Pular para o conteúdo principal

ANTE A CRISE DE REFUGIADOS DO MUNDO





 Por Jorge Hessen (*)




Documento da Organização das Nações Unidas considera a guerra civil síria como a grande tragédia do século 21. O conflito foi marcado por violenta revolta armada em 2011. Segundo estimativas de organizações internacionais, o número de mortos na guerra é de quase 300 mil pessoas. Mais de quatro milhões de sírios já teriam buscado refúgio no exterior para fugir dos combates. O governo sírio garante estar tão-somente combatendo terroristas armados que visam desestabilizar o país. A guerra, todavia, tem raízes de natureza sectária e religiosa, com diversas facções atingindo outros países como Iraque e o Líbano, atiçando especialmente a rivalidade entre xiitas e sunitas.
A partir de 2013, aproveitando-se do caos da guerra civil tanto na Síria quanto no Iraque, um grupo autoproclamado Estado Islâmico (EI, ou ad-Dawlah al-Islāmīyah) começou a reivindicar territórios na região. Desde então, passou a chamar a atenção do mundo pelos requintes de violência e crueldade nas inúmeras atrocidades que cometem. Lutando inicialmente ao lado da oposição síria, as forças desta organização passaram a atacar qualquer uma das facções (sejam apoiadoras ou contrárias ao presidente sírio) envolvidas no conflito, buscando hegemonia total.

Em junho de 2014, militantes deste grupo proclamaram um Califado na região, com seu líder Abu Bakr al-Baghdadi como o califa. Eles rapidamente iniciaram uma grande expansão militar, sobrepujando rivais e impondo a sharia (lei islâmica) nos territórios que controlavam. Então diversas nações ocidentais como os Estados Unidos, as nações da OTAN na Europa e países do mundo árabe, temendo que o fortalecimento do EI representasse uma ameaça a sua própria segurança e a estabilidade da região, iniciaram uma intervenção armada contra os extremistas.
O relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) divulgado recentemente revela uma estatística catastrófica: são quase 60 milhões de refugiados, requerentes de asilo e deslocados internos até 2014, e esse número cresce a cada dia. O relatório diz ainda que 15 conflitos surgiram ou se reiniciaram nos últimos cinco anos. Isso fez com que milhares de pessoas buscassem refúgio em outros países. É como se 1 em cada 122 pessoas no mundo fossem refugiadas.
E o que mais assombra na estatística é que a metade são crianças. Uma delas é representada pelo menino sírio de três anos fotografado morto numa praia na Turquia após o barco em que estava com a família ter naufragado na tentativa de chegar à Grécia. Tal foto chocou o mundo e chamou atenção para a situação dos refugiados e imigrantes na Europa.
Em meio ao que se tornou a maior crise de refugiados do mundo desde a Segunda Guerra Mundial, felizmente nem tudo está perdido. Descobrimos aqui e ali amostras de comiseração diante desse quadro de calamidade humana. A exemplo da generosidade demonstrada por um casal de noivos turco, que decidiu compartilhar a alegria do dia do casamento com milhares de refugiados sírios, convidados para celebrar junto com eles na cidade de Kilis, no Sul da Turquia. Os noivos distribuíram pessoalmente, ainda vestidos com os trajes da festa de núpcias, toda a comida armazenada em alguns caminhões.
Vários países enfrentam dificuldades para conviver com essa nova realidade de imigrantes chegando aos milhares em suas terras, mas um grande exemplo de compaixão e caridade noticiado na imprensa veio da Islândia, onde mais de 12 mil islandeses, um país com pouco mais de 300 mil habitantes, ofereceram suas casas para receber os refugiados.
Grande exemplo de altruísmo deu o bilionário Naguib Sawiris, anunciando que quer comprar uma ilha para abrigar as famílias que buscam uma nova vida longe das guerras e da perseguição. Naguib acredita que sua ideia é viável e que ele será capaz de construir um novo país a partir do zero, investindo fortemente em infraestrutura. Mas é preciso convencer os países a lhe vender uma ilha desabitada e obter o direito de existência legal de um novo país.
Outro endinheirado, Hamdi Ulukaya, fundador da Chobani – marca líder no mercado de iogurte grego nos Estados Unidos – decidiu aderir ao The Giving Pledge, iniciativa criada por Bill Gates e Warren Buffett que reúne ricaços do mundo inteiro dispostos a doar uma parte ou suas fortunas inteiras em vida. Ulukaya, que é dono de um patrimônio estimado em US$ 1,41 bilhão (R$ 5,44 bilhões), entra para o grupo com a missão de investir pelo menos metade desta cifra em ações que auxiliem refugiados em todo o mundo. No ano passado ele já havia doado US$ 2 milhões (R$ 7,72 milhões) à Agência da ONU para Refugiados, e recentemente também criou uma fundação, a Tent, cujo foco está na mesma causa.
Conquanto infrequentes há muitas pessoas generosas entre nós. A Terra entretanto é um mundo de expiações e provas, razão pela qual a paz absoluta ainda não se encontra neste planeta, apenas em mundos mais evoluídos. Em nosso orbe a tranquilidade social é relativa.[1] É verdade! Ao Espiritismo cristão está reservada a tarefa de alargar os horizontes dos conhecimentos, nos domínios da alma humana, contribuindo para a solução dos enigmas que atormentam as sociedades contemporâneas de todas as culturas, projetando luz nas questões quase que indecifráveis do destino e das dores morais do homem contemporâneo.
Em suma, à proliferação do fenômeno migratório é necessário contrapor com a universalização do altruísmo e do auxílio incondicional, a fim de humanizar as condições dos banidos forasteiros. Ao devotamento e abnegação para com os migrantes e os refugiados há que vincular o entusiasmo e a capacidade criativa imprescindíveis para ampliar, em nível planetário, uma ordem social, econômico-financeira e política mais justas e equitativas, ao lado de um maior comprometimento a favor da paz, condições essas imperiosas para o robustecimento do Evangelho entre os homens.



