Pular para o conteúdo principal

DO COMUNISMO CRISTÃO AO FASCISMO DOS CRISTÃOS - PARTE FINAL

A fonte “Q”

            A fonte "Q" é definida como o material "comum" encontrado em Mateus e Lucas, mas não no Evangelho de Marcos. Este texto antigo supostamente continha a logia ou várias palavras e sermões de Jesus. Seu conteúdo abrange 225 versículos encontrados nos Evangelhos de Mateus e de Lucas, mas se admite que parte de seu texto não foi aproveitada naqueles Evangelhos Canônicos, sendo portanto desconhecida. (grifos nossos)

O que é notável do povo “Q” é que eles não eram cristãos, nos moldes de hoje, ou seja: não encaravam Jesus como um messias nem como o Cristo. Não consideravam seus ensinamentos como acusação ao judaísmo. Não viam sua morte como um evento divino, trágico ou redentor. Não se reuniam para cultos em seu nome, não o veneravam como a um deus, nem cultivavam a memória por meio de hinos, orações e ritos. Nada tinha de parecido com as comunidades conhecidas pelos leitores das epístolas de Paulo.

            Enfim, eles o viam como um mestre cujos ensinamentos tornaram possível viver com vigor em tempos turbulentos. Burton L. Mack, professor da disciplina “Origens do Cristianismo” na Escola de Teologia de Claremont, e membro do Jesus Seminar, em seu livro Evangelho Perdido – O livro de Q – As Origens Cristãs, acrescenta:

 “Os movimentos de Jesus primitivos eram atrativos como espaços de experimentação social suscitados pelos tempos difíceis e turbulentos.” (...) “As pessoas estavam sendo estimuladas a se libertar das restrições sociais tradicionais e a se imaginar uma grande família humana. Como se afirma em “Q”. “Se vocês só abraçarem seus irmãos, o que estarão fazendo que os outros também não façam?”

         A fonte “Q” apresenta uma realidade que faz entender que os evangelhos narrativos não são relatos completamente verídicos e suficientes para fundamentar a fé cristã. Devem ser lidos, naturalmente, como resultado da construção de mitos do cristianismo primitivo. Mack, atesta: “O livro de Q impõe essa discussão, porque documenta uma história primitiva que não está de acordo com a versão dos evangelhos narrativos.”

          Fascismo e os cristãos

Jason Stanley, professor de filosofia na Universidade de Yale, em sua obra Como Funciona o Fascismo, o define como qualquer tipo de ultranacionalismo (étnico, religioso, cultural), no qual a nação é representada na figura de um líder autoritário que fala em seu nome.

Contudo, diante da vastíssima literatura sobre o tema, ir-se-á encontrar diversas definições e, algumas vezes contraditórias, sobre o tema.

Norberto Bobbio (1909-2004), filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano, em seu Dicionário de Política elenca três significados principais do termo: um, sobre o Fascismo Italiano, outro, do Fascismo Alemão, e o terceiro, o que ele define como “Fascismo Histórico.”

É preciso se entender que uma política fascista não conduz necessariamente a um estado explicitamente fascista, mas é perigoso de qualquer maneira.

As características predominantes em uma política fascista incluem – diz Stanley – muitas estratégias diferentes: “passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, apelos à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar público.”

O ponto mais marcante na política fascista é a divisão de uma população em “nós” e “eles”, com especificidades próprias, pois apela para distinções étnicas, religiosas ou raciais.

A política fascista dá ênfase em aniquilar o senso comum da história, criando um passado mítico para respaldar a visão do presente. Distorce a realidade para distorcer a compreensão da população. Promove o anti-intelectualismo, atacando universidades e sistemas educacionais que poderiam contestar suas ideias. Depois de um tempo – conclui Stanley – “com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias de conspiração e as notícias falsas tomam lugar do debate fundamentado.”

 Fascismo, Tradicionalismo e os Cristãos

Benjamin Teitelbaum, etnógrafo e comentarista político americano, passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela Eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiosos. Para Teitelbaum, o Tradicionalismo é pior que o Fascismo, há um elemento destruidor nele que não há no outro. Em entrevista ao jornal El País, Teitelbaum afirma:

 

“Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante. No caso de Olavo de Carvalho, por exemplo, ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa. Isso é assustador e preocupante.” (saiba mais)

            Pode parecer bizarro, mas o autor afirma que o fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam. Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Contudo, as diferenças são significativas.

