Pular para o conteúdo principal

EDUCAR NÃO É ESFRIAR

 


Quando voltamos à terra num corpo de criança, esquecemos o que somos, o que fomos, o que sabemos, para nos tornarmos total sensibilidade, para abrirmo-nos para todas as influências, para absorvermos todo o nosso ambiente. Os espíritos, enquanto crianças, estão puros, esquecidos, inocentes, sensíveis e amam com mais profundidade, com mais sinceridade, sem meias medidas. Um psicólogo, que anda fazendo sucesso nas redes, ultimamente soltou a barbaridade de que as crianças não sabem ainda o que é amar e precisam primeiro aprender a respeitar! O que?! Basta conviver com as crianças para sabermos o quanto elas sabem amar e muito melhor que os adultos. A sua delicadeza de sentimento, a sua percepção do outro, a sinceridade transbordante, o senso de justiça agudo – quem nunca sentiu e viu isso nas crianças?

Podem dizer que as estou idealizando, ainda mais se tivermos em mente que se trata de um espírito antigo, já vivido, com seus possíveis desajustes. Mas não… é que no tempo de criança, esse espírito velho está dormindo e inaugura-se uma nova personalidade que começa a interagir com seu meio. De modo que, quando criança, esse espírito encarnado vai se parecer mais com seu meio, do que consigo mesma, enquanto personalidade antiga. Essa vai se revelando pouco a pouco no final da infância e já na adolescência e às vezes só palidamente. Pode se dar que mais tarde, depois de terapias e reflexões, de experiências e vivências, é que a pessoa consiga separar de certa maneira o que recebeu na educação dessa vida, de suas tendências profundas, vindas de milênios tantos.

Mas, algo que me chama a atenção e entristece é que em nosso mundo, amadurecer, deixar de ser criança – e cada vez mais se espera e se faz de tudo para que isso aconteça o mais rapidamente possível – é passar por um processo de resfriamento, é deixar de ser sincero, é abandonar a sensibilidade, em troca de um espírito de praticidade e, muitas vezes, de cálculo.

Os adultos, que já perderam a sensibilidade da criança e já não são capazes de sentir como elas e nem de se lembrar como sentiam quando eram crianças – fazem um trabalho constante de esfriamento dos filhos, dos alunos, das crianças que vivem ao seu redor. Como? Desconsiderando os sentimentos infantis, reprimindo-os, tratando-os com desdém e indiferença. Mentindo para as crianças. Negligenciando as suas necessidades afetivas, negando-se à sua convivência, fugindo do diálogo, gritando impacientemente, correndo como loucos para ganhar dinheiro e viver a vida, chamada produtiva, e deixando pouco ou quase nenhum espaço para aconchegar, acarinhar, brincar, comer e orar em conjunto…

E as crianças se entristecem, se entediam, se entregam aos games, à TV… elas mesmas, claro, não sabem exprimir o que estão sentindo com esse abandono afetivo.

Justamente, renascemos assim, sensíveis e abertos, ingênuos e confiantes, para que possamos nos reconstruir a partir de sentimentos mais puros e nobres numa nova personalidade e lá vêm os adultos – que já foram crianças também e se esqueceram – e passam por cima dessa sensibilidade como tratores. E então as crianças de hoje se farão à semelhança desses adultos e se hoje choram magoadas pelo abandono dos pais, no futuro farão o mesmo com os filhos. Esse ciclo de endurecimento tem que ser rompido em algum ponto, por alguém que não se permita esfriar e guarde dentro de si a capacidade de compreender as crianças e acolhê-las.

Essa pessoa adulta mais sensível, possivelmente sofrerá muito no mundo adulto, prático, competitivo, implacável. Será considerada tola, desequilibrada talvez, propensa à dramatização. Para o mundo, há que se manter os olhos secos, a capacidade de descartar pessoas facilmente, o calculismo para se atingir os fins, o coração cauterizado para excessos de compaixão e empatia – enfim, há que se deixar de ser criança no sentido mais belo do termo. Aliás, esse mesmo sentido que Jesus usou ao dizer que não poderíamos entrar no Reino dos Céus se não nos fizéssemos como crianças.

Os adultos constroem defesas contra o sofrimento, esfriando o sentimento. Justamente porque tiveram que reprimir no decorrer do processo de adultização, seus sentimentos mais delicados e profundos, adotam a estratégia de fingir que tudo isso é bobagem, que temos de ser fortes, práticos e realistas – excelentes virtudes, sim. Mas que nesse caso, são disfarces para frieza, calculismo e falta de generosidade.

Sim, faz parte de nosso desenvolvimento biológico, psíquico e social, sairmos da fase infantil de desamparo, dependência e ingenuidade, para a postura do adulto responsável, autônomo e consciente. Mas no adulto equilibrado, é bom que a criança continue viva, brincando, sonhando, amando, com despojamento e bondade, alegria e autenticidade e saiba, sobretudo, compreender quem ainda está criança.

Comentários

  1. Creio que precisamos valorizar a infância das crianças para se tornarem adultos saudáveis.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.