Referência bibliográfica:

[1]           Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 20, capítulo V, RJ: Ed. FEB, 2000




(*) articulista com textos publicados na Revista Reformador da FEB, O Espírita de Brasília, O Médium de Juiz de Fora, Brasília Espírita, Mato Grosso Espírita, Jornal União da Federação Espírita do DF. Artigos publicados na Revista eletrônica O Consolador, no Jornal O Rebate, site da Federação Espírita Espanhola, site da Espiritismogi.com.br



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEMOCRACIA SEM ORIENTAÇÃO CRISTÃ?

  Por Orson P. Carrara Afirma o nobre Emmanuel em seu livro Sentinelas da luz (psicografia de Chico Xavier e edição conjunta CEU/ FEB), no capítulo 8 – Nas convulsões do século XX, que democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Grifos são meus, face à atualidade da afirmação. Há que se ressaltar que o livro tem Prefácio de 1990, poucas décadas após a Segunda Guerra e, como pode identificar o leitor, refere-se ao século passado, mas a atualidade do texto impressiona, face a uma realidade que se repete. O livro reúne uma seleção de mensagens, a maioria de Emmanuel.

JESUS E A QUESTÃO SOCIAL

              Por Jorge Luiz                       A Pobreza como Questão Social Para Hanna Arendt, filósofa alemã, uma das mais influentes do século XXI, aquilo que se convencionou chamar no século XVII de questão social, é um eufemismo para aquilo que seria mais fácil e compreensível se denominar de pobreza. A pobreza, para ela, é mais do que privação, é um estado de carência constante e miséria aguda cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é sórdida porque coloca os homens sob o ditame absoluto de seus corpos, isto é, sob o ditame absoluto da necessidade que todos os homens conhecem pela mais íntima experiência e fora de qualquer especulação (Arendt, 1963).              A pobreza é uma das principais contradições do capitalismo e tem a sua origem na exploração do trabalho e na acumulação do capital.

A FÉ NÃO EXCLUI A DÚVIDA

  Por Jerri Almeida A fé não exclui a dúvida! No espiritismo, a dúvida dialoga filosoficamente com a fé. O argumento da “verdade absoluta”, em qualquer área do conhecimento, é um “erro absoluto”. No exercício intelectual, na busca do conhecimento e da construção da fé, não se deve desconsiderar os limites naturais de cada um, e a possibilidade de autoengano. Certezas e dúvidas fazem parte desse percurso!

ESPIRITISMO NÃO É UM ATO DE FÉ

  Por Ana Cláudia Laurindo Amar o Espiritismo é desafiador como qualquer outro tipo de relação amorosa estabelecida sobre a gama de objetividades e subjetividades que nos mantém coesos e razoáveis, em uma manifestação corpórea que não traduz apenas matéria. Laica estou agora, em primeira pessoa afirmando viver a melhor hora dessa história contemporânea nos meandros do livre pensamento, sem mendigar qualquer validação, por não necessitar de fato dela.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

ÉTICA E PODER

     Por Doris Gandres Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse humanos. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...