Pular para o conteúdo principal

INSTANTES - É TUDO QUE TEMOS¹

          

Por Roberto Caldas (*)




        Um poema que por muitos anos foi reproduzido como se fosse de autoria do renomado escritor argentino Jorge Luis Borges, intitulado Instantes, fala de uma inquietação por ter chegado aos 85 anos e estar revendo muitos daqueles passos que dera no passado, ensejando que faria diferente se fosse factível recomeçar. Os créditos da produção pertencem à desconhecida escritora Nadine Stair, mas a olhada no retrovisor continua cabendo de forma magistral nas escolhas que adotamos e define a sensação que alimenta os nossos últimos passos na existência.
            Certo que não devemos parar na crítica ácida ao que fizemos e não deveríamos ter feito, porque muitas vezes nos faltaram elementos do amadurecimento que só chegariam com o passar do tempo, mas o material psicológico acumulado ao longo dos anos deve servir para nortear a retomada do caminho e a requalificação de nossas atitudes.

            Essa a finalidade da encarnação, considerado apenas o período que compreende o espaço que separa o nascimento da morte. Continua sendo dessa forma quando ampliamos a visão além dos limites de uma única existência e invadimos os arcabouços de percepções que dormitam no esquecimento do inconsciente. Apesar das lembranças não se traduzirem em imagens conscientes é possível que as sensações que nos chegam à mente atual nos apontem os prováveis equívocos que tenhamos cometido nesse tempo remoto.  
            Os sentimentos que viajam em nossos atos fazem parte de uma construção da personalidade, a qual antecede o exato momento que os exibimos. São eles que nutrem a resposta imediata que eclode da nossa emoção quando afrontados pelas situações que se dispõem de forma planejada ou improvisada e que exigem uma resposta. Pela resposta é possível intuir quanto a construção que nos permitimos. Dessa maneira podemos repensar se há ou não a necessidade de mudança. A impressão de conforto ou desconforto pode ser o indicativo do quanto podemos fazer na recuperação do que perdemos lá atrás. Afinal nos esclarece a questão 133a de O Livro dos Espíritos que “... Quanto menos imperfeições, menos tormentos. Aquele que não é invejoso, ciumento, avarento ou ambicioso não sofrerá com os tormentos que procedem desses defeitos”.
            Entende-se que a beleza e o lirismo que o poema (Instantes) nos inspira pode decerto alimentar reflexões muito profundas quanto ao aproveitamento do tempo, enquanto estamos na flor dos anos. Porém, jamais teremos coisa alguma além de instantes para que determinemos a direção de nossas vidas. Se não conseguimos o quanto desejamos nesse percurso conhecido, o futuro que começa agora – e que não passa de um elo de momentos passageiros que se encadeiam – pode nos fazer ingressar exatamente na estrada, cuja paisagem seja a que pretendemos escolher. Nada de parar em lamentações, sempre há uma opção de recomeço que respeite as possibilidades e talentos que nos colecionamos.

            A lição do Evangelho é alimentadora de nossas capacidades. Sempre que Jesus operava uma ação corretiva incentivava a necessidade de seguir adiante, como fez ao cego de Jerico, após devolver-lhe a visão (Marcos X: 52): “vai em frente, a tua fé te salvou”.

¹ Editorial do programa Antena Espírita de 14.09.2015.

(*) escritor espírita, editorialista do programa Antena Espírita e voluntário do C.E. Grão de Mostarda.

Comentários

  1. Seria este? Mui belo.

    INSTANTES
    ------------------

    Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
    na próxima trataria de cometer mais erros.
    Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
    Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade
    bem poucas coisas levaria a sério.

    Seria menos higiênico, correria mais riscos, viajaria mais,
    contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas,
    nadaria em mais rios.

    Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha,
    teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

    Eu fui uma dessas pessoas que viveram sensata e produtivamente
    cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.

    Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
    Porque se não sabem, disso é feito a vida, só de momentos.

    Não percam o agora.
    Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e
    continuaria assim até o fim do outono.

    Daria mais voltas na minha rua,
    contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
    se tivesse outra vez uma vida pela frente.

    Mas, como sabem, tenho 85 anos
    e sei que estou morrendo.

    (Nadine Stair, poetisa americana de Louisville, Kentucky, ela tinha 85 anos quando escreveu este poema)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

TEMOS FORÇA POLÍTICA ENQUANTO MULHERES ESPÍRITAS?

  Anália Franco - 1853-1919 Por Ana Cláudia Laurindo Quando Beauvoir lançou a célebre frase sobre não nascer mulher, mas tornar-se mulher, obviamente não se referia ao fato biológico, pois o nascimento corpóreo da mulher é na verdade, o primeiro passo para a modelagem comportamental que a sociedade machista/patriarcal elaborou. Deste modo, o sentido de se tornar mulher não é uma negação biológica, mas uma reafirmação do poder social que se constituiu dominante sobre este corpo, arrastando a uma determinação representativa dos vários papéis atribuídos ao gênero, de acordo com as convenções patriarcais, que sempre lucraram sobre este domínio.