Pular para o conteúdo principal

CRÔNICAS DO COTIDIANO: PERDÃO E AUTOPERDÃO








“Porque é a coisa certa. É a coisa certa para mim. É a coisa certa para Glen. Sinto que meu pai está sendo celebrado. Minha mãe está sendo celebrada. Os pais de Glen estão sendo celebrados. Toda a dor deles não é em vão. Temos esperança. Amor. Possibilidades. E temos diálogo. Falamos sobre a perda. Sinto gratidão.” Assim se expressa a canadense Margot von Sluytman, em depoimento à BBC, juntamente com o assassino do seu pai, ao descreverem juntos a jornada surpreendente que a fez perdoá-lo e se tornarem amigos. (saiba mais)


Justiça Restaurativa
O fato acima pode ser enquadrado em novo paradigma de justiça denominado Justiça Restauradora ou Restaurativa, que visa construir uma cultura de paz.
Para os estudiosos e aplicadores da justiça restaurativa existe a busca de um conceito. Esquecem, eles, que o conceito é simples: perdão.
A justiça restaurativa se trata de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima.
Introduzida no Brasil há mais de uma década, ela tem origem nos países anglo-saxões, notadamente no Canadá e Nova Zelândia, ganhando relevância em vários países, inclusive no Brasil.
Nessa mesma latitude, a terapeuta norte-americana, Robin Carsajian, concluiu que o autoperdão é fundamental para a reabilitação dos condenados. Quando isso não ocorre, logo ao saírem do sistema penitenciário reincidem no crime. Para ela, é uma maneira inconsciente de se punirem pela profunda culpa que sentem. Ela realiza workshop a pedido do governo norte-americano em presídios com o propósito de promover a reabilitação de presos pelo perdão a si mesmos. O autoperdão é renascimento. É renunciar aos medos, ilusões, preconceitos. É preparar-se para perdoar os ofensores, tal qual Jesus afirmou: perdoar setenta vezes sete vezes.

O que é o perdão?
Entender o significado do perdão exige que o indivíduo, caso necessário, renuncie ao conceito do perdão como atitude religiosa abstrata, que necessita de intermediário para se alcançá-lo.
O perdão é uma disposição intransferível do próprio ofendido de abrir mão das mágoas do passado, de curar o coração e o Espírito.
Casarjian adverte:

“O perdão é o modo de tomar o que está quebrado e torná-lo inteiro. Ele toma os nossos corações partidos e os conserta, toma nossos corações aprisionados e os liberta; toma nossos corações maculados pela culpa e pela vergonha e os devolve à pureza original. O perdão devolve aos nossos corações a inocência que possuíamos – uma inocência que nos liberta para amar.”1

Dr. Gerald G. Jampolsky, sintonizado com o Mestre Nazareno, (Mt, 5:14-16)

“Perdoar é o caminho que nos leva da escuridão para a luz. É a nossa função aqui na Terra, que nos leva a reconhecer que somos a luz do mundo.”

O que o perdão não é
Esquecer. Esquecer o abuso, a agressão, a traição, atitudes totalmente inaceitáveis. Perdoar não implica, necessariamente, que se mantenha qualquer tipo de relação, ou até mesmo que o obrigue a consentir e apoiar comportamento que cause dor, sem que se aja para modificar a situação ou até mesmo para proteger os direitos e a dignidade humana. Perdoar não é um faz de conta; fingir que está tudo bem, quando se sabe que não está. Perdoar não é negar a raiva e o ressentimento.
Para se perdoar não é necessário que se comunique verbalmente que a pessoa está perdoada. Muito embora seja parte preponderante da atitude de se perdoar, contudo, não há a necessidade de se dizer “eu te perdoo.”

O perdão como um modo de vida
O Ser ao se perfilar para processo do conhecimento de si, defrontar-se-á, inevitavelmente, com prática diária do julgamento do próximo. Isso é uma característica marcante da personalidade humana. Jesus, o grande pedagogo da alma, adverte que com a mesma medida que usardes para medir os outros, igualmente será medido (Mt, 7:2). Esse comportamento é definido na Psicologia como a projeção da sombra, que surge a partir dos mecanismos do ego em contato com a realidade humana. Aqui está a gênese do pensamento linear ou binário, que se revela nas dualidades da vida: bom e mau; certo e errado. Para Carl Jung (1875-1961), psiquiatra suíço, na sombra, vive tudo o que o ego não quer ou não pode adaptar aos costumes e convenções sociais e culturais.
O Espírito Joanna de Ângelis, pela psicografia de Divaldo Franco, adverte:

“Ainda permanece essa conduta soez em todos os segmentos da sociedade, particularmente nos grupamentos religiosos, nos quais, aqueles que se sentem incapazes de crescer, por acomodação mental ou incapacidade moral, tornam-se agudos vigias dos irmãos que os ultrapassam e não merece perdão, por estarem libertando-se da sombra, que eles ainda sequer identificaram...”

Assim sendo, deve-se da mesma forma se alinhar o perdão como um modo de vida, como ensina Carsajian:
“Como modo de vida, o perdão envolve o compromisso de experimentar cada momento sem a interferência das percepções passadas – vendo cada momento de maneira nova, clara, sem medo.”

Fica bem claro que o perdão não deve ser, tão somente, experimentado em situação pontual, muito embora seja realmente necessária. Contudo, para que se seja realmente livre, saudável e capaz de avançar no processo de crescimento espiritual, exige-se que vivenciemos o perdão de modo habitual e contumaz. Para se iniciar esse processo se deve aprender em terreno neutro. O que é isso? Carsajian sugere que se faça experiências diárias, praticando o perdão com pessoas que você nunca conviveu, como por exemplo: no trânsito, nas filas dos bancos e supermercados. Nesse estágio, começa-se a mudar as nossas crenças e valores, fundamentos portentosos no processo do julgamento. Como afirma Jampolsky, “é ver a lâmpada ao invés do abajur”.
Inicia-se com o perdão uma forma consciente de se adentrar o Reino de Deus anunciado por Jesus.

Referências
CARSAJIAN, Robin. O livro do perdão. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
JAMPOLSKY. Gerald G. Perdão: cura para todos os males. Cultrix, 1999.

Comentários

  1. Francisco Castro de Sousa18 de agosto de 2017 às 20:22

    Jorge,
    Tenho um caso na família que lhe contarei em rápidas palavras.
    A filha mais nova da minha irmã mais velha, eu sou o primeiro, depois o Manuel e depois ela, Socorro.
    Teve duas filhas, Michelli a mais velha e Danielle.
    Danielle fez 15 anos, era uma menina doce, e começou um namoro com militar da PM.
    Um dia, ele chegou na casa da minha irmã e convidou-a para ir ao Conjunto Ceará, minha irmã morava no Conjunto Esperança.
    Desse passeio ela não mais voltou. Ele a matou com um tiro na cabeça que trans-fixou de uma fronte a outra. Ele levou a menina para o Frotão.
    Avisou minha irmã que tinha havido um acidente, largou-a lá e foi pra casa dormir.
    Pra encurtar a história ele chegou a ser preso, conseguiu um habeas-corpus e fugiu. Nós conseguimos que a Rede Globo tratasse do caso naquele programa Linha Direta, em menos menos de 24 horas da veiculação do programa ele foi preso em Parnaíba. Isso chamou a atenção do Brasil inteiro, conhecido como "Caso Daniele". Eu cheguei a escrever um livro com esse mesmo título quando estávamos na fase de perseguição!
    Para encurtar o relato, tempos depois fui procurado pela Rede Globo me propondo ficar frente a frente com o indivíduo que a vida da minha sobrinha e perdoá-lo.
    Agradeci a tentativa deles, mas eu não coragem de ficar frente a frente com aquele indivíduo e perdoa-lo! Senti que seria uma traição ao sofrimento da minha irmã
    e da minha mãe. Penso que foi isso que desenvolveu, ou apressou o desenvolvimento do Alzheimer na minha Mãe. Eu me neguei a tal representação!
    Isso não é uma coisa fácil!
    Castro

    ResponderExcluir
  2. Caro amigo, não tenha dúvida que a tarefa do perdão seja coisa fácil. Não é à toa que Deus possibilitou a reencarnação para facilitar esse mister. Sua colaboração enriqueceu muito o artigo.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.