O leitor, ao chegar até aqui, deve estar intrigado: o que Fascismo e Tradicionalismo isso tem a ver com o Cristianismo? – A resposta é nada.

Contudo, hoje temos milhões de cristãos e espíritas sintonizados e afinizados com essas ideias. Bom lembrar que para o Espírito, o pensamento é tudo.

A conclusão que se tira desses elementos históricos é que não há Cristianismo Redivivo sem a sua dimensão revolucionária; sem o Espiritismo como filosofia e não religião; sem considerar que cristianismo primitivo e o movimento do proletariado moderno são comuns ambas às épocas, sem o socialismo e o comunismo (consequência natural), como sistema de governança, não haverá o reino de Deus sobre a Terra; aversão completa ao sistema materialista vigente.

O espírita tem que ter a ascensão do proletariado, à exemplo de Jesus, como tarefa de sua vida e deve se opor ao empobrecimento espiritual e à estupidez vigentes, e orientar o interesse dos deserdados para os grandes aspectos, grandes contextos e grandes objetivos.

Entretanto, os estudos e às análises sobre esses fenômenos, certamente, o futuro responderá. Acredito que será mais um capítulo do Cristianismo histórico que marcará esse período e terá a seguinte denominação: “Atos dos Falsos Profetas”, como Jesus pugnou.

Pense-se nisso!

 

 

Referências:

BAUMARD, Claire. Léon Denis na intimidade. Paris: v. PDF, 1928.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: UNB, 1983.

DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo. FEB. Brasília. 1992;

ENGELS, Friedrich & LUXEMBURGO, Rosa. Cristianismo primitivo. Minas Gerais: Estudos Vermelhos, 2011.

FLUSSER, David. O judaísmo e as origens do cristianismo – vol. I. Rio de Janeiro: IMAGO, 1988.

KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: EME, 1996.

MACK, Burton L. Evangelho perdido: o livro Q. Rio de Janeiro: IMAGO, 1994.

MEIER, John, P. Um judeu marginal – vol. 1. Rio de Janeiro: IMAGO, 1991.

TAYLOR, Justin. As origens do cristianismo. São Paulo: PAULINAS, 2010.

 

Site:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-12/benjamin-teitelbaum-destruicao-e-a-agenda-do-tradicionalismo-a-ideologia-por-tras-de-bolsonaro-e-trump.html

Comentários

  1. Negacionismo, proselitismo e fanatismo ideológico. falta de percepção de contexto, simplismo dialético, reversão cientifico-histórica. sectarismo representado pela declaração de guerra ao pensamento crítico. moralismo vincado pela visão punidora, ausência de empatia. Nenhuma dessas qualidades convidam ao "envidar esforços para vencer as suas más inclinações", conforme proposto como o caminho para se reconhecer um espírita. Parabéns amigo Jorge Luiz pela visão contextualizada da forma mais adequada para aniquilar o cristianismo, utilizada pelas hordas que discutem a esfericidade da Terra e querem expurgar a Ciência do planeta. Roberto Caldas

    ResponderExcluir
  2. Excelente abordagem e polêmica necessária.

    O grande trabalho dos historiadores que procuram entender quem foi o Jesus de Nazaré, filho de José e Maria, é exatamente mostrar quem ele foi para que não seja utilizado como motivo para todas as formas de violência, como têm sido usado ao longo de quase dois milênios.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

A CIÊNCIA DESCREVE O “COMO”; O ESPÍRITO RESPONDE AO “QUEM”

    Por Wilson Garcia       A ciência avança em sua busca por decifrar o cérebro — suas reações químicas, seus impulsos elétricos, seus labirintos de prazer e dor. Mas, quanto mais detalha o mecanismo da vida, mais se aproxima do mistério que não cabe nos instrumentos de medição: a consciência que sente, pensa e ama. Entre sinapses e neurotransmissores, o amor é descrito como fenômeno neurológico. Mas quem ama? Quem sofre, espera e sonha? Há uma presença silenciosa por trás da matéria — o Espírito — que observa e participa do próprio enigma que a ciência tenta traduzir. Assim, enquanto a ciência explica o como da vida, cabe ao Espírito responder o quem — esse sujeito invisível que transforma a química em emoção e o impulso biológico em gesto de eternidade.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.