segunda-feira, 9 de março de 2015

DESCAMINHOS DA DIVULGAÇÃO ESPÍRITA

“Mais vale um inimigo confesso do
que um amigo desajeitado.”
(Allan Kardec)



            Por Jorge Luiz (*)


            Recebi e-mail com programação de evento dito espírita, que será realizado aqui em Fortaleza. Fiquei perplexo pela escolha do tema central, mais apropriado para programas televisivos transmitidos na madrugada:Por que está dando “tudo errado” para mim?” Ou, quem sabe, para aqueles cartazes colados em postes de iluminação pública para anúncios de consulta, os conhecidos ledores de buena-dicha.
            A grade de programação traz como subtemas: Por que não consigo me resolver sexualmente? Drogas resolve? Depressão: causa ou consequência? Estou na família certa?  Em nenhum momento assinala-se que o evento é espírita ou que as abordagens serão espíritas. Aliás, só se encontra a palavra espírita nos nomes das instituições que promovem/apoiam o evento. Quando se elabora uma interface da programação dos subtemas com a temática central, revela-se incoerente, apelativa e equivocada doutrinariamente.

            Não restam dúvidas de que se vive uma verdadeira ditadura do sexo, que tem merecido atenção desde Freud, passando por Alfred Adler, Erich Fromm e outros. Entretanto, o homem não é somente um animal sexual, que para se sentir “resolvido”, basta adequar-se a esse ou àquele vetor, para que a sua vida se transforme em mil maravilhas. O ser humano, na condição de Espírito imortal, no trânsito por diversas etapas do processo antropológico, integra-se paulatinamente no pensamento cósmico. Ajustar-se a esse ou àquele ponto de vista, é relativizar assunto de tamanha transcendência, que é a Vida.
            Estou na família certa? Em estando, a vida mudará o seu curso? Incompreensível onde se pretende chegar, principalmente em se tratando de divulgação espírita. Pare-se por aqui!
            Realiza-se eventos para divulgar o Espiritismo ou eventos caça-níqueis? Espiritismo: obra de educação ou de autoajuda? Evento espírita ou esotérico? Espera-se que os expositores consigam responder tais questionamentos.
            Se for lançada de vista ao mercado editorial espírita, a situação se mostra também preocupante. Há uma avalanche de editoras que publicam obras, normalmente romanceadas, com situações pitorescas do mundo espiritual, que não encontram nenhum respaldo doutrinário. O escritor espírita, paulista, Richard Simonetti, define bem esse cenário, quando afirmou: “Depois que Chico Xavier desencarnou, “soltaram a tampa da revelação”. Médiuns transmitem fantasias sobre a vida espiritual, situando-as como desdobramentos do conhecimento espírita. Livros assim vendem bem, fazem mal ao movimento.”
            As situações anteriormente expostas refletem a falta de compromisso com o estudo da doutrina espírita. Espiritismo não se aprende de soslaio. Não se pode divulgar algo que não se conhece. Para se vender banana na feira é preciso conhecer as diversas espécies de banana. Agora, imagine uma Doutrina que veio para transformar o homem, e, consequentemente, a Humanidade. Uma Doutrina que faz parte do Projeto Divino para a Humanidade.
            Consciente dessa importância, Allan Kardec esmerou-se em organizá-la de forma a não permitir dúvidas ou falsas interpretações.
            No Projeto 1868, inserido em Obras Póstumas, Kardec estabelece dois elementos para concorrer para o progresso da Doutrina: o seu estabelecimento teórico e o meio de popularizá-la. Observe que os elementos são indissociáveis. Basta-se estudar, estudar, estudar... e divulgar!
            O professor, jornalista, filósofo e escritor espírita, José Herculano Pires, em sua bela obra Curso Dinâmico de Espiritismo, já previne sobre essas posturas quando assinalou: “Bastam esses fatos para mostrar que o Espiritismo é o Grande Desconhecido dos próprios Espíritas. E é por isso, por causa dessa negligência imperdoável no estudo da doutrina, que os próprios adeptos se transformaram em eficientes instrumentos de combate ao Espiritismo”.
            No movimento espírita, a crítica infelizmente soa como anticaridade. Normalmente, a crítica sempre é interpretada como tentativa de diminuir o valor das iniciativas, desrespeito ao próximo, ou a sempre arguida intolerância.
            Allan Kardec, entretanto, em a Revista Espírita 1867, no artigo “Olhar Retrospectivo sobre o Movimento Espírita”, orienta no tocante a situação da espécie: “(...) declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse capaz de desacreditá-la, porque não seria este o caso de adeptos sérios e convictos”.
            Portanto, parafraseando o confrade já desencarnado, Gélio Lacerda da Silva, na obra Conscientização Espírita, compete aos espíritas: a) ficar em cima do muro? - termo jocoso que se define todo aquele que permanece sem tomar uma decisão, em nome de pseudoevangelismo; b) fazer como avestruz? - definição para aqueles que, diante dos fatos, enterram as cabeças nos “buracos e moitas da vida”, patrocinados por visão deturpada de caridade; c) botar a boca no trombone, quando, de forma respeitosa e pautada na ética espírita, questionam-se fatos que de alguma forma colidam com o pensamento kardequiano.
            É sempre bom requisitar a profética frase de Léon Denis, registrada na introdução da obra No Invisível:
“O Espiritismo será o que o fizerem os homens. Similia Simibilus! Ao contato da Humanidade as mais altas verdades às vezes se desnaturam e obscurecem. Podem constituir-se uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai, continua sendo pérola ou se transforma em lodo.”
            Cada um, portanto, adota a iniciativa que lhe aprouver.

