Pular para o conteúdo principal

POR UM MOVIMENTO ESPÍRITA DE VIVOS


 

            Leopoldo Machado (1891-1957), espírita baiano, lançou, na década de 1940, o movimento denominado Espiritismo de Vivos, que depois foi condensado na obra intitulada “Cruzada do Espiritismo de Vivos”.
            Dentre outros temas, Machado propunha um movimento espírita de vivos, sem qualquer demérito para as práticas mediúnicas e para as relações com o mundo espiritual, mas não cultuá-los.
            Passadas essas décadas, vemos que não mudou nada. Os espíritas agem como se houvesse desconhecimento dessa realidade espiritual e das suas responsabilidades no mundo corpóreo.

            Em um momento como o que se atravessa, as mensagens mediúnicas que circulam são o retrato do nível de ignorância dos postulados espíritas, principalmente naquilo que contém em “O Livro dos Médiuns”. As mensagens, via de regra, não tem nada fora do básico dos postulados espíritas.
         É um frenesi sem igual, principalmente relacionando-se a pandemia à transição da Terra para um mundo de regeneração. A impressão que se tem é que no pós-pandemia estará implantado o Mundo de Regeneração, como num passe de mágica.
A condição de Espírito encarnado e essa busca de uma intensa comunicação com o mundo dos Espíritos faz esquecer reflexões fundamentais para o movimento espírita, principalmente as responsabilidades sociais.
A transição reflete mudança de paradigma e é óbvio que ocorrerão novas demandas, certamente, em longo prazo melhores.  Porém, observando-se o cenário a curto prazo, o que se percebe é a necessidade de uma participação ativa do indivíduo para a construção de uma nova ordem de valores. Não há sinais da iniciativa dos donos dos poderes buscar uma nova ordem na relação do capital e o trabalho. O que se vê são sinais de manutenção da mesma ordem valores e estilo de governança. Essa permanência vibracional facultará novos flagelos destruidores.
É preciso compreender que os poderosos não são persuadidos com o sofrimento dos oprimidos. Vê-se que muitos deles recorrem exatamente ao Estado para socorro das suas iniciativas privadas. O lucro é deles. O prejuízo é do povo. Portanto, a essência do Estado deve sofrer modificações estruturais, com uma participação efetiva do povo. Haverá a necessidade de se suprimir a influência de setores corporativos no Estado, pela ocupação do Congresso. Essas questões têm que ser discutidas na seara espírita.
Sabe-se que o Espiritismo é o Consolador Prometido por Jesus à Humanidade, para reestabelecer o que foi dito por ele e ensinar novas verdades. É preciso entender, no entanto, que à época, ocorreram repercussões sociais radicais, e ao longo dos séculos, as ideias de Jesus nunca deixaram de tentar ser reestabelecidas por indivíduos, o que é óbvio, caso contrário elas não teriam sobrevivido.
Fazer um paralelo daqueles dias com os atuais, no contexto social, é de fundamental importância para que o propósito do Espiritismo se realize.
O que se pode constatar, ouvindo-se os Evangelhos e historiadores, é que as primeiras comunidades cristãs eram formadas quase que exclusivamente de elementos proletários e uma organização proletária. Leia-se, Paulo, na I Epístola aos Coríntios:
“Irmãos, contemplai a vossa vocação! Pois não foram convocados muitos sábios, de acordo com critérios humanos, nem muitos poderosos, nem tampouco nobres. Pelo contrário, Deus escolheu justamente o que para o mundo é insensatez para envergonhar os sábios, e escolheu precisamente o que o mundo julga fraco para ridicularizar o que é forte.”
            O que mais toca o presente é que, à época, tanto o Cristianismo como os fundamentos da essência daquilo que configurou o socialismo são perseguidos e encurralados, os seus aderentes são proscritos e submetidos a leis de exceção, uns como inimigos do gênero humano, os outros como inimigos do governo, da religião, da família, da ordem social, afirma Friedrich Engels [1820-1895], teórico revolucionário prussiano.
Ernest Renan [1823-1892], filósofo, filólogo, historiador francês, quem primeiro escreveu sobre o Jesus histórico, afirma que suas máximas eram ideais para um país em que a vida se nutre de ar e luz, um comunismo inofensivo de uma turma de filhos de Deus. Jesus, compreendendo que o mundo oficial não serviria absolutamente para ser seu reino, volta-se, portanto, para os simples.
Seu reino, diz Renan, será a) para as crianças e para os que se parecem com elas; b) para os desprezados este mundo, vítimas da arrogância social, que rejeita o homem bom, mas humilde; c) para os heréticos e cismáticos, publicamos samaritanos, pagãos de Tiro e Sidônia. E seu apelo vem através da Bodas do Banquete de Casamento.
Cairbar Schutel, [1868-1938], grande divulgador do Espiritismo, afirma em sua obra Vida e Atos dos Apóstolos;
“A dizer com franqueza, segundo a linguagem dos tempos atuais, os dois grandes Revolucionários Cristãos; Jesus e João Batista – eram grandes Revolucionários Cristãos, eram francamente comunistas ...  Naturalmente que não se trata de um Comunismo Materialista, que degenera em Anarquismo, mas poderíamos intitulá-lo Comunismo Cristão, com todas as insígnias de Fraternidade, Igualdade e Liberdade.”
Poder-se-ia elencar tantos outros autores que reforçam esse posicionamento, mas se torna desnecessário o vasto material sobre o tema, publicado nesse sítio.
Percebe-se que esse caráter revolucionário se perdeu na esteira do tempo pelo direcionamento do Cristianismo, depois do Catolicismo como religião oficial. Nos ensinamentos de Jesus são visíveis fatos que expressam o ódio de classe, sempre com aversão ao rico. Portanto, são fatos ainda presentes na sociedade.
A realidade exige profundas reflexões da parte dos espíritas, os quais o articulista se insere, na busca de iniciativas que realmente resgatem a originalidade do Cristianismo no contexto das lutas de classes, diante das desigualdades profundas que assolam a Humanidade.
O que se faz urgente é libertar o movimento espírita não só do jugo da mediunidade, da adoração de líderes religiosos, do eruditismo dos oradores, do institucionalismo, do profissionalismo religioso, mas efetivamente, da ética de conceituação passadista religiosa. Todo esse aparato sufocou a fé raciocinada espírita, tão requisitada.
É inadmissível o que se está presenciando no movimento espírita nos dias atuais. Espíritas flertando como o totalitarismo, inclusive em apoio ao um regime militar, de triste memória. Toma-se posicionamentos contrários aos fundamentos cristãos, com posturas que ferem  a dignidade humana.
O movimento espírita brasileiro mostrou um lado da face retrógrada, conservadora, de um religiosismo fundamentalista e asqueroso.
Há a necessidade de entender que não há reconciliação no campo da fé, em um contexto religioso. A ruptura com essa realidade surgiu no século XVIII, exatamente para o advento do Espiritismo.
Ressignficar o movimento espírita através da filosofia espírita, esse é o grande desafio pós-pandemia. Esse ordenamento é macro, pois alcança todos os atores no processo da divulgação espírita.
Estivesse Jesus entre nós certamente ele se utilizaria dos argumentos do diálogo que manteve com Nicodemos, (João 3:13):

Ô, Espíritas, eu lhes falei de coisas terrenas e vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas celestiais?

Referências:
ENGELS, Friendrich. Cristianismo primitivo. Digital.
MASCARO, Alysson, L. Cristianismo libertador. São Paulo: Comenius, 2002.
RENAN, Ernest.  Vida de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 1995.
SCHUTEl, Cairbar. Vida e atos dos apóstolos. São Paulo: Clarim, 1981.

Comentários

  1. Começo, meio e fim. O Espiritismo foi forjado pelo Mediunismo, mas passou a surfar no Criticismo Científico, com ampliação da visão de mundo e reorientando a leitura das palavras de Jesus. Nada há de conservador na avaliação analítica espírita. Roberto Caldas

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

O MEDO SOB A ÓTICA ESPÍRITA

  Imagens da internet Por Marcelo Henrique Por que o Espiritismo destrói o medo em nós? Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados… De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama… De empobrecer; de não ser amado… De dentista; de sentir dor… Da violência; de ser vítima de crimes… Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego…

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.