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SANTA SIMPLICIDADE!

 

O condenado foi conduzido ao local onde arderia em chamas, uma das mais cruéis formas de execução adotadas pelos tribunais inquisitoriais, na Idade Média.

Nas proximidades, observou, admirado, a iniciativa de uma senhora. Recolhia gravetos secos e os juntava à lenha que seria usada, a fim de facilitar a combustão.

Não se contendo, exclamou:

– Ó santa simplicidade!

Essa observação é atribuída a João Huss (1369-1415), célebre teólogo e sacerdote tcheco, precursor da Reforma Protestante, injustamente condenado à fogueira por atrever-se a contestar determinados dogmas, claramente incompatíveis com a mensagem evangélica.

Admirável a sua coragem. Enfrentou com serenidade as chamas, não se furtando ao comentário espirituoso.

Diga-se de passagem: deram-lhe uma última oportunidade para salvar-se da fogueira, renegando suas ideias, ao que redarguiu:

– Deus sabe que nunca ensinei ou preguei o que me tem sido atribuído por falsas testemunhas. Tenho desejado apenas uma coisa – a conversão dos homens. Nesta verdade do Evangelho, que tenho transmitido, quero alegremente morrer.

E deixou-se queimar, entoando cânticos de louvor a Jesus.

Postura típica dos grandes missionários. Convictos das ideias que defendem, situam-se acima das limitações de seu tempo e enfrentam o establishment sem temores ou dúvidas, dispostos ao sacrifício da própria vida, a fim de manter fidelidade aos seus princípios.

Como ocorreu com o próprio Cristo, o martírio desses heróis dispara reações em cadeia que culminam com avanços significativos em favor do progresso humano.

 

***

 

O aspecto curioso para o qual chamo sua atenção, amigo leitor, é a iniciativa daquela mulher.

Julgava, em santa simplicidade, como destaca o mártir, cumprir piedoso dever.

Literalmente, pôs-se a jogar lenha na fogueira.

Essa expressão define uma iniciativa frequente das pessoas, envolvendo palavras e atitudes que tendem a agravar situações complicadas.

Há uma diferença significativa:

Raramente têm a marca da inocência.

Exprimem pura maldade, em expressões assim:

 

  • ·         Tem razão em desconfiar de seu marido. Eu o vi conversando com uma loira, em atitude suspeita!
  • ·         Sua antipatia por aquele indivíduo é justificável. Noutro dia falou mal de você!
  • ·         Fez bem em afastar-se daquelas pessoas. São expoentes da hipocrisia!
  • ·         Só você mesmo, para tolerar as impertinências desse seu amigo. É um neurótico!
  • ·         Suas informações sobre nosso chefe são fichinha… Sei muito mais!
  • ·         Se fosse comigo procurava a polícia. Botaria na cadeia esse mau-caráter que o prejudicou!
  • ·         Não faça acordo nenhum. Cobre seus direitos, tintim por tintim!

Jesus exalta como bem-aventurados os pacificadores, em O Sermão da Montanha.

Informa que serão chamados Filhos de Deus.

Todos somos frutos do amor divino, mas, para que nos habilitemos à condição de herdeiros dos patrimônios celestes, é fundamental que nos disponhamos a trabalhar com o Criador pela pacificação dos homens.

Se fizermos o contrário, não teremos nem mesmo o benefício da “simplicidade” para justificar nossas ações. Em dois mil anos de Cristianismo, estamos todos perfeitamente conscientes de que não devemos jogar lenha ou, mais modernamente, gasolina, na fogueira das dissensões humanas.


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