 (*) blogueiro e expositor espírita.


REFERÊNCIAS

DENIS, L. No invisível. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, A. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006a.
_______ . Revista Espírita 1867. Araras, SP: IDE, 1999.
PIRES, Herculano. Curso dinâmico de Espiritismo: o grande desconhecido. São Paulo: Paideia, 1979.
SILVA, Gélio Lacerda da. Conscientização Espírita. Capivari-SP: EME, 2009.







7 comentários:

  1. Francisco Castro de Sousa10 de março de 2015 às 12:26

    Meu Caro Jorge Luiz, li o seu comentário sobre o evento de casa espírita e apoiada por outras instituições espíritas. Espero que a FEEC não esteja entre as apoiadoras, porque se tal estiver acontecendo, será preciso repensar o Movimento Espírita de nosso Estado! Para alguns os seus comentários soarão como falta de caridade, para outros, e aí eu me incluo, soará como grande alerta para repensarmos a nossa responsabilidade com a Doutrina Espírita. Não sou favorável ao aborto, mas esse tipo de ideia bem que merecia ter sido abortada. Parabenizo a sua coragem!

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    1. Caro amigo!
      Mui grato pela compreensão da importância que se reveste a temática, que está longe de ser uma polêmica vazia. Foi através de pequenas concessões que a Boa Nova se desvirtuou, sendo necessária a vinda do Consolador Prometido. Infelizmente, o evento conta com o apoio da União Distrital Espírita 7 (UDE 7) e Federação Espírita do Estado do Ceará- FEEC.

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  2. Ligiane Neves (Casa do Caminho de Aquiraz-CE)10 de março de 2015 às 13:28

    Esse é o tipo de movimento liderado por aqueles que se dizem "espíritas", que fazem espiritismo à sua moda. Na verdade, vem descaracterizar a verdadeira mensagem da Doutrina Espírita. É lamentável, tem casa espírita, inclusive, aplicando passe em animais! Parabéns Jorge, pela sua coragem, pois sabemos que o maior compromisso que temos com essa doutrina de amor, educadora e libertadora é a divulgação CORRETA!

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  3. Temos tanto que aprender na codificação, tanto na teoria como na praxis...Tem certas pessoas que acham que o Kardecismo já está superado. Esse tipo de evento mais nos atrapalha que nos ajuda rumo a nossa evolução pessoal e coletiva. O que precisamos fazer para mudar essa realidade?? Já que ao meu ver nós espíritas precisamos estudar mais nossos próprios postulados. Muito bom esse texto...

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  4. É provável que tais iniciativas se façam prósperas pela necessidade que alguns se investem de tentar explicar os fatos contemporâneos aplicando as formas e manobras que parecem dar certo no mercado, como se isso fosse flexibilidade e a marcada atitude espírita fosse uma postura radical e anacrônica . Aí falta da parte daqueles outros que acompanham o processo utilizarem da honestidade doutrinária para advertirem que não é através de tais expedientes que ajudaremos na divulgação da mensagem baseada em Kardec, sob a falsa premissa de "não querer faltar com a caridade" criando com isso um movimento espírita ACÉFALO, sem norteadores, sem dirigentes SÉRIOS. É uma pena!!!!!!!! Obrigado Jorge Luiz por levantar mais essa bandeira. Roberto Caldas

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  5. Caro Roberto,
    Sou-lhe caro pelas suas palavras.
    A crítica, clara, aberta é exigência dos postulados espíritas. Fechar-se a ela, corre-se o risco de voltarmos ao período da ignorância, do abuso e das trevas medievais. Corre-se o risco ainda, como você colocou bem, de se ter um movimento espírita ACÉFALO.

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