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AUTORIDADE E ARBITRARIEDADE

 

Por Doris Gandres

Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse de indivíduos e de coletividade. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

A filosofia espírita nos ensina que somente a autoridade moral é irresistível (1) – e permanente, no meu entender, visto que nós, espíritos encarnados e desencarnados, não perdemos nenhuma de nossas aquisições tanto intelectuais quanto morais.

No entanto, assistimos a tantas arbitrariedades, autoritarismos e abusos de poder, poder equivocado, pois que, mais cedo ou mais tarde, aquele que ontem estava no poder acreditando-se acima de tudo e de todos, hoje jaz no ostracismo, perdido em algum parágrafo da história ou em algum canto remoto da memória popular... Por vezes, um ou outro renasce das cinzas, qual fênix, e reluz ainda por uma fração de instante diante da eternidade para depois apagar-se definitivamente, frequentemente desmascarado, senão enquanto vivo, postumamente...

Lamentavelmente em nosso presente estágio evolutivo ainda confundimos poder com autoritarismo, com a posse de vultosos bens, títulos, cargos elevados, coleção de diplomas e prêmios diversos; acreditamos ainda que “os fins justificam os meios” e cometemos todos os atos possíveis, e até impossíveis, para a conquista de nossos objetivos – quaisquer sejam eles...

Hoje ainda acreditamos que a superioridade intelectual, financeira, de status e posição social e sobretudo bélica, permite praticamente tudo – particularmente o domínio sobre o outro em situação momentaneamente fragilizada, seja este outro indivíduo ou coletividade ou nação e, mais ainda, que essa supremacia temporária dá o direito de violentar mentes e princípios e até mesmo destruir vidas.

A autoridade de qualquer tipo, na verdade, mais que uma conquista, é uma difícil prova acarretando imensa responsabilidade – ao seu portador cabe o dever de empregá-la a benefício do mais fraco, do mais desprovido, do menos favorecido, seja do que for... Todavia o homem, de um modo geral, tem-na utilizado a bem do seu interesse pessoal. E, assim, gerou todo esse desequilíbrio social que agora transborda miséria e violência superlativas.

Allan Kardec adverte: “Por melhor que seja uma instituição social, sendo maus os homens, eles a falsearão e lhe desfigurarão o espírito para a explorarem em proveito próprio (...) A questão social não tem, pois, por ponto de partida a forma de tal ou qual instituição; ela está toda no melhoramento moral dos indivíduos e das massas. Aí é que se acha o princípio, a verdadeira chave da felicidade do gênero humano, porque então os homens não mais cogitarão de se prejudicarem reciprocamente. Não basta se cubra de verniz a corrupção, é indispensável extirpar a corrupção.” (2)

Atualmente, muitos desses companheiros equivocados, consciente ou inconscientemente mal intencionados e/ou mal influenciados, estão se vendo expostos à análise e opinião públicas. E felizmente hoje já vemos que em muitos casos títulos – juízes, desembargadores, delegados, policiais, deputados, senadores, religiosos de todos os níveis e crenças e outros mais – não mais servem de escudo a corruptores e corrompidos. O brilho do verniz de sua falsa e mal compreendida e, sobretudo, mal exercida autoridade já não mais seduz e engana com tanta facilidade como há algum tempo...

O que Martin Luther King declarou há alguns anos com muita seriedade, de que o que mais preocupava não era nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética, mas o silêncio dos bons; isso agora já começa a se modificar ainda que de pouco em pouco, pois que os que se esforçam para serem bons e os bem intencionados em todas as áreas humanas já se fazem ouvir, começam a se destacar. Hoje vozes se levantam contra todo tipo de preconceito, de discriminação, injustiça, afrontas de todo tipo, desigualdades aviltantes quanto a oportunidades no acesso à educação, à saúde, à moradia digna, à remuneração correta do trabalho e tantas outras condições que chegam ao nível de desumanidade.

A facilidade e a velocidade quanto à difusão e à divulgação de informação e de notícias que o mundo da internet hoje oferece em muito tem favorecido o desmascaramento de criaturas e situações desastrosas, calamitosas e absurdas quanto a abusos e mesmo crueldades; no entanto, esses mesmos desonestos, corruptos, exploradores fascistas e sanguinários, têm igualmente se beneficiado dessa ferramenta tecnológica para desvirtuar verdades, fatos, espalhar mentiras e falsas noções de liberdade, igualdade e democracia, não só aos da mesma estirpe, mas também aos infelizes incautos desvalidos de entendimento.

        Os espíritos que trabalharam com Kardec na elaboração da filosofia espírita afirmaram que “os homens se entenderão quando praticarem a lei da justiça”. (3)

 

(1)           LE q,274

(2)           Os.Ps. – Credo Espírita – Preâmbulo

(3)           LE q.812a

 

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