Pular para o conteúdo principal

IMPUNIDADE - A GRANDE ILUSÃO HUMANA

 


 Por Doris Gandres

Muitas são atualmente as notícias que levam uma grande fatia da humanidade a acreditar ser possível a existência da impunidade, tantas são as criaturas, muitas delas conhecidas e ilustres, que, reconhecidamente responsáveis por procedimentos incorretos e nocivos à comunidade, continuam como se nada houvesse acontecido, apesar de seus atos visivelmente contrários aos princípios de ética, justiça, solidariedade, fraternidade e cidadania.

Quantas leis dribladas através as brechas encontradas pelos astuciosos, tanto as já existentes como as mais recentes sobre temas, condições e situações antes sequer consideradas, como por exemplo racismo, misoginia, xenofobia, homofobia, trabalhos de menores, pessoas em situação de trabalho semelhante à escravidão etc. etc. etc... Não é de hoje que vemos essas discrepâncias impunes; que vemos fomentadores de miséria social coletiva, de morticínios seletivos, de genocídios de diversos povos e etnias, continuarem livres, arrostando descaradamente cidadãos impotentes perante a soberania dos pretensos “donos do poder” – sobretudo os belicamente avançados.

Muito provavelmente essas criaturas julgam-se acima das leis humanas; acreditam-se, e os acontecimentos terrenos parecem lhes dar ensejo para isso, imunes a qualquer tipo de justiça, já que a justiça humana ainda é morosa e muitas vezes falha. Contudo, não sabem ou não querem saber que cedo ou tarde chegará o momento da verdade, aquela que sepultaram sob títulos pomposos, cargos de (aparente) poder, falsas honrarias, vultosas contas bancárias em paraísos fiscais, mansões e até castelos luxuosos, esquecidos (ou não) de que tudo isso é temporário – a latente verdade que jaz lá no fundo de suas consciências entorpecidas pelo orgulho, pela vaidade, pela ambição.

Vemos líderes de todo tipo, políticos, religiosos e outros, que abraçam a arbitrariedade, o autoritarismo, o fundamentalismo, a mentira, o engodo, a perversa discriminação, a prática de todo tipo de ato vergonhoso, a defesa de armamento indiscriminado, enfim de tudo absolutamente contrário a qualquer princípio ético, moral, humanitário.

 Entretanto, a grande ilusão de estar acima de tudo e de todos, impunes ad eternum, se desmanchará qual bolha de sabão ao contato de um algo mais concreto, se despedaçará inteiramente qual taça de cristal arremessada contra a parede; e lá no íntimo, uma ferida extremamente dolorosa, de difícil cicatrização sangrará por muito tempo, ferida consciencial resultante da certeza de que, no fundo, sabiam que estavam errados...

A doutrina espírita é muito clara quando explica as leis naturais, que nada mais são do que as leis divinas, perfeitas, eternas e imutáveis como seu criador, Deus; quando afirma que só nos tornamos infelizes quando delas nos afastamos; quando, por exemplo, nos fala da lei de liberdade, de igualdade, do livre-arbítrio...

Sabemos que só pelo pensamento goza o homem de uma liberdade sem limites, porque o pensamento não conhece entraves; pode impedir-se a sua manifestação, mas não aniquilá-lo (LE q.833). Sabemos ainda que a consciência é um pensamento profundo, que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos (LE q.835) e, em assim sendo, goza igualmente de uma liberdade ilimitada, nada nem ninguém podendo impedi-la de se agitar dentro de nós... Já sabemos também que, uma vez atingido o nível evolutivo de seres inteligentes da criação (LE q.76), conquistamos uma ferramenta valiosa para o nosso crescimento intelectual, ético e moral: o livre-arbítrio, pois que se tem o homem a liberdade de pensar, tem a de agir; sem o livre-arbítrio seria uma máquina (OLE q.843). Portanto, chegados a este ponto, já não poderemos alegar ignorância e muito menos inocência. Chegamos ao que poderemos definir como “a idade do discernimento” e, por consequência, “a idade da responsabilidade”.

Esta sim, a responsabilidade, embora tão temida, embora tantos a ela se esquivem, é a nossa ferramenta maior e intransferível, que precisamos aprender a utilizar para a construção de um mundo cada vez mais seguro e mais tranquilo. Somente a sua assunção plena e cada vez mais eficaz nos proporcionará a paz de espírito que todos buscamos, a felicidade íntima com que todos sonhamos; é no reconhecimento de que somos responsáveis pelas nossas escolhas e ações que seremos capazes de assumir atitudes dignas para geração de justiça social, de respeito às pessoas e a seus direitos, sejam quem forem.

No livro Relembrando Deolindo I, o Professor Deolindo Amorim, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, afirma com muita sabedoria: O Espiritismo não veio apenas para aliviar, consolar, como se diz constantemente: ele alivia e consola, não há dúvida, mas desperta, antes de tudo, o sentimento de responsabilidade.

E o que faz em grande parte o movimento espírita, e, consequentemente, o meio espírita a ele aferrado? Aliena-se, tapa olhos, ouvidos e boca; como dizem muitos, aliás, para não se contaminar, para não dar força ao mal... E daí, se acovarda, se acanha, se encolhe, tomba na omissão e, desse modo, torna-se cúmplice, co-partícipe de toda essa ignomínia.

Na Revista Espírita de março de 1869, Allan Kardec desenvolve um estudo muito interessante para nossa reflexão, cujo título é A Carne é Fraca – Estudo Fisiológico e Moral. Quantas vezes nós, humanidade, queremos descarregar sobre a nossa organização física a responsabilidade por algumas de nossas atitudes menos louváveis..., Mas, o que se lê naquele estudo, particularmente em dado trecho, não nos deixa nenhuma dúvida quanto ao seu teor profundamente lógico e verdadeiro:

“Com o ser espiritual independente, preexistente e sobrevivente ao corpo, a responsabilidade é absoluta (...) E o Espiritismo a demonstra como uma realidade patente, efetiva, sem restrição, como uma consequência natural da espiritualidade do ser. Eis porque certas pessoas temem o Espiritismo, que as perturbaria em sua quietude (...) Provar que o homem é responsável por todos os seus atos é provar a sua liberdade de ação, e provar a sua liberdade é revelar a sua dignidade. A perspectiva da responsabilidade fora de lei humana é o mais poderoso elemento moralizador.”

Então, companheiros de ideal, companheiros cidadãos, companheiros desejosos de um mundo melhor, com verdadeira justiça para todos, sem fome, sem abusos de qualquer tipo, sem as aviltantes desigualdades sociais a que fazemos face há tanto tempo, fruto de desmandos de ontem e  de hoje ainda, vamos olhar nossa responsabilidade de frente, abraçá-la e caminhar digna e corajosamente para a construção e o estabelecimento desse mundo melhor.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...