Pular para o conteúdo principal

AINDA TANTOS ABISMOS?

 

Por Marcelo Henrique

Há muitas décadas – quase quatro – convivo nas diversas “ambiências” espíritas.

Neste tempo todo, tive a oportunidade de conhecer (quase) todos os “guetos” espíritas – o termo não é pejorativo, mas apenas simboliza a distância (provocada e real) entre os segmentos que se utilizam da Filosofia Espírita como referência conceitual.

Cada qual possui a SUA verdade e é inconciliável qualquer tentativa de pactuação em torno de trabalhos conjuntos ou ações comuns.

 Uma pena!

É claro que há um exemplo, relativamente recente, em que duas instituições que eram “rivais”, num dos Estados brasileiros, que possuía duas federativas espíritas, sendo que uma delas estava alinhada ao “poder nacional”, a FEB, e outra, não.

Falo do meu Estado natal, o Rio de Janeiro (RJ), onde coexistiam a Federação (FEERJ) e a União (USEERJ).

Por muitas e muitas décadas conviveram paralelamente, cada qual delas aglutinando um sem número de instituições espíritas. Certo dia, começaram a dialogar, a trocar ideias de modo construtivo, a programar “eventos comuns”, a patrocinar a presença de seus “afiliados” em eventos uns dos outros, até que nasceu o Conselho Estadual (CEERJ), com a fusão das duas entidades.

Belo exemplo, de natureza conciliatória.

Como não milito no movimento fluminense, não sei dizer se ele foi TOTALMENTE INCLUSIVO e se os eventuais descontentes em relação à “fusão” foram ouvidos e a argumentação venceu a “força”.

Espero que sim, e que a convivência, que já dura algumas pouco mais de duas décadas, esteja sempre sendo pautada pelo “respeito às diferenças”.

Ainda no sudeste brasileiro, temos o Estado de São Paulo (SP).Ali, temos “n” entidades congregadoras de casas espíritas.

Cito a União (USE), a Federação (FEESP) e a Aliança Espírita Evangélica, apenas como exemplo.

Há outras.

Inclusive algumas que incluem entre seus pressupostos teórico-associativos, doutrinas espiritualistas, como as de Ramatís, Ubaldi, Waldo, Ranieri e muitos mais.

Neste contexto, a USE é partícipe do movimento federativo nacional, o chamado oficial, enquanto os demais ficam à margem.

No passado – e, ao que parece, será reeditado em 2019 – se programaram e realizaram alguns eventos de “convivência” entre os “muitos espíritas” paulistas.

Congressos que permitiram fossem apresentadas as diferentes visões – penso que, interpretativas, já que a Doutrina Espírita é uma só, inequivocamente, e o que (nos) distingue é a forma de entender postulados, princípios ou conceitos.

Não é mesmo?

Quanto à forma de filiação, associação, permanência, correlação, estruturação de trabalhos, vejo que são questões humanas, jurídico-sociais, e, portanto, deixo de tecer comentários a esse respeito, porque vige em nosso país, civilmente, os pressupostos de livre-associação, desde que respeitadas as balizas constitucionais e as regras do Código Civil Brasileiro – inclusive no que pertine à regularidade jurídica da entidade, com registros e responsabilidades, inclusive tributárias.

No mais, como ouvi da primeira vez no longínguo ano de 1983, em um evento de jovens espíritas, há o movimento espírita (oficial) e os “paralelos”.

Ou seja, a baliza é sempre a de SEPARATISMO, de EXCLUSÃO, de RESTRITIVIDADE.

Algo como: – Quer dançar? Somente com a “nossa” música?

Quer participar? Somente se acatar as nossas normativas.

Quer fazer parte? Uma comissão federativa irá visitar a sua instituição e qualificar, classificar e avaliar tudo, desde a estrutura física, o quadro de associados, a relação de atividades e o desempenho NAS atividades.

Isto tudo vem de longe, e tem um “evento” como nascedouro: o “pacto áureo” (sim, com minúsculas, porque não representa nenhuma aura de entendimento e inclusão), de 1949, que reuniu uma parte dos espíritas em torno de uma entidade que já existia e que, em sua origem inicial, no século XIX, não era nenhum “comitê central” como o Codificador teria postulado como um órgão de referência doutrinária para os espíritas.

Fico pensando que aquele homem sóbrio, sério, compenetrado, visionário, humanista, livre-pensador, faria o mesmo.

Viajo no tempo e vejo Rivail, viajando pela França, para conhecer outros espíritas.

Participando de reuniões, confraternizando, explanando sobre temas espíritas ou orientações para a formação e continuidade das atividades espiritistas.

Vejo aquele Professor avaliando periódicos e obras, trocando correspondências com distintas pessoas e grupos, dialogando, até, com pessoas não-espíritas, de outros credos, buscando construir pontes e não ampliar ao infinito os abismos existentes.

Vejo, ao contrário, um movimento EXCLUDENTE.

Um movimento que, neste ponto, “honra” o substantivo que escolhi lá na primeira parte desta missiva, GUETO, porquanto, ao que parece, inexistem compromissos para aproximar, entre si, as “vertentes” espíritas, porquanto cada qual se considera, talvez, detentora, signatária e expressão de autoridade EM NOME do Espiritismo.

Kardec, mesmo, vaticinou, com certeza prevendo as dissensões – no que ele cognominou de “cismas” – a realidade dos nossos dias, quando sentenciou:

    a tolerância, consequência da caridade, […] é a base da moral espírita”.

Essa tolerância pressupõe não o “saber que existem outros”, “esbarrar com eles em eventos comuns”, “dialogar sobre quaisquer assuntos” em situações de encontros, mas um compromisso MAIS EFETIVO de estabelecimento de AGENDAS comuns e efetivas. O Magrão, a seu tempo, já teria dito, traduzido que foi pelo evangelista do momento: “A casa dividida rui”.

Os tempos de hoje são essenciais para a busca de uma UNIÃO SEM UNIFICAÇÃO, ou seja, a reunião dos espíritas sensatos sem a posição de ascendência ou superioridade entre uns e outros, para a discussão das ideias comuns e para a efetivação de projetos que transcendam o “universo” limitantes das paredes das casas espíritas, e alcancem a sociedade como um todo, dentro dos ideais de progresso social que o Espiritismo expressa e encampa. Justamente aquilo que Kardec sentencia:

 

“Todos aqueles que se dizem espíritas não pensam do mesmo modo sobre todos os pontos, a divisão existe de fato, e é bem mais prejudicial porque pode chegar que não se saiba se, num Espírita, se tem um aliado ou um antagonista. O que faz a força é o universo; ora, uma união franca não poderia existir entre pessoas interessadas, moral e materialmente, a não seguir o mesmo caminho, e que não perseguem o mesmo objetivo. Dez homens sinceramente unidos por um pensamento comum são mais fortes do que cem que não se entendem”.

Os tempos, pois, são chegados! Vamos construir e manter as pontes?

 

REFERÊNCIA:

Kardec, Allan. Obras Póstumas. Segunda Parte. Constituição do Espiritismo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...