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OS ESPÍRITOS E AS ESTRELAS

 


Por Ana Cláudia Laurindo

Em um certo dia, quando os passos vacilantes me guiavam entre dependências e crenças ingênuas, acreditei que as experiências vividas no espaço de atividade mediúnica deveriam manter-se em segredo, pois a pessoa que dirigia aquele Centro Espírita, assim recomendava.

Tive encontros incríveis! Recebi carinho, confiança, ofereci os ouvidos para relatos de experiências humanas trazidos por espíritos então desencarnados, que podem já ter renascido, ou não.

Sinto hoje que guardei coisas demais, impressões importantes, palavras e sentimentos que fluíram de seres autônomos, onde dores e tragédias também se vinculavam a amores e esperanças.

Volto para Léon Denis, em seu Problema do Ser, do Destino e da Dor, afirmando que “a alma é imortal, porque o nada não existe e coisa alguma pode ser aniquilada, nenhuma individualidade pode deixar de ser”. (p.47)

Agradeço àquelas entidades vivas por me deixarem sentir suas energias de transbordo em palavras, os mesmos instrumentos dos quais me sirvo para refletir sobre as coisas que me disseram. Principalmente por este consolo de não-finitude, de sequência existencial, que diminui as angústias das separações. Seguindo em diálogo com Denis, explicando que “a dissolução das formas materiais prova simplesmente uma coisa: que a alma é separada do organismo por meio do qual comunicava com o meio terrestre […] De cada vez que ela abandona seu corpo terrestre, encontra-se novamente na vida do espaço, unida ao seu corpo espiritual, do qual é inseparável, à forma imponderável que para si preparou com os seus pensamentos e obras”. (p.47)

Como é estimulante saber, afirmar e reafirmar a força imperiosa da vida!

Entender que sentimentos e relações não precisam ser efêmeros nos alerta para as necessidades de aprofundar análises e não nos contentarmos com as bordas onde a maioria se farta.

Abençoada seja a solidão de quem avança com o desejo de perdoar sem fingimento, através da razão que esclarece e orienta a tomada de decisões maduras, vislumbrando a conquista de si mesmo, espírito. Porque na Terra a dor é envolvente e a presença do mal se impõe com o espalhafato de quem espalha brasas, tornando as amenidades existenciais meras cinzas. Que este espetáculo filosófico não cozinhe as esperas mas instigue as conquistas internas, amarradas aos medos e buscas de aceites.

Volta Denis, dizendo que “se a vista do mal vos tem causado sofrimentos, se tendes chorado por vós e pelos outros, haveis de ter podido entrever, nessas horas de tristeza, de dor reveladora, as secretas profundezas da alma, as suas ligações misteriosas com o Além, e deveis compreender o encanto amargo e o fim elevado da existência, de todas as existências. Esse fim é a educação dos seres pela dor; é as ascensão das coisas finitas para a vida infinita”. (p.51)

Como não sentir esse chamado a uma reflexão corajosa, que afronte convicções e zonas de conforto? Sim, nem apenas as explicações piedosas, nem somente as justificativas sistemáticas das intencionalidades humanas, o espírito transcende porque a estrada de crescimento é muito longa, e cada metro andado estimula paisagens ocultas a se revelarem.

Quando acreditava que sabia muito, vi que insipiente ainda é o que abracei como revelação.

A humildade me abraça.

Léon Denis me acalma: “O círculo em que se agitam a nossa vida e o nosso pensamento é limitado, assim como é restrito o nosso ponto de vista. A insuficiência dos dados que possuímos torna toda a nossa generalização impossível. Para penetramos no domínio desconhecido e infinito das leis, precisamos de guias. Com a colaboração dos pensadores eminentes dos dois mundos, das duas humanidades, é que alcançaremos as mais altas verdades, ou pelo menos chegaremos a entrevê-las, e que serão estabelecidos os mais nobres princípios”. (p.42)

A parada será apenas para recuperar o fôlego, a estrada de subida é íngreme porque as bagagens inúteis as quais dedico apego cumprem a função de atrasar, me alocando no tempo da minha própria consciência humano/espiritual.

Já conseguimos admirar o brilho das estrelas.

Um dia estaremos mais próximos do amor que liberta.

 

Bibliografia: DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. 1905

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