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ASAS DA EVOLUÇÃO





Atenta à exposição na casa espírita, a participante aguardou o momento reservado às perguntas para inquirir o palestrante: “Se somos detentores de livre-arbítrio, poderíamos então decidir por não evoluir?”
A pergunta é pertinente, muito embora pareça para alguns ingênua.
Na questão nº 132 de O Livro dos Espíritos, as Vozes dos Céus respondem que Deus impõe a encarnação com o fim de levar os Espíritos à perfeição, e de colocá-los responsáveis de cumprirem à sua parte na obra da Criação. Para uns, missão, para outros, expiação; que consiste em sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea.

Vê-se, pois, que o Espírito encarnado é fadado à perfeição. O próprio Jesus é factual ao afirmar “Sede vós, pois, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai que estás nos céus.” (Mt, 5:48). Esta passagem atesta de forma irrefutável a reencarnação, já que é humanamente impossível se alcançar a perfeição em uma só vivência.
A concepção aristotélica de Deus foge ao conceito antropomórfico judaico-cristão e o espírita também, definindo esse ser Supremo como um Motor Imóvel. Imóvel (por não ser movido por nenhum outro), Deus é Ato Puro, Ser Necessário, Causa Primeira de todo existente. Deus, para Aristóteles, move por atração, ele tudo atrai como perfeição que é. Ele é o ser amado que atrai a amante sem fazer nada.
A atração exercida por Deus sobre o ser humano estabelece uma jornada que tem como propósito a realização do reino de Deus. Como seres perfectíveis, gravitamos em torno de Deus. Portanto, a perfeição é determinismo divino, que se sobrepõe ao livre-arbítrio. É preciso se reconhecer que há três tônicas dominantes no pensamento de Jesus. O reino de Deus como ponto de chegada. O amor (1ª asa) como instrumento e a reencarnação (2ª asa) como veículo para se alcançá-lo. Leia-se o que diz o Espírito Lázaro, em O Evangelho Segundo o Espiritismo:

“Quando Jesus pronunciou essa palavra divina, — amor — fez estremecerem os povos, e os mártires, ébrios de esperança, desceram ao circo.
O Espiritismo, por sua vez, vem pronunciar a segunda palavra do alfabeto divino. Ficai atentos, porque essa palavra levanta a lápide dos túmulos vazios, e a reencarnação, vencendo a morte, revela ao homem deslumbrado o seu patrimônio intelectual.”

O amor, no atual estágio evolutivo, é semelhante à obra Afresco, de Sandro Boticelli. Em O Nascimento de Vênus (foto), dada a muitas interpretações, sendo a mais conhecida, a ideia neoplatônica do amor divino se dá na forma nua de Vênus.
O amor fati – (tradução: “amor ao destino”), no conceito de Friedrich Nietzsche, não se revela como quesito moral, mas efetivamente como medicina para a alma, em contraposição à medicina grega e cristã, é tomada, no entanto, como fórmula pela qual se pode enunciar a possibilidade do amor pela vida como ela é.
Para o poeta Rumi, “Na entrada da casa do Amor existem dez mil espadas. Não tenha medo de usar uma delas.” Em qualquer situação perturbadora, o amor é recomendado como uma espada a cortar ou desfazer algo em sua vida.
O Cântico de Amor do Apóstolo dos Gentios aos Coríntios – I Cor, 13 -, destaca a excelsitude do amor, pois em permanecendo a fé, a esperança e o amor, o último prevalecerá.
Vamos encontrar na mitologia grega Eros, conceituação antiga do Olimpo grego, divindade que representa o Amor, mas especificamente o de natureza física, vulgarizado nos dias atuais como a sua simples erotização nos relacionamentos afetivos.
O amor, entretanto, é substância criadora e mantenedora do Universo, que quanto mais se divide, mais se multiplica, enriquecendo-se, na medida em que se reparte, dinâmica ativa que se constitui no que se denomina caridade, que o próprio Paulo, em mensagem de 1860, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, a considera divisa e flama celeste sintetizada na máxima “Fora da Caridade Não Há Salvação, onde estão contidos os destinos do homem sobre a Terra e no céu.”
O amor não é concessão divina, mas é aprendizado alcançado através dos relacionamentos que se plenificam nas jornadas sucessivas. Para esse desiderato, o Espírito mergulha na carne através da reencarnação, como lei biológica, e aporta no contexto familiar cujos laços espirituais determinam o parentesco. Nessa ordem – pais, filhos, irmãos – vão dentro dessa condicionalidade, aprimorando os laços através do amor. A união e a afeição entre essas individualidades indicam o grau de simpatia anterior. Allan Kardec assim se reporta em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. IV:18:

“Com a reencarnação, e o progresso que lhe é consequente, todos os que se amam se encontram na Terra e no espaço, e juntos gravitam para Deus.”





Na questão nº 132 de O Livro dos Espíritos, os Espíritos Reveladores afirmam que:

“Deus a impõe com o fim de levá-los à perfeição: para uns, é uma expiação; para outros, uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, eles devem sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea: nisto é que está a expiação. (...).”

A reencarnação possibilita compreensão justa das diferenças morais, físicas e intelectuais dos indivíduos. Embora todos os Espíritos tenham o mesmo ponto de partida – simples e ignorantes – cada um através da esteira dos tempos, submetidos que são à Lei do Progresso, vão angariando mais conhecimentos, e ao mesmo tempo promovendo a conquista de si mesmos, resgatando através de provações e expiações pelos impositivos da dor, ou superando-os pela recompensa do bem praticado.
O amor e a reencarnação são possibilidades evolutivas que Deus concede ao Espírito. Adquirindo conhecimentos, ele desenvolverá as suas aptidões elevadas, vencendo as paixões, culminando com o amor de plenitude, propósito maior do ato de amar.



Referências bibliográficas

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo.  São Paulo: EME, 1996.
_____________ O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.
JONES. Laurie B. Jesus coach. São Paulo: Mundo Cristão, 2004.

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