Pular para o conteúdo principal

JESUS SABIA. NÓS IGNORAMOS


           Ele sabia. Não desconhecia o que estava por lhe acontecer. Ali sentado sob a luz do luar, sozinho com os seus pensamentos. Sua memória viajava por tantas paragens, estradas emolduradas por vegetação escassa, poeira, cascalhos de pedras que tantas vezes lhe feriram os pés. Lembrava o dia, em que ainda criança sobe ao monte e mostra ao primo também infante o mapa das peregrinações de ambos e que traduziriam um chamado aos atentos do caminho, mas também serviria de convite aos tantos esfaimados de pão e justiça. Uma onda de regozijo o teria invadido ao perceber que aquele plano havia sido posto em prática, apesar da saudade do quase irmão que atravessara o seu próprio deserto com altivez e humildade, ciente de sua tarefa. Questionara ao Pai quanto ao cálice que lhe seria servido e aceitado o desafio por entendê-lo inadiável. Aqueles que foram convidados para a derradeira vibração, recolhidos ao cansaço do dia, dormiam. Teria chegado a guarda dos poderosos para executar a prisão, cujo ato simbólico para sacramentá-la tivera sido um beijo em sua face.      
Por que prendemos e imolamos Jesus? Havia uma música em suas palavras e o verbo que lhe saía da boca balsamizava a dor e anulava a escassez da falta de poesia de tempos tão difíceis. Ele fazia silêncios para que Deus nos falasse à alma enquanto sorria ao dividir a parca porção do alimento compartilhado. Escutava nossas dores com um olhar que fabricava júbilos interiores e de suas mãos empoeiradas luzes limpavam as escuridões que habitavam nossos corpos e nossas almas. Entregara os três últimos anos de sua vida para construir uma realeza em cada pessoa, nem que fosse uma utopia de futuro, sem confundir o divino com o profano, ensinando ambos como uma mesma realidade a ser exploradas e conquistadas. Mesmo assim deixamos que o levassem sob humilhação e chicotadas. Tantos que éramos, mas tão acovardados que servimos de plateia que aplaudia e repetia impropérios infames, cooptados pelo medo de gritar bem alto onde é que estavam os inimigos do razoável.
Ele sabia de si e do quanto ignorávamos o papel que nos competia. Ignorávamos ou ignoramos? E por quanto tempo mais? Jesus ainda precisará subir e orar sozinho sobre as montanhas das aflições humanas? Por quanto tempo ainda vai ser ouvido com disfarçada incompreensão, enquanto parecemos atentos aos chamados da desfaçatez? Será que, ao menos, tivemos a atitude de tirá-lo da cruz em que o prendemos, há 2000 anos, ou ainda desejamos o seu sangue derramado sob alegação de desejarmos a cura de nossas incúrias?
Esse novo dia que nasce traz um convite, não exatamente para ser comemorado, senão para um despertar. Jesus e a povo da Terra compõem um grupo só, ele é o condutor desse séquito. As nossas torpezas não são motivos para a sua desistência. Ele nos vê dos planaltos de sua evolução e sabe o quanto chegaremos longe, mas avisa que a estrada precisa de pés para se transformar em caminho. Erramos de escolha no passado, ele também sabe disso, e já sabia desde muito. Esse dia nos chega com o convite de acompanharmos Jesus em sua oração de resgate da humanidade. Enquanto ele ora e vibra, nós trabalhamos com a intenção de vê-lo inserido nos fatos que se desenrolam. Nesse novo dia podemos prometer a ele que vamos estar ao seu lado no combate às injustiças e na defesa daqueles que o representam nos calvários de tantas cruzes que se erguem por não termos aprendido a lição da partilha. Podemos prometer isso a ele?       

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TUDO MUDOU. E AS INSTITUIÇÕES?

  Por Orson P. Carrara Os de minha geração, nascidos nas décadas de 60 a 80 ou 90 e, claro, mesmo anteriores, lembram-se perfeitamente do formato de organização e funcionamento de uma padaria, de uma farmácia ou de um mercado, entre outros estabelecimentos comerciais. Hoje temos tais formatos completamente diferentes. O que antes era balcão único de atendimento mudou para prateleiras abertas, inclusive com auto atendimento para pagamento. Antes levávamos o pão para casa, hoje vamos à padaria tomar café para apreciar outras delícias. Farmácias normalmente eram reduzidas, hoje se multiplicaram com total mudança nos atendimentos, face às facilidades virtuais. Nem é preciso citar mais nada, todos estamos muito habituados às facilidades dos dias atuais.

DESCOBRINDO UM ESPIRITISMO LIBERTADOR

  Por Ana Cláudia Laurindo Ser espírita livre em uma sociedade prenhe de padrões e vícios, tem sido a conquista deste tempo, onde não pertencer é sinônimo de alcance, mantendo fidelidade intelectual e moral aos preceitos do livre pensamento. O elitismo de provar que sabe ronda os agrupamentos espíritas brasileiros, inclusive aqueles que se recomendam progressistas, no entanto, as armadilhas dos hábitos de manutenção de perspectivas sociais baseadas em correlação de força que perpassam o status quo, disparam alertas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

VISÕES NO LEITO DE MORTE¹

Especialista no tratamento de traumas e processo de superação, Dr Julio Peres, analisa as experiências no final da vida e o impacto das visões espirituais ao enfermo e sua família, assim como para os profissionais da saúde que atuam em cuidados paliativos. De acordo com Dr. Júlio Peres, pesquisas recentes demonstram que um grande número de pessoas de distintas culturas têm relatado experiências no final da vida – originalmente chamadas na literatura por end-of-life experiences – sob a forma de visões no leito de morte, sugestivas da existência espiritual. Esta linha de pesquisa tem trazido contribuições que interessam diretamente aos profissionais que atuam com cuidados paliativos e mais especificamente, aqueles que desenvolveram a Síndrome de Burnout decorrente do esgotamento, angústia e incapacidade perante a falta de recursos para lidar com as sucessivas mortes de seus pacientes.