Pular para o conteúdo principal

MAL AMADA



           



            Há pessoas de visão escura sobre a vida.
          Assim era dona Dolores. Desolada e infeliz!  Dizia-se mal amada. O marido não lhe dava atenção; os filhos a desrespeitavam; Os vizinhos eram invejosos; o pessoal da igreja que frequentava agia com falsidade. Sua vida era pura aflição!
Ao desencarnar, ela, que cultivava um inferno em seu coração, por afinidade vibratória foi estagiar em inóspita região umbralina.
Ali, mais que nunca, sentia-se mal amada. Deus não lhe ouvia as orações.  Via-se cercada de gente atormentada. Parecia-lhe ameaçada por forças tenebrosas. Revoltava-se contra o destino ingrato, mergulhada num oceano de aflições. Sempre mal amada!

Depois de muito sofrer, brilhou em seu íntimo uma réstia de humildade. Lavou o coração com lágrimas contritas, implorando a complacência divina. Imediatamente foi socorrida por benfeitores espirituais que a levaram para estágio reparador no Recanto das Bênçãos, uma operosa comunidade de servidores do Cristo, especializados em socorrer as almas sofredoras retiradas do umbral.
O Recanto das Bênçãos era um oásis de ventura, em plena região umbralina, sustentado por servidores dedicados, empenhados em cumprir integralmente os valores do Evangelho, no esforço perseverante do Bem.
Ali, finalmente — regozijava-se dona Dolores — seria feliz, cercada de gente boa, gente amiga.
Não aconteceu. Sua lua de mel com a colônia durou pouco. Em breve caiu nos tormentos a que se habituara. Ninguém lhe dava atenção; Havia falsidade nas pessoas; Sentia-se mal amada!
Ainda que fosse transferida para a esfera do Cristo, continuaria infeliz, porquanto o problema estava nela, na sua maneira de ser. Pobre Dolores!
Resolveu procurar o mentor espiritual que a assistia na colônia. Após abraçá-la, perguntou:
— Então, Dolores, como se sente? .
— Mal, muito mal! Estou decepcionada com as pessoas que aqui vivem. Tratam-me com gentileza, mas percebo certa hipocrisia em suas manifestações de apreço. Falam bem de frente, mal pelas costas. Noutro dia surpreendi um grupo olhando-me, a sorrir maldosamente. Riam de mim!
— Você está enganada, Dolores. Não há espaço para a hipocrisia em nossa colônia. Somos treinados para a fraternidade. É nosso compromisso.
— Pois devo lhe dizer que as pessoas não são o que parecem.  Sinto isso na própria pele!
— Estou informado de que ainda não assumiu nenhuma atividade na colônia.
— Até gostaria, mas não me sinto animada. Não encontro um ambiente adequado, pessoas receptivas, de boa vontade…
— Minha filha, cedo ou mais tarde você aprenderá que a infelicidade tem muito a ver com a inatividade. Quando não temos o que fazer, tendemos a cogitar de assuntos que não interessam à nossa economia espiritual, como, por exemplo, criticar os companheiros e nos sentirmos mal amados.
Dolores exaltou-se:
— O senhor está querendo dizer que eu sou a culpada de tudo isso?
— Exatamente Dolores. Jesus ensinava que devemos tirar a trave de nossos olhos antes de criticar o cisco em olho alheio.
A conversa se estendeu, o mentor ponderou, aconselhou, orientou, mas seria pouco provável que Dolores mudasse sua disposição.
Afinal, era confortável atribuir aos outros as razões da infelicidade que sustentava em si mesma.
Mal amada…


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.