Pular para o conteúdo principal

CONSTRUINDO PONTES DE AFINIDADE







 
Não é difícil perceber o primeiro traço comum entre Ecologia e Espiritismo: são ciências sistêmicas que procuram investigar, cada qual com sua ferramenta de observação, as relações que sustentam e emprestam sentido à vida. Essa visão sistêmica da realidade se revela de forma tão explicita nas duas ciências, que o que aparece em certas obras espíritas poderia perfeitamente embasar alguns postulados ecológicos.
Em A Gênese, (1) uma das obras básicas da Doutrina Espírita, a relação de interdependência preconizada pelos ecologistas aparece descrita da seguinte maneira por Allan Kardec: “Assim, tudo no Universo se liga, tudo se encadeia, tudo se acha submetido à grande harmoniosa lei de unidade”.

Em outro trecho, afirma:

De sorte que as nebulosas reagem sobre as nebulosas, os sistemas reagem sobre os sistemas, como os planetas reagem sobre os planetas, como os elementos de cada planeta reagem uns sobre os outros, e assim sucessivamente, até ao átomo. (2)

A percepção de uma realidade sistêmica em um universo na qual a figura de Deus está presente é traço comum em todas as doutrinas ou tradições religiosas, e nisso também se inclui o Espiritismo. O físico austríaco Fritjof Capra afirma que:

A percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem a percepção de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda. (3)

Leonardo Boff, teólogo e escritor, chama de “universo autoconsciente e espiritual” o ambiente onde todos estamos intrinsicamente em relação.

Por espírito se entende a capacidade das energias primordiais e da própria matéria interagirem entre si, de se autocriarem (autopoiese), de se auto-organizarem, de se constituírem em sistemas abertos, de se comunicarem e formarem teias cada vez mais complexas de inter-retro-relações que sustentam o universo inteiro. O espírito é fundamentalmente relação, interação e auto-organização em diferentes níveis de realização. (4)

Ao comentar a questão 540 de O Livro dos Espíritos, Kardec afirma que “é assim que tudo serve, que se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo”. (5) Na visão espírita, esse encadeamento de todos os seres se resolve de uma maneira que lembra, por vezes, o Evolucionismo de Darwin.
O darwinismo inspirou uma das perguntas feitas ao Espírito Emmanuel no livro O Consolador. A resposta se deu pela psicografia do médium Francisco Cândido Xavier:

- A ideia de evolução, que tem influído na esfera de todas as ciências do mundo, desde as teorias darwinianas, representa agora uma nova etapa de aproximação entre os conhecimentos científicos do homem e as verdades do Espiritismo?
- Todas as teorias evolucionistas no orbe terrestre caminham para a aproximação com as verdades do Espiritismo, no abraço final com a verdade suprema. (6)

A resposta sugere que, se não há plena identificação entre as diferentes correntes, há sinergia. Ou que a ciência da Terra avança na direção daquilo que a Espiritualidade afirma como verdade. Nas obras espíritas explica-se como a jornada evolutiva se desdobra nos três reinos da Natureza. O pesquisador Jorge Andréa dos Santos, médico e professor do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, traz informações importantes sobre este assunto:

O mineral possui tanto a vida quanto o vegetal e o animal. (7) O princípio unificador, a essência que preside as formas e o metabolismo da flora e fauna, existe também no reino mineral, presidindo as forças de atração e repulsão em que átomos e moléculas se unificam e equilibram. Do simples fenômeno químico até as manifestações humanas de nossos dias, existe o princípio espiritual regendo e orientando; claro que sob formas variáveis, elastecendo-se e ampliando-se à medida que a escala evolutiva avança. (8)

A ideia de que os reinos da Natureza se apresentam como degraus da escada evolutiva também é elucidada pelo Espírito Áureo, através da psicografia de Hernani T. Sant’Anna:

Tais princípios sofrem passivamente, através das eternidades e sob vigilância dos Espíritos prepostos, as transformações que hão de desenvolver, passando sucessivamente pelos reinos mineral, vegetal e animal e pelas formas e espécies intermediárias que se sucedem entre cada dois desses reinos.
Chegam, dessa maneira, numa progressão contínua, ao período preparatório do estado de espírito formado, isto é, ao estado intermediário da encarnação animal e do estado espiritual consciente. Depois, vencido esse estado preparatório, chegam ao estado de criaturas possuidoras do livre-arbítrio, com inteligência capaz de raciocínio, independentes e responsáveis pelos seus atos. (9)

A afirmação espírita de que todos nós passamos pelos diferentes reinos da Natureza em uma progressão contínua determina o aparecimento de uma nova ética em relação a todas as criaturas existentes. Os demais seres vivos poderia ser considerados nossos “irmãos em evolução”, que hoje estagiam em níveis inferiores já experimentados por nós. Francisco de Assis conversava com borboletas e pássaros há 800 anos, e deixou eternizado o Cântico das Criaturas. Seria ele um precursor desse novo olhar interligado que reconhece as relações de “parentesco” entre todos os seres vivos? Pesquisas genéticas recentes confirmam esses surpreendentes graus de parentesco pelo exame de DNA. Temos 30 mil genes e, mesmo no todo da cadeia evolutiva, nossa diferença para os ratos é de apenas 300 genes. Em relação aos vermes, são apenas 10 mil genes a mais.
O fato é que espíritas e ecologistas têm motivos de sobra para defender a mesma causa: a proteção da biodiversidade. Se para o ecologista a expressão equilíbrio ecológico revela a capacidade de um ecossistema se manter perene por si mesmo, sem que o homem interfira nesse software inteligente da vida comprometendo sua resiliência, para os espíritas há que se reconhecer algo mais: a importância da “escada” cujos degraus precisam suportar a evolução de outros que, como nós, têm o mesmo direito de existir e seguir em frente. Enquanto o abate de animais para a alimentação humana ainda for visto como uma necessidade, que se considere a forma mais ética de realizar esse procedimento, sem crueldade, eliminando ao máximo os riscos de dor e sofrimento.



            Referências:
(1)       KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Guillon Ribeiro, Rio de Janeiro. FEB. Cap. XIV, item 12.
(2)       Idem Cap. XVIII, item 8.
(3)       CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo. Cultrix, 1996, p.26
(4)       BOFF, Leonardo. Espiritualidade. In: TRIGUEIRO (Coord) Meio Ambiente no Século 21. 5. Ed. São Paulo. Autores Associados, 2008, p.42.
(5)       KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro. FEB.
(6)       XAVIER, F. Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro. FEB, questão 41.
(7)       Esta ideia está presente na frase “Tudo está cheio de deuses”, atribuída a Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo grego (625-558 a.C), para quem o universo é dotado de animação, de matéria viva (hilozoísmo)
(8)       SANTOS, Jorge Andréa dos, Energia Espirituais nos Campos da Biologia, Rio de Janeiro. Cia Editora Fon-Fon e Seleta, 1971, p.28.
(9)       SANT’ANNA, Hernani T. Universo e Vida. Pelo Espírito Áureo. Rio de Janeiro. FEB, 1987. Cap. II.

      Fonte: Espiritismo e Ecologia, André Trgueiro. FEB.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

“BANDIDO MORTO” É CRIME A MAIS

  Imagens da internet    Por Jorge Luiz   A sombra que há em mim          O Espírito Joanna de Ângelis, estudando o Espírito encarnado à luz da psicologia junguiana, considera que a sociedade moderna atinge sua culminância na desídia do homem consigo mesmo, que se enfraquece tanto pelos excessos quanto pelos desejos absurdos. Ao se curvar à sombra da insensatez, o indivíduo negligencia a ética, que é o alicerce da paz. O resultado é a anarquia destrutiva, uma tirania do desconcerto que visa apagar as memórias morais do passado. Os líderes desse movimento são vultos imaturos e alucinados, movidos por oportunismo e avidez.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

OS FANATISMOS QUE NOS RODEIAM E NOS PERSEGUEM E COMO RESISTIR A ELES: FANATISMO, LINGUAGEM E IMAGINAÇÃO.

  Por Marcelo Henrique Uma mensagem importante para os dias atuais, em que se busca impor uma/algumas ideia(s), filosofia(s) ou crença(s), como se todos devessem entender a realidade e o mundo de uma única maneira. O fanatismo. Inclusive é ainda mais perigoso e com efeitos devastadores quando a imposição de crenças alcança os cenários social e político. Corre-se sérios riscos. De ditaduras: religiosas, políticas, conviviais-sociais. *** Foge no tempo e na memória a primeira vez que ouvi a expressão “todos aprendemos uns com os outros”. Pode ter sido em alguma conversa familiar, naquelas lições que mães ou pais nos legam em conversas “descompromissadas”, entre garfadas ou ações corriqueiras no lar. Ou, então, entre algumas aulas enfadonhas, com a “decoreba” de fórmulas ou conceitos, em que um Mestre se destacava como ouro em meio a bijuterias.

REENCARNAÇÃO E O MUNDO DE REGENERAÇÃO

“Não te maravilhes de eu te dizer: É-vos necessário nascer de novo.” (Jesus, Jo:3:7) Por Jorge Luiz (*)             As evidências científicas alcançadas nas últimas décadas, no que diz respeito à reencarnação, já são suficientes para atestá-la como lei natural. O dogmatismo de cientistas materialistas vem sendo o grande óbice para a validação desse paradigma.             Indubitavelmente, o mundo de regeneração, como didaticamente classificou Allan Kardec o estágio para as transformações esperadas na Terra, exigirá novas crenças e valores para a Humanidade, radicalmente diferenciada das existentes e que somente a reencarnação poderá ofertar, em face da explosiva diversidade e complexidade da sociedade do mundo inteiro.             O professor, filósofo, jornalista, escritor espírita, J. Herc...

A PROPÓSITO DO PERISPÍRITO

1. A alma só tem um corpo, e sem órgãos Há, no corpo físico, diversas formas de compactação da matéria: líquida, gasosa, gelatinosa, sólida. Mas disso se conclui que haja corpo ósseo, corpo sanguíneo? Existem partes de um todo; este, sim, o corpo. Por idêntica razão, Kardec se reportou tão só ao “perispírito, substância semimaterial que serve de primeiro envoltório ao espírito”, [1] o qual, porque “possui certas propriedades da matéria, se une molécula por molécula com o corpo”, [2] a ponto de ser o próprio espírito, no curso de sua evolução, que “modela”, “aperfeiçoa”, “desenvolve”, “completa” e “talha” o corpo humano.[3] O conceito kardeciano da semimaterialidade traz em si, pois, o vislumbre da coexistência de formas distintas de compactação fluídica no corpo espiritual. A porção mais densa do perispírito viabiliza sua união intramolecular com a matéria e sofre mais de perto a compressão imposta pela carne. A porção menos grosseira conserva mais flexibilidade e, d...