domingo, 24 de janeiro de 2016

POR UM MOVIMENTO ESPÍRITA SUBVERSIVO





 “A revolução foi proposta por Kardec,
foi ensaiada por esses cientistas
(Crookes, Bozzano, Aksakof, Richet,
Rochas e outros)
mas ainda não foi realizada na civilização
ocidental – onde se enraíza –
e não foi nem mesmo
compreendida pelos espíritas.”
(Dora Incontri, “Para Entender Allan Kardec.”)




Jesus, no Sermão das Montanhas (representação)



            É provável que o leitor esteja intrigado com o título do artigo, pelo uso da palavra subversivo. Não é de se estranhar, até por que é esse o propósito. Entretanto, a etimologia de subversivo, vem do latim (sub=abaixo) e (vertere=dar voltas) + (ivo=efetividade, capacidade). De subverter = verter por baixo; executar atos visando à transformação ou derrubada da ordem estabelecida; revolucionário.
            Se se estudar a semântica histórica ou diacrônica (que estuda as mudanças que as palavras sofreram no tempo e no espaço), vê-se que a palavra subversivo, no período do regime militar assumiu significado pejorativo, marginalizando e criminalizando àqueles que pensavam diferente do governo, quando na realidade esses lutavam para resgatar democracia e a liberdade de expressão. Os “subversivos” foram perseguidos, presos, torturados e muitos mortos. Situação idêntica, sofreu a palavra herege (que ou quem adota ou sustenta ideias, opiniões, doutrinas etc. contrárias às admitidas por um grupo), na idade média, o que motivou o tribunal eclesiástico da igreja católica, que tinha como propósito combater os heresiarcas, e que até nos dias atuais respinga nos espíritas.

Para que se reinvente o movimento espírita de forma subversiva e revolucionária, basta se inspirar em ninguém menos que Jesus. A personalidade de Jesus instiga análises em diversos aspectos, em qualquer situação que se possa conceber. Teorias foram criadas, com formas antagônicas e que se anulam reciprocamente. Todavia, o caráter revolucionário é inquestionável. Não um revolucionário político dos tempos atuais, mas um revolucionário que revolvia as estruturas sociais do seu tempo. Veja-se o que fala John P. Meier (1942-1964), que foi padre católico e professor de cadeira de Novo Testamento na Universidade Católica da América em Washington, D.C , e que foi também presidente da Associação Bíblica católica, em sua robusta obra em cinco volumes, Um Judeu Marginal, vol. I:

“Como a boa sociologia, o Jesus histórico não subverte (grifo nosso) apenas algumas ideologias, mas todas elas, inclusive a teologia da libertação.”

            Analisando-se todo o Cântico das Bem-aventuranças, encontrar-se-ão frases subversivas, como por exemplo: “Felizes (antigamente se dizia “bem-aventurados”), até aos “pobres no espírito (...) ditos no evangelho de Matheus (5:3), onde Jesus radicaliza na necessidade.

Jesus não deixava passar nenhuma situação onde ele pudesse provocar profundas e verdadeiras reflexões às posturas da grei dominante. Promovia ofensiva contra os desequilíbrios sociais, a cobiça e a dureza de coração, sempre a favor dos fracos e oprimidos. Jesus em nenhum momento contemporizava com o erro, a mentira e a corrupção dos costumes.
Em Lc, 18:25 critica os ricos, quando afirma que será mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino dos Céus. Elabora, em Lc, 22:25, crítica direta, clara contra os tiranos que se fazem chamar de benfeitores do povo. Aplica a Herodes Antipas o apelido abjeto de “raposa” Enfim... Leia-se o que diz Juan Arias (1), em sua obra Jesus, esse grande desconhecido:

“Mas uma coisa é certa. Jesus não foi um homem da ordem, do sistema, conservador do status quo. Quanto a isso não há nenhuma dúvida, e a Igreja nunca deveria tê-las alimentado. O profeta de Nazaré sempre foi um inconformista, um homem de ruptura do sistema estabelecido.”

            A partir de Kardec vamos encontrar espíritas que foram pessoas militantes, transformadoras, contestadoras e não conservadoras, a exemplo de muitos que integram o movimento espírita brasileiro em nossos dias. A própria Anália Franco (1853-1919), professora, poetisa e filantropa espírita brasileira, é um exemplo desse universo de espirítas. Feminista, abolicionista, republicana, isso muito antes da abolição da escravatura, fundou mais de setenta escolas com o propósito de resgatar mulheres, “mães solteiras”, marginalizadas pela sociedade de então, como também os seus filhos. Note-se que boa parte dos grandes revolucionários do movimento espírita sempre agiram pelo viés da educação. Cita-se por exemplo: A Liga Francesa de Ensino, criada em 1881, por seis militantes quase todos espíritas, teve em Léon Denis o grande divulgador. No Brasil se encontrará Eurípedes Barsanulfo, Ney Lobo, Dora Incontri, José Herculano Pires, Cairbar Schutel, dentre outros.
            Ora, mas a própria interferência do Mundo dos Espíritos no pensamento humano, através do controle universal e da racionalidade, já não é algo estrondosamente subversivo?
            Fazer com que o indivíduo se torne liberto dos ritos, imagens, sacramentos e acima de tudo, consciente das suas potencialidades íntimas a partir da imortalidade da alma e das vidas sucessivas não é prática evidentemente subversiva?
            O movimento espírita brasileiro por não priorizar o aspecto educacional do Espiritismo, favoreceu a atitudes com característica de rebanhos, o que é extremamente antipedagógico para o que o Espiritismo conceitua como proposta libertadora, subversiva e não salvacionista.
            Rebanho exige naturalmente um pastor. Necessariamente, um bom pastor se caracteriza pela habilidade de conduzir bem o seu rebanho. Função criada, é óbvio que necessita ser preenchida, e “elege-se” naturalmente dirigentes, médiuns, ou qualquer pseudodemiurgo. Consequentemente, criam-se estruturas burocráticas, hierárquicas, uma relação de poder onde a subversividade é substituída pela subversiviência, danosa para uma proposta de regeneração da Humanidade, conforme assinala o Mestre lionês, Allan Kardec. O irmão de jornada agora se autoproclama o “pastor” que se sacrifica por suas ovelhas, cuidando detalhadamente de cada uma delas. A salvação neste mundo está na condição do bem viver do rebanho, impresso pelo pastor. Isso faz com que o ser reate, de maneira atávica, com suas romagens pelas “pradarias romanas”, em vidas pretéritas.
            Resulta desses direcionamentos: Uma plêiade de pedintes de graças dos céus, que se tornam dependentes e manietados pelos Espíritos, formando uma corrente mística, em torno de um profissionalismo religioso, missionarismo de catequese, renunciando-se às obrigações revolucionárias nos contextos sociais e espirituais que o Espiritismo espera de todos os espíritas.
            A Humanidade se defronta com uma crise global sem precedentes em seus sistemas econômicos, políticos e sociais. O Espiritismo apresenta uma revolução pela educação integral, partindo da explicação da própria natureza, origem e destinação do homem. Vê-se, portanto, que a Doutrina Espírita fundando a “Ciência do Espírito”, oferece à humanidade novo paradigma da consciência e da forma de pensar, através de uma escala de valores distinta. Essa é a única via para a solução dos graves problemas que assolam a sociedade terrena.
            Observa-se, ainda, nos dias atuais, dirigentes que abdicam à discussão de temas abrangentes e de interesse de toda a sociedade, simplesmente em razão dos aspectos polêmicos sob os quais se apresentam. A motivação: Receiam ferir suscetibilidades de frequentadores. A própria educação (evangelização) espírita adotada por alguma instituições, assume proposta estritamente catequizante. O Espiritismo no Brasil é conduzido de forma retrógrada ante os conceitos reformadores da Boa Nova e do Consolador Prometido, enquanto projetos revolucionários da Divindade para a regeneração dos mundos.
            O que nós espíritas fazemos diante desse cenário?
            É imperativo entender que as questões aqui levantadas não se constituem uma crítica por si só, implicam, no entanto, em reflexões rigorosas e necessárias para que se busque caminhos que restabeleçam o verdadeiro caráter do Espiritismo, como legado de regeneração moral do Planeta. É bom lembrar que o pensar reflexivo aqui posto é caracterizado pela criatividade. É o pensamento inventivo, que se molda pela busca de alternativas, tanto pelas informações aqui registradas, tanto pelas respostas produzidas por cada um dos envolvidos no processo.
Essa mudança de paradigma é tarefa inadiável, tanto na esfera individual, quanto na coletiva.
           
Referências:

ARIAS, Juan. Jesus, esse grande desconhecido. São Paulo. Objetiva. 2001;
INCONTRI, Dora. Para entender Allan Kardec. São Paulo. Lachâtre. 2004;
MEIER, John P. Um judeu marginal. Rio de Janeiro. Imago. 1991.



(1)  O jornalista e escritor espanhol Juan Arias estudou filosofia, teologia, psicologia, línguas semíticas e jornalismo na Universidade de Roma, Itália. Na Biblioteca Vaticana, descobriu o único códice existente escrito no dialeto de Jesus, procurado há vários séculos. Durante catorze anos, foi correspondente do jornal El País no Vaticano, acompanhando os papas Paulo VI e João Paulo II. É autor de vários livros, publicados em mais de dez idiomas: El Dios en quien no creo, Savater: El arte de vivir, José Saramago: El amor posible, entre outros. No Brasil, publicou Confissões de um Peregrino; Jesus, esse grande desconhecido; A Bíblia e seus segredos, todos pela Objetiva. Atualmente, é correspondente do El País no Brasil.



10 comentários:

  1. Francisco Castro de Sousa25 de janeiro de 2016 às 19:50

    Jorge amigo,
    Conseguiste falar de um tema crucial com elegância! Não aguardes palmas, muitos acharão que estás ficando louco, mas é um louco que sabe o que está dizendo. Te parabenizo pela coragem e pela maneira de dizeres estas coisas com tanta elegância!

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    1. Caro amigo Castro,
      Suas palavras deixam-me lisonjeado. Há a necessidade de construirmos uma ruptura com o estilo organizacional do movimento espírita brasileiro, partindo das orientações de Allan Kardec. Caso contrário, ocorrerá o que nos adverte o Espírito Bezerra de Menezes, através de mensagem psicografa por Francisco C. Xavier, em 20.04.1963, quando ele afirma: "Acontece, porém, que temos necessidade de preservar os fundamentos espíritas, honrá-los e sublimá-los, senão acabaremos estranhos uns aos outros, ou então cadaverizados em arregimentações que nos mutilarão os melhores anseios, convertendo-nos o movimento de libertação numa seita estanque, encarcerada em novas interpretações e teologias, que nos acomodariam nas conveniências do plano inferior e nos afastariam da Verdade." Grato pelas palavras de incentivo. Marchemos!

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  2. Só nos resta refletirmos! Porque não existe um partido, direita ou esquerda....quem questiona sabe,a doutrina espírita é bem clara. O próprio homem é que coloca suas algemas.
    Primordiais os argumentos!

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  3. Jesus o revolucionário do amor!É nosso papel como espíritas dar continuidade a revolução do mestre.Excelente texto.

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  4. CARO IRMÃO JORGE LUZ, QUANDO LI ESTE ARTIGO, MIM IDENTIFIQUEI MUITO COM ELE. POIS TENHO ESTA PREOCUPAÇÃO QUE VEM COLOCADO NO ASSUNTO. O MOVIMENTO ESPIRITA BRASILEIRO ATUAL TEM QUE SER MAIS REVOLUCIONÁRIO, OU MELHOR SUBVERSIVO. TEMOS QUE SERMOS ATIVOS NA SOCIEDADE, NÃO FICARMOS NA DEFENSIVA PERANTE AS OUTRA RELIGIÕES, REPENSARMOS O MODO DE EDUCAÇÃO.SOMOS ETERNOS E ETERNAS, PORTANTO NÃO DEVEMOS TER O MEDO DE SER FELIZ E FAZER FELIZ OS NOSSOS IRAMÃOS. GOSTEI DO TEMA, E CONTEM COMIGO NESTA LUTA.



    BRUNO FILHO
    MEMBRO DA SOCIEDADE ESPIRITA DR. ANTONIO JUSTA- SEDAJ

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  5. Amigo Jorge, esse artigo tinha passado despercebido e só pelo seu alerta que pude resgatá-lo, o que seria uma perda irreparável para mim ficar sem essas reflexões. Quando vejo formulações desse porte sinto uma espécie de "inveja branca" por não ter sido o autor. Assumo o compromisso espiritual de tais palavras. A postura que a Doutrina Espírita nos propõe (ou quem sabe até imponha) é necessariamente libertária, sem cumpadrismo(perdoem o neologismo) nem concessões que privilegiem uma falsa política de boa vizinhança, seja nos relacionamentos com os congeneres ou com as diversas formas de pensar. Evitar enxergar o outro como adversário não é a mesma coisa que calar a polêmica, sem a qual jamais poderemos encontrar o caminho da convicção. Tratar a mensagem espírita sem a antevisão de que ela é revolucionária é no mínimo falta de conhecimento de sua natureza. Roberto Caldas

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  6. Agora o artigo está completo. Valeu, Roberto!

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  7. Caro amigo Jorge, revisitei o artigo e não é que é isso mesmo meu companheiro. Ninguém larga a mão do outro. Roberto Caldas

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