domingo, 21 de fevereiro de 2021

A PRECE, OS ESPÍRITAS E O RITUAL

 

                     Muitas lives realizadas por espíritas e instituições espíritas nas mídias sociais vêm se utilizando de forma indevida do recurso da prece, nas aberturas e nos encerramentos.

            A prece cabe nesses eventos, não ao vivo, mas em off. Ou seja, o apresentador ou a equipe de apresentadores realiza a prece antes de entrar ao vivo.

A afirmativa pode causar espanto para alguns leitores. Mas é exatamente o que afirma Allan Kardec. O tema já foi abordado nesse sítio, mas a oportunidade exige nova abordagem.

O momento histórico e cultural em que o Espiritismo surgiu na Terra, no século XIX, na França, era um período de convergências de conhecimentos. O Espiritismo chegou ao solo francês como filosofia que explicava e transformava o mundo, essa era uma necessidade dos tempos.

Na segunda metade do século XIX, o movimento espiritualista se colocou como uma revolução do pensamento de sua época, num século que aboliu os preconceitos e as perseguições religiosas e teve na ciência um avanço intelectual, um aliado valioso. Este movimento aplicou a ciência nas comunicações com os mortos, investigou os fenômenos na sua lógica e veracidade, mas, também, combateu o materialismo simplista e lançou bases para pensar as verdades religiosas, antes dominadas pelo dogmatismo da religião tradicional.

Um fato curioso, para se fixar bem esse momento, está na obra de Arthur Conan Doyle (1859-1930), escritor e médico britânico, nascido na Escócia, mundialmente famoso por suas 60 histórias sobre o detetive Sherlock Holmes, publicada no Brasil como História do Espiritismo, e no original, História do Neoespiritualismo.

Esses realces são necessários para que, de uma vez por todas, afaste-se a possibilidade de Espiritismo como religião. Allan Kardec, coerente com essa realidade, utiliza-se do termo Filosofia Espiritualista, ao título de O Livro dos Espíritos. Obviamente, considerando as narrativas acima, adicionadas ao caráter filosófico e moral, jamais caberia a introdução da prece em suas atividades.

Ademais, Kardec, em Viagem Espírita em 1862, no capítulo XI, tornou evidente a sua compreensão do que ele quer dizer religiosamente: “Tudo nas reuniões espíritas deve se passar religiosamente, isto é, com gravidade, respeito e recolhimento.” Em seguida, ele pronunciou o motivo principal dessa necessidade, mais necessário em caráter da abrangência dos eventos virtuais. Ele complementou: “Mas é preciso não esquecer que o Espiritismo se dirige a todos os cultos.”

 Na sequência do discurso, ele foi mais rigoroso e esclareceu:

 

“(...) aconselhamos a abstenção de qualquer prece litúrgica, sem exceção mesmo da Oração Dominical, por mais bela que seja. Como, para fazer parte de um grupo espírita, não se exige que ninguém abjure sua religião, e permite-se que cada um faça a seu bel prazer e mentalmente, a prece que julgar a propósito. O importante é que não haja nada de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial.(...)”

 

Em a Revista Espírita, de dezembro de 1868, ao responder, filosoficamente, se o “Espiritismo é uma Religião?”, ele recomendou o seguinte: “As reuniões espíritas podem, pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito que comportam a natureza grave dos assuntos de que se ocupa; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam tomadas por assembleias religiosas.”

A maneira que os espíritas introduziram a prece em suas atividades configura-se rito. Veja-se a definição de ritual, segundo o dicionário Larousse: “conjunto de práticas consagradas pelo uso, ou ditadas por normas, que se deve observar sem alteração em ocasiões determinadas.”

            É de fundamental importância  o espírita entender que em um evento pelas mídias sociais ele terá alcance de público de várias tendências religiosas e filosóficas, e até mesmo ateus e agnósticos. Na Revista Espírita, de 1862, Allan Kardec reforçou essa condição:

 

“O Espiritismo é uma doutrina moral que fortalece os sentimentos religiosos em geral e se aplica a todas as religiões; é de todas, e não pertence a nenhuma em particular. Por isso não aconselha a ninguém que mude de religião. Deixa a cada um a liberdade de adorar Deus à sua maneira e de observar as práticas ditadas pela sua consciência.”

 

            Cabe a cada envolvido nos processos doutrinários que redirecione os protocolos das atividades dirigidas ao público de maneira geral, para as orientações de Kardec, afinal, no preâmbulo do capítulo XXXVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec assinalou que: “Os Espíritos sempre disseram: A forma não é nada, o pensamento é tudo. Faça cada qual a sua prece de acordo com as suas convicções e da maneira que mais lhe agrade, pois um bom pensamento vale mais do que numerosas palavras que não tocam o coração.”

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: EME, 1979.

_____________ O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.

_____________ Revista espírita, 1862. Brasília: FEB, 2004.

_____________ Revista espírita, 1868. Brasília: FEB, 2004.

 

SITE

<http://periodicos.pucminas.br/index.php/interacoes/article/view/18214/16536>.

<http://bibliadocaminho.com/ocaminho/tkardequiano/tkp/Ve/VeP2C11.htm>.

2 comentários:

  1. Muito interessante essa observação.

    Nos coletivos de esquerda, geralmente vamos direto ao ponto; já nas lives das casas espíritas, a prece faz parte desse ritual, além da leitura de página.

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  2. Excelente artigo! Pena que muitos espíritas não compreendem ou não querem compreender os ensinamentos de Kardec.

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