e feitor do lado. A exploração vai se refinando com o passar do tempo.

            Este cristianismo da prática, sendo um elemento da exploração, só veio a legitimar este mundo de injustiças. O cristianismo católico fez o elogio da pobreza mas seus cardeais vendiam indulgências aos ricos. O cristianismo reformado protestante, em geral é o cristianismo que liberta do regime do feudalismo, mas é visceralmente o cristianismo do capitalismo. É o cristianismo progressista porque incentiva a ciência capitalista, mas reacionário e conservador na libertação humana, na justiça social, na igualdade social.

            Os dois grandes cristianismos de nossa história são, em sua maioria, duas grandes explorações, duas grandes injustiças insanáveis por si mesmas, duas farsas às quais os verdadeiros cristãos devem ter distância, ressalvadas as grandes exceções em ambos os casos. Por serem duas farsas, o reino dos céus há dois mil anos não chegou à terra, e bem fazem seus sacerdotes em apregoarem que o reino dos céus não é deste mundo, pois caso contrário desnudariam a última peça de suas hipocrisias.

            A farsa é tão abjeta que ainda hoje – com tanta ciência, com tanto iluminismo, com tantos filósofos e burgueses estetas e sensíveis com tanto bom senso -, ainda alguns cristãos legitimam a miséria dizendo que é necessária a injustiça porque é na pobreza e na dor que se revela o justo.

            As duas grandes eras cristãs, a feudal e a capitalista, são talhadas para este tipo de cristianismo servil e abjeto. O cristianismo destes dois milênios, aliás, é a luva que encobre a sua e feia mão das injustiças feudal e capitalista. Quando a história decepar a mão, se salvará a luva.

 

fonte: Cristianismo Libertador, Alysson Mascaro, editora Comenius